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quinta-feira, 17 de abril de 2025

Aplica-se o princípio do in dubio pro societate no recebimento da Inicial nas ações de improbidade administrativa?

Imagine a seguinte situação hipotética:

Em 2017, Pedro, prefeito recém-eleito, lançou com grande alarde o programa municipal chamado “Asfalto Novo”, destinado ao recapeamento e restauração das vias públicas da cidade.

No mesmo ano, o Município contratou a empresa Alfa Comunicação Ltda. para desenvolver e veicular uma ampla campanha publicitária sobre o programa.

A campanha incluiu comerciais de televisão, anúncios em rádio, outdoors, banners em sites, e publicações em redes sociais.

Os materiais de divulgação não continham o nome ou a imagem do prefeito, limitando-se a informar sobre o programa de recapeamento.

No entanto, o prefeito passou a compartilhar regularmente em suas contas pessoais de redes sociais as mesmas imagens e vídeos da campanha publicitária oficial, incluindo algumas fotos suas junto às obras de recapeamento. Em algumas publicações, ele aparecia vistoriando as obras ao lado das placas oficiais do programa.

Apesar de o “Asfalto Novo” ser apresentado como um programa inovador, tratava-se na verdade de um serviço ordinário de manutenção urbana, obrigação básica de qualquer administração municipal.

Chamou a atenção do Ministério Público a desproporção entre os valores gastos com a execução das obras e os valores destinados à publicidade do programa. No mês de dezembro de 2017, por exemplo, os gastos com publicidade foram superiores ao valor aplicado na execução das obras.

Em 2018, apenas um ano após o início do programa, Pedro renunciou ao cargo de prefeito para concorrer ao Governo do Estado.

 

Ação de Improbidade Administrativa

O Ministério Público estadual ajuizou ação civil pública por improbidade administrativa contra Pedro, argumentando que:

• o prefeito teria utilizado recursos públicos para promover sua imagem pessoal, violando o princípio da impessoalidade previsto no art. 37, §1º da Constituição Federal;

• a desproporção entre os gastos com publicidade e os gastos com o programa em si revelaria desvio de finalidade;

• o prefeito tinha intenção de promover sua imagem para viabilizar sua candidatura ao Governo do Estado no ano seguinte.

 

Tribunal de Justiça rejeitou a petição inicial

O juiz de primeira instância recebeu a petição inicial, entendendo que havia indícios suficientes da prática de ato de improbidade administrativa.

Entretanto, em grau de recurso, o Tribunal de Justiça reformou a decisão e rejeitou a petição inicial.

O TJ entendeu que não havia evidências suficientes de que o prefeito tivesse cometido ato de improbidade, argumentando que:

• a campanha publicitária não continha o nome ou a imagem do prefeito;

• o fato de o prefeito compartilhar o material em suas redes sociais não configuraria promoção pessoal;

• não havia comprovação de que o prefeito tivesse influenciado na elaboração da campanha.

 

O Ministério Público então interpôs recurso especial pedindo que a petição inicial fosse recebida.

 

O STJ deu provimento ao recurso do MP?

SIM.

A petição inicial da ação de improbidade pode ser rejeitada tão-somente quando não houver indícios mínimos da existência de ato de improbidade administrativa.

Caso existam esses indícios, a petição deve ser recebida, dando-se início à fase de instrução processual. É na sentença que se deve avaliar, de forma adequada, a responsabilidade do agente público, incluindo a verificação da existência de dolo e a efetiva ocorrência de dano ao erário.

Nesse sentido:

A existência de indícios de irregularidades administrativas na contratação de escritório de advocacia e de prejuízo ao erário impõe o recebimento da petição inicial da ação civil pública por improbidade administrativa, sendo necessária a fase de instrução para apuração dos fatos.

Em fase inaugural da ação de improbidade, aplica-se o princípio do in dubio pro societate, que privilegia o prosseguimento da demanda para formação da convicção judicial.

STJ. 2ª Turma. AgInt no AREsp 1.356.188/MA, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 17/9/2024.

