Dizer o Direito

sábado, 19 de abril de 2025

Construção irregular em Área de Preservação Permanente deve ser demolida, ainda que seja pequena a construção realizada e mesmo sendo em área urbana antropizada

Imagine a seguinte situação hipotética:

João possui uma casa localizada às margens de um rio. Trata-se de uma Área de Preservação Permanente (APP).

 

Área de Preservação Permanente (APP) é uma área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas (art. 3º, II, da Lei nº 12.651/2012).

 

João iniciou  uma pequena reforma em sua residência.

Ele foi autuado pelo órgão ambiental que determinou a paralisação da obra.

Mesmo assim, ignorou a determinação e deu prosseguimento à reforma.

João concluiu então a ampliação da casa, construindo um banheiro com área de 4m².

Diante desse cenário, o instituto de proteção ambiental ingressou com ação civil pública contra João pedindo a demolição da parte do imóvel que foi ampliada (o banheiro de 4m²) e a restauração integral da área.

O juiz julgou os pedidos improcedentes sob o argumento de que, devido à completa antropização (modificação humana) da área ao longo de muitas décadas, a pequena reforma não constituía um evento que caracterizasse degradação ambiental significativa.

O Tribunal de Justiça manteve a sentença.

Inconformado, o instituto de proteção ambiental recorreu ao STJ, alegando que a condição antropizada da área era irrelevante para a solução da lide, e que a edificação ilícita em área de preservação permanente configurava situação de dano ambiental presumido, independentemente de sua extensão.

 

O STJ concordou com os argumentos do instituto de proteção ambiental?

SIM.

A teoria do fato consumado da antropização da área não pode servir para a mera e simples legalização da conduta ambientalmente ilícita.

É evidente o dano ambiental decorrente da construção em área considerada não edificável, situada às margens de curso d’água.

A alegação de que a obra possui pequena extensão — cerca de 4m² — também não é suficiente para afastar o pedido de demolição.

No caso concreto, o particular foi devidamente notificado quanto à ilegalidade de sua conduta, por meio de autuação administrativa que determinava a imediata paralisação da obra. Apesar disso, optou por desconsiderar a ordem e prosseguiu com a construção, sem qualquer autorização legal ou administrativa.

Tal conduta não pode ser considerada juridicamente aceitável.

Caso o particular estivesse inconformado com a autuação administrativa, deveria ter buscado os meios legais cabíveis, seja por via judicial, seja por recurso administrativo perante o órgão competente. O que não se admite é que o administrado tome decisões unilaterais com base no que entende ser seu direito. Não lhe é conferido, nesse contexto, o poder de autotutela.

Trata-se de antiga e consolidada regra do Direito — igualmente aplicável ao Direito Ambiental — a vedação de que alguém se beneficie da própria torpeza, ou seja, que obtenha vantagem a partir de sua própria conduta ilícita.

Neste caso, diante da conduta flagrantemente desrespeitosa do particular, que deu prosseguimento à obra embargada com total desconsideração aos bens jurídicos ambientalmente protegidos e à autoridade do Poder Público, a transgressão deve ser adequadamente sancionada. A atuação fiscalizatória ambiental não pode ser tratada com descaso pela sociedade, mas sim valorizada.

Dessa forma, considerando a postura abertamente desafiadora do particular, que, mesmo notificado quanto à ilicitude de seu ato, deliberadamente ignorou o poder estatal e levou a cabo empreendimento manifestamente ilegal, impõe-se o acolhimento da pretensão recursal.

 

Em suma:

A pequena extensão de área ambiental atingida não pode se sobrepor, como razão de decidir, ao comportamento flagrantemente ofensivo ao meio ambiente cometido pelo particular, de modo que deve ser demolida a edificação, bem como recuperado o meio ambiente, ainda que se trate se obra de pequena extensão, da ordem de 4m², realizada em Área de Preservação Permanente - APP. 

STJ. 2ª Turma. REsp 1.714.536-RJ, Rel. Min. Afrânio Vilela, julgado em 4/2/2025 (Info 842).


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