Dizer o Direito

domingo, 6 de abril de 2025

É constitucional o exercício do policiamento ostensivo e comunitário pela guarda municipal no âmbito local correspondente, desde que respeitadas as atribuições dos outros entes federativos

O caso concreto, com adaptações, foi o seguinte:

Em 08 de julho de 2004, foi promulgada a Lei municipal nº 13.866/2004, de São Paulo, que atribuiu à Guarda Civil Metropolitana atividades de policiamento preventivo e comunitário.

Veja a redação do inciso I do art. 1º da Lei:

Art. 1º A Guarda Civil Metropolitana de São Paulo, principal órgão de execução da política municipal de segurança urbana, de natureza permanente, uniformizada, armada, baseada na hierarquia e disciplina, tem as seguintes atribuições:

I - exercer, no âmbito do Município de São Paulo, o policiamento preventivo e comunitário, promovendo a mediação de conflitos e o respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos; (redação original - impugnada)

 

I - exercer, no âmbito do Município de São Paulo, as ações de segurança urbana, em conformidade com as diretrizes e programas estabelecidos pela Secretaria Municipal de Segurança Urbana, promovendo o respeito aos direitos humanos; (Redação dada pela Lei nº 14879/2009 )

(...)

 

O Procurador-Geral de Justiça de São Paulo ingressou com ação direta de inconstitucionalidade (ADI), perante o Tribunal de Justiça de São Paulo, contra o art. 1º, I, da referida Lei municipal.

O autor sustentou que as atribuições previstas nesse inciso ultrapassavam os limites constitucionais impostos ao papel das guardas municipais.

Segundo o PGJ, as funções conferidas pela norma municipal se confundiam com atividades de segurança pública, cuja competência é atribuída às polícias civil e militar, nos termos do art. 144 da Constituição Federal e do art. 147 da Constituição do Estado de São Paulo.

O Tribunal de Justiça julgou procedente o pedido e declarou a inconstitucionalidade do art. 1º, inciso I, da Lei nº 13.866/2004.

A Câmara Municipal de São Paulo interpôs recurso extraordinário contra o acórdão defendendo a constitucionalidade da lei.

 

O que decidiu o STF? O art. 1º, I, acima transcrito, é constitucional?

SIM. O STF, por maioria, ao apreciar o Tema 656 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário para declarar a constitucionalidade do art. 1º, I, da Lei nº 13.866/2004 do Município de São Paulo/SP, tanto em sua redação original como também na redação dada pela Lei paulista nº 14.879/2009.

 

O que é a guarda municipal?

Guarda municipal é uma instituição de caráter civil, uniformizada e armada, vinculada ao Poder Executivo Municipal, formada por servidores públicos efetivos, concursados, e que tem por função a proteção dos bens, serviços e instalações do Município.

Veja o que diz a Lei:

Art. 2º Incumbe às guardas municipais, instituições de caráter civil, uniformizadas e armadas conforme previsto em lei, a função de proteção municipal preventiva, ressalvadas as competências da União, dos Estados e do Distrito Federal.

 

A guarda municipal mereceu previsão expressa na CF/88:

Art. 144 (...)

§ 8º Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.

 

Lei disciplinando as guardas municipais

Repare que o § 8º afirma que as guardas municipais devem ser disciplinadas por meio de lei.

A Lei nº 13.022/2014 foi editada com esse propósito e se constitui em norma geral, aplicável a todas as guardas municipais.

Vale ressaltar, no entanto, que cada Município deverá editar a sua própria lei regulando a respectiva guarda municipal, sempre respeitando as disposições da Lei nº 13.022/2014.

 

Competências previstas para as guardas municipais

As guardas municipais sempre tiveram um papel mais relacionado com a proteção do patrimônio físico dos Municípios (prédios públicos, escolas, parques etc.). Isso se dava em virtude da interpretação restritiva do § 8º do art. 144 da CF/88: as guardas municipais são destinadas à proteção dos “bens, serviços e instalações” dos Municípios.

A Lei nº 13.022/2014 ampliou essa interpretação prevendo que as guardas municipais possam colaborar de forma mais intensa com a segurança pública nas cidades, atuando em parceria com as Polícias Civil, Militar e Federal.