 

Na fase inicial da ação de improbidade administrativa, havendo indícios mínimos da prática de ato ímprobo, impõe-se o recebimento da petição inicial, nos termos do princípio do in dubio pro societate.

É correta a decisão que reforma o acórdão recorrido para determinar o prosseguimento da ação, assegurando a instrução probatória.

STJ. 2ª Turma. AgInt no AREsp 856.348/MG, Rel. Min. Teodoro Silva Santos, julgado em 9/9/2024.

 

No momento do recebimento da ação de improbidade administrativa, cabe ao magistrado apenas verificar a existência de indícios suficientes da prática de atos ímprobos, ficando a análise do mérito — quanto à ocorrência do ato de improbidade, dano ao erário, enriquecimento ilícito ou violação de princípios — reservada à fase posterior, após a instrução probatória.

STJ. 2ª Turma. AgInt no AREsp 1.823.133/MG, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 9/11/2021.

 

Na fase de recebimento da petição inicial da ação civil pública por improbidade administrativa, deve-se verificar a presença de indícios da prática de ato ímprobo ou, fundamentadamente, as razões de sua ausência, à luz do princípio do in dubio pro societate.

STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 1.947.699/SP, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 3/11/2021.

 

No caso concreto, existem indícios mínimos da prática de ato de improbidade, suficientes para determinar o recebimento da peça inicial, ao contrário do que entendeu o Tribunal de Justiça.

O fato de o réu ter se utilizado das imagens publicitárias do Programa “Asfalto Novo”, para publicá-las em suas contas pessoais em redes sociais constitui indício mínimo suficiente de que a contratação da aludida campanha publicitária poderia ter ocorrido objetivando a promoção pessoal do requerido, como inclusive, entendeu o Juízo de primeiro grau. Tal indício, por si só, seria suficiente para justificar o processamento da ação de improbidade.

 

Em suma:

A petição inicial da ação de improbidade pode ser rejeitada tão somente quando não houver indícios mínimos da existência de ato de improbidade administrativa, de modo que havendo a sua presença, deve a exordial ser recebida e realizada a instrução processual, sendo a sentença o momento adequado para se aferir a existência de conduta dolosa, bem como a ocorrência de dano efetivo ao erário. 

STJ. 2ª Turma. REsp 2.175.480-SP, Rel. Min. Teodoro Silva Santos, julgado em 18/2/2025 (Info 842).

 

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Princípio do in dubio pro societate

O STJ possui vários julgados afirmando que, se o juiz entender que há meros indícios do cometimento de atos enquadrados como improbidade administrativa, a petição inicial da ação de improbidade deve ser recebida. Isso porque, nessa fase inicial prevalece o princípio do in dubio pro societate, a fim de possibilitar o maior resguardo do interesse público.

Nesse sentido:

Na fase de recebimento da petição inicial da ação de improbidade administrativa, deve-se verificar a existência de indícios da prática do ato ímprobo ou justificar, de forma fundamentada, a ausência desses indícios, conforme o princípio do in dubio pro societate.

STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 2.090.208/RS, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 13/11/2023.

 

Na fase de recebimento da petição inicial da ação de improbidade administrativa, deve-se realizar juízo preliminar para verificar a existência de indícios mínimos da prática de ato ímprobo, aplicando-se o princípio do in dubio pro societate. A rejeição da inicial exige ausência manifesta de justa causa.

A análise sobre a existência de dolo, prejuízo ao erário ou violação aos princípios da administração deve ocorrer somente após a instrução processual, sendo prematuro extinguir o feito sem produção de provas.

STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 2.159.833/TO, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 19/2/2025.

 

O Superior Tribunal de Justiça entende que, em fase inaugural do processamento de ação civil pública por improbidade administrativa, vige o princípio do in dubio pro societate.

Significa dizer que, caso haja apenas indícios da prática de ato de improbidade administrativa, ainda assim se impõe o recebimento da exordial.

STJ. 2ª Turma. AgInt no AREsp 856.348/MG, Rel. Min. Teodoro Silva Santos, julgado em 9/9/2024.


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