Imagine a seguinte situação
hipotética:
Em 2017, Pedro, prefeito
recém-eleito, lançou com grande alarde o programa municipal chamado “Asfalto
Novo”, destinado ao recapeamento e restauração das vias públicas da cidade.
No mesmo ano, o Município
contratou a empresa Alfa Comunicação Ltda. para desenvolver e veicular uma
ampla campanha publicitária sobre o programa.
A campanha incluiu comerciais de
televisão, anúncios em rádio, outdoors, banners em sites, e publicações em
redes sociais.
Os materiais de divulgação não
continham o nome ou a imagem do prefeito, limitando-se a informar sobre o
programa de recapeamento.
No entanto, o prefeito passou a
compartilhar regularmente em suas contas pessoais de redes sociais as mesmas
imagens e vídeos da campanha publicitária oficial, incluindo algumas fotos suas
junto às obras de recapeamento. Em algumas publicações, ele aparecia
vistoriando as obras ao lado das placas oficiais do programa.
Apesar de o “Asfalto Novo” ser
apresentado como um programa inovador, tratava-se na verdade de um serviço
ordinário de manutenção urbana, obrigação básica de qualquer administração
municipal.
Chamou a atenção do Ministério
Público a desproporção entre os valores gastos com a execução das obras e os
valores destinados à publicidade do programa. No mês de dezembro de 2017, por
exemplo, os gastos com publicidade foram superiores ao valor aplicado na
execução das obras.
Em 2018, apenas um ano após o
início do programa, Pedro renunciou ao cargo de prefeito para concorrer ao
Governo do Estado.
Ação de Improbidade
Administrativa
O Ministério Público estadual
ajuizou ação civil pública por improbidade administrativa contra Pedro,
argumentando que:
• o prefeito teria utilizado
recursos públicos para promover sua imagem pessoal, violando o princípio da
impessoalidade previsto no art. 37, §1º da Constituição Federal;
• a desproporção entre os gastos
com publicidade e os gastos com o programa em si revelaria desvio de
finalidade;
• o prefeito tinha intenção de
promover sua imagem para viabilizar sua candidatura ao Governo do Estado no ano
seguinte.
Tribunal de Justiça
rejeitou a petição inicial
O juiz de primeira instância
recebeu a petição inicial, entendendo que havia indícios suficientes da prática
de ato de improbidade administrativa.
Entretanto, em grau de recurso, o
Tribunal de Justiça reformou a decisão e rejeitou a petição inicial.
O TJ entendeu que não havia
evidências suficientes de que o prefeito tivesse cometido ato de improbidade,
argumentando que:
• a campanha publicitária não
continha o nome ou a imagem do prefeito;
• o fato de o prefeito
compartilhar o material em suas redes sociais não configuraria promoção
pessoal;
• não havia comprovação de que o
prefeito tivesse influenciado na elaboração da campanha.
O Ministério Público então
interpôs recurso especial pedindo que a petição inicial fosse recebida.
O STJ deu provimento ao
recurso do MP?
SIM.
A petição inicial da ação de
improbidade pode ser rejeitada tão-somente quando não houver indícios mínimos
da existência de ato de improbidade administrativa.
Caso existam esses indícios, a
petição deve ser recebida, dando-se início à fase de instrução processual. É na
sentença que se deve avaliar, de forma adequada, a responsabilidade do agente
público, incluindo a verificação da existência de dolo e a efetiva ocorrência
de dano ao erário.
Nesse sentido:
A existência de indícios de irregularidades administrativas
na contratação de escritório de advocacia e de prejuízo ao erário impõe o
recebimento da petição inicial da ação civil pública por improbidade
administrativa, sendo necessária a fase de instrução para apuração dos fatos.
Em fase inaugural da ação de improbidade, aplica-se o
princípio do in dubio pro societate, que privilegia o prosseguimento da demanda
para formação da convicção judicial.
STJ. 2ª Turma. AgInt no AREsp 1.356.188/MA, Rel. Min.
Francisco Falcão, julgado em 17/9/2024.
Na fase inicial da ação de improbidade administrativa,
havendo indícios mínimos da prática de ato ímprobo, impõe-se o recebimento da
petição inicial, nos termos do princípio do in dubio pro societate.