 

ADPF 995

A Associação Nacional dos Guardas Municipais (ANGM) ingressou com ADPF por meio da qual pediu que o STF declarasse expressamente que as Guardas Municipais são órgãos de segurança pública.

Para a autora, o não reconhecimento dos Guardas Municipais como agentes da Segurança Pública pode suscitar o requerimento, por parte de vários advogados do Brasil, de nulidade da prisão de vários indivíduos detidos por Guardas Municipais.

O STF julgou procedente o pedido para, nos termos do art. 144, § 8º, da CF/88, conceder interpretação conforme a Constituição ao art. 4º da Lei nº 13.022/2014 e ao art. 9º da Lei nº 13.675/2018, de modo a declarar que:

• as guardas municipais são reconhecidamente órgãos de segurança pública

• são inconstitucionais todas as interpretações judiciais que excluem as guardas municipais, devidamente criadas e instituídas, como integrantes do Sistema de Segurança Pública.

 

Veja abaixo um resumo do que foi decidido:

É necessária a união de esforços para o combate à criminalidade organizada e violenta, não se justificando, nos dias atuais da realidade brasileira, a atuação separada e estanque de cada uma das Polícias Federal, Civis e Militares e das Guardas Municipais. Isso porque todas fazem parte do Sistema Único de Segurança Pública.

Essa nova perspectiva de atuação na área de segurança pública fez com que o STF, no julgamento do RE 846.854/SP, reconhecesse que as Guardas Municipais executam atividade de segurança pública (art. 144, § 8º, da CF/88), essencial ao atendimento de necessidades inadiáveis da comunidade (art. 9º, § 1º).

O reconhecimento dessa posição institucional de órgão de segurança pública autorizou o Congresso Nacional a editar a Lei nº 13.675/2018, na qual as Guardas Municipais são inseridas como integrantes operacionais do Sistema Único de Segurança Pública (art. 9º, § 1º, VII).

Desse modo, de acordo com a Constituição, a lei e a jurisprudência do STF, a Guarda Municipal é órgão de segurança pública, integrante do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP).

STF. Plenário. ADPF 995/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 28/8/2023 (Info 1105).

 

O entendimento acima foi reforçado pelo STF neste Tema 656

A atuação do legislador municipal ao definir as atribuições das guardas municipais — cuja função é proteger bens, serviços e instalações do município — deve levar em conta as necessidades locais e respeitar a finalidade constitucional de promoção da segurança pública dentro da sua competência, em cooperação com os demais órgãos de segurança.

O poder normativo do município precisa estar em harmonia com a divisão de competências prevista na Constituição. Assim, as leis municipais que criam e regulamentam suas guardas devem considerar as particularidades locais (o que limita o alcance do legislador municipal) e seguir a finalidade constitucional de segurança pública, sempre respeitando as normas gerais aprovadas pelo Congresso Nacional (Constituição Federal de 1988, art. 144, § 8º).

A Constituição não determinou de forma rígida como devem atuar as guardas municipais. Ela apenas estabeleceu diretrizes básicas, deixando a tarefa de regulamentar os detalhes para o legislador municipal.

Nesse sentido, o Estatuto Geral das Guardas Municipais (Lei nº 13.022/2014) foi considerado constitucional pelo STF.

Esse estatuto ajuda a definir com mais clareza o espaço normativo que a Constituição deu aos municípios, respeitando o pacto federativo. Além disso, reforça o caráter colaborativo das ações na área da segurança pública, que deve ser exercida de forma conjunta e harmônica entre os diferentes entes federativos.

Assim, as guardas municipais podem atuar na segurança urbana, e a realização de policiamento ostensivo e comunitário faz parte do modelo de federalismo de cooperação voltado à promoção da segurança pública — que é um dever do Estado e um direito e responsabilidade de todos.

Além disso, o policiamento ostensivo não é uma atividade exclusiva da polícia militar. As guardas municipais fazem parte do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), conforme previsto na Lei nº 13.675/2018.

De acordo com o art. 144 da Constituição Federal de 1988, as guardas municipais participam diretamente da segurança pública, no que se refere às questões ligadas ao interesse do município.

 

Controle externo do MP

Vale ressaltar que as guardas municipais estão sujeitas à supervisão do Ministério Público, para garantir que suas ações sejam realizadas de acordo com a lei. Essa atribuição, que está prevista no artigo 129, VII, da Constituição, reforça o papel do Ministério Público para a fiscalização de eventuais abusos pelas forças de segurança pública:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

(...)

VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;

 

Em suma:

A atuação legislativa local para disciplinar as atribuições das guardas municipais destinadas à proteção de bens, serviços e instalações do município deve estar adequada às especificidades locais e à finalidade constitucional de promoção da segurança pública no âmbito da respectiva competência e em cooperação com os demais órgãos de segurança.

É constitucional — e não afronta o pacto federativo — o exercício do policiamento ostensivo e comunitário pela guarda municipal no âmbito local correspondente, desde que respeitadas as atribuições dos outros entes federativos.

STF. Plenário. RE 608.588/SP , Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 20/02/2025 (Repercussão geral – Tema 656) (Info 166).

 

Tese fixada pelo STF:

É constitucional, no âmbito dos municípios, o exercício de ações de segurança urbana pelas Guardas Municipais, inclusive policiamento ostensivo e comunitário, respeitadas as atribuições dos demais órgãos de segurança pública previstos no art. 144 da Constituição Federal e excluída qualquer atividade de polícia judiciária, sendo submetidas ao controle externo da atividade policial pelo Ministério Público, nos termos do artigo 129, inciso VII, da CF. Conforme o art. 144, § 8º, da Constituição Federal, as leis municipais devem observar as normas gerais fixadas pelo Congresso Nacional.

STF. Plenário. RE 608.588/SP , Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 20/02/2025 (Repercussão geral – Tema 656) (Info 166).

 

Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria, ao apreciar o Tema 656 da repercussão geral, (i) deu provimento ao recurso extraordinário para declarar a constitucionalidade do art. 1º, I, da Lei nº 13.866/2004 do Município de São Paulo/SP, em sua redação original e naquela dada pela Lei paulista nº 14.879/2009 ; e (ii) fixou a tese anteriormente citada.

 

DOD Teste: revisão em perguntas

De acordo com a Constituição Federal, qual é a função institucional das guardas municipais?

Proteger os bens, serviços e instalações dos Municípios, conforme dispuser a lei municipal, observadas as normas gerais estabelecidas em lei federal (art. 144, § 8º, da CF/88).

 

A atuação normativa dos municípios em relação às guardas municipais está sujeita a quais limites?

Deve respeitar as normas gerais aprovadas pelo Congresso Nacional, considerar as peculiaridades locais e observar a finalidade constitucional da segurança pública.

 

O que decidiu o STF na ADPF 995 quanto à natureza jurídica das guardas municipais?

O STF reconheceu expressamente que as guardas municipais são órgãos de segurança pública e declarou inconstitucional qualquer interpretação que as exclua do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP).

 

A guarda municipal pode exercer atividade de policiamento ostensivo e comunitário?

Sim. Segundo a jurisprudência do STF, essa atuação é compatível com a Constituição, desde que não haja usurpação das atribuições das polícias estaduais e federais.

 

Quais atividades podem ser exercidas pelas guardas municipais conforme a tese fixada pelo STF no Tema 656?

Conforme a tese fixada pelo STF no Tema 656, as guardas municipais podem exercer ações de segurança urbana, inclusive policiamento ostensivo e comunitário, respeitadas as atribuições dos demais órgãos de segurança pública e excluída qualquer atividade de polícia judiciária.

 

A tese firmada pelo STF no Tema 656 permite às guardas municipais exercerem funções de polícia judiciária?

Não. A atuação das guardas municipais não pode incluir funções de polícia judiciária, que são exclusivas das polícias civis, conforme fixado na tese de repercussão geral.

 

Qual órgão é responsável pelo controle externo da atividade das guardas municipais e qual dispositivo constitucional fundamenta essa atribuição?

O Ministério Público é responsável pelo controle externo da atividade das guardas municipais, com fundamento no art. 129, inciso VII, da Constituição Federal, que estabelece como função institucional do MP "exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar".

 

Qual a relação entre o entendimento do STF no Tema 656 e o federalismo cooperativo em matéria de segurança pública?

O STF entendeu que a atuação das guardas municipais na segurança urbana, realizando policiamento ostensivo e comunitário, se insere no modelo de federalismo de cooperação voltado à promoção da segurança pública, permitindo uma atuação conjunta e harmônica entre os diferentes entes federativos, respeitando suas respectivas competências.


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