É correta a decisão que reforma o acórdão recorrido para
determinar o prosseguimento da ação, assegurando a instrução probatória.
STJ. 2ª Turma. AgInt no AREsp 856.348/MG, Rel. Min. Teodoro
Silva Santos, julgado em 9/9/2024.
No momento do recebimento da ação de improbidade
administrativa, cabe ao magistrado apenas verificar a existência de indícios
suficientes da prática de atos ímprobos, ficando a análise do mérito — quanto à
ocorrência do ato de improbidade, dano ao erário, enriquecimento ilícito ou
violação de princípios — reservada à fase posterior, após a instrução
probatória.
STJ. 2ª Turma. AgInt no AREsp 1.823.133/MG, Rel. Min. Og
Fernandes, julgado em 9/11/2021.
Na fase de recebimento da petição inicial da ação civil
pública por improbidade administrativa, deve-se verificar a presença de
indícios da prática de ato ímprobo ou, fundamentadamente, as razões de sua
ausência, à luz do princípio do in dubio pro societate.
STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 1.947.699/SP, Rel. Min. Regina
Helena Costa, julgado em 3/11/2021.
No caso concreto, existem indícios
mínimos da prática de ato de improbidade, suficientes para determinar o
recebimento da peça inicial, ao contrário do que entendeu o Tribunal de Justiça.
O fato de o réu ter se utilizado
das imagens publicitárias do Programa “Asfalto Novo”, para publicá-las em suas
contas pessoais em redes sociais constitui indício mínimo suficiente de que a
contratação da aludida campanha publicitária poderia ter ocorrido objetivando a
promoção pessoal do requerido, como inclusive, entendeu o Juízo de primeiro
grau. Tal indício, por si só, seria suficiente para justificar o processamento
da ação de improbidade.
Em suma:
A petição inicial da ação de improbidade pode ser
rejeitada tão somente quando não houver indícios mínimos da existência de ato
de improbidade administrativa, de modo que havendo a sua presença, deve a
exordial ser recebida e realizada a instrução processual, sendo a sentença o
momento adequado para se aferir a existência de conduta dolosa, bem como a
ocorrência de dano efetivo ao erário.
STJ. 2ª
Turma. REsp 2.175.480-SP, Rel. Min. Teodoro Silva Santos, julgado em 18/2/2025 (Info
842).
DOD Plus
Princípio do in dubio pro
societate
O STJ possui vários julgados
afirmando que, se o juiz entender que há meros indícios do cometimento de atos
enquadrados como improbidade administrativa, a petição inicial da ação de
improbidade deve ser recebida. Isso porque, nessa fase inicial prevalece o
princípio do in dubio pro societate, a fim de possibilitar o maior resguardo do
interesse público.
Nesse sentido:
Na fase de recebimento da petição inicial da ação de
improbidade administrativa, deve-se verificar a existência de indícios da
prática do ato ímprobo ou justificar, de forma fundamentada, a ausência desses
indícios, conforme o princípio do in dubio pro societate.
STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 2.090.208/RS, Rel. Min. Regina
Helena Costa, julgado em 13/11/2023.
Na fase de recebimento da petição inicial da ação de
improbidade administrativa, deve-se realizar juízo preliminar para verificar a
existência de indícios mínimos da prática de ato ímprobo, aplicando-se o
princípio do in dubio pro societate. A rejeição da inicial exige ausência
manifesta de justa causa.
A análise sobre a existência de dolo, prejuízo ao erário ou
violação aos princípios da administração deve ocorrer somente após a instrução
processual, sendo prematuro extinguir o feito sem produção de provas.
STJ. 2ª
Turma. AgInt no REsp 2.159.833/TO, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado
em 19/2/2025.
O Superior Tribunal de Justiça entende que, em fase
inaugural do processamento de ação civil pública por improbidade
administrativa, vige o princípio do in dubio pro societate.
Significa dizer que, caso haja apenas indícios da prática de
ato de improbidade administrativa, ainda assim se impõe o recebimento da
exordial.
STJ. 2ª Turma. AgInt no AREsp 856.348/MG, Rel. Min. Teodoro
Silva Santos, julgado em 9/9/2024.