domingo, 6 de abril de 2025
A suspensão do processo e do prazo prescricional, na forma do art. 366 do CPP, bem como o restabelecimento da tramitação, não é automática, exigindo decisão judicial
RELEMBRANDO A CITAÇÃO POR EDITAL E O ART. 366 DO CPP
O que é a citação no
processo penal?
Citação é o ato por meio do qual
o Poder Judiciário...
• comunica ao indivíduo que foi
recebida uma denúncia ou queixa-crime ajuizada contra ele; e
• convoca o acusado para
ingressar no processo e se defender.
O que acontece se não
houver a citação válida do réu?
O processo será nulo desde o seu
início, nos termos do art. 564, III, “e”, do CPP, havendo, neste caso, violação
ao art. 5º, LV, da CF/88 e ao artigo 8º, 2, “b”, da Convenção Americana de
Direitos Humanos.
Vale ressaltar, no entanto, que a
falta ou a nulidade da citação estará sanada, “desde que o interessado
compareça, antes de o ato consumar-se, embora declare que o faz para o único
fim de argui-la. O juiz ordenará, todavia, a suspensão ou o adiamento do ato,
quando reconhecer que a irregularidade poderá prejudicar direito da parte”
(art. 570 do CPP).
Espécies de citação
Existem duas espécies de citação:
1) Citação real (pessoal)
2) Citação ficta (presumida)
Citação REAL (pessoal)
É aquela na qual o acusado é
citado pessoalmente, ou seja, ele mesmo recebe a comunicação.
A citação pessoal pode ser
dividida em subespécies:
a) Citação por mandado (art.
351);
b) Citação por carta precatória
(art. 353);
c) Citação do militar (art. 358);
d) Citação do funcionário público
(art. 359);
e) Citação do acusado que estiver
preso (art. 360);
f) Citação do acusado no estrangeiro
(art. 368);
g) Citação em legações
estrangeiras (art. 369).
Citação FICTA (presumida)
Ocorre quando o acusado não é
encontrado para ser comunicado pessoalmente da instauração do processo. Apesar
disso, se forem cumpridos determinados requisitos legais, a lei presume que ele
soube da existência do processo e, por isso, autoriza que a marcha processual
siga em frente.
Existem duas subespécies de
citação ficta:
a) Citação por edital (art. 361);
b) Citação por hora certa (art.
362).
Formas de citação que não
são admitidas no processo penal
• Citação por via postal
(correios);
• Citação eletrônica;
• Citação por e-mail;
• Citação por telefone.
Em que hipótese o CPP
autoriza que o denunciado seja citado por edital?
Será realizada a citação por
edital quando o acusado não for encontrado (§ 1º do art. 363).
Se o acusado é citado por edital,
mesmo assim o processo continua normalmente?
O art. 366 do CPP estabelece que:
- se o acusado for citado por
edital e
- não comparecer ao processo nem
constituir advogado
- o processo e o curso da
prescrição ficarão suspensos.
Se o réu comparecer ao processo
ou constituir advogado, o processo e o prazo prescricional voltam a correr
normalmente. O objetivo do art. 366 é garantir que o acusado que não foi
pessoalmente citado não seja julgado à revelia.
Súmula 415-STJ: O período de suspensão do prazo prescricional é
regulado pelo máximo da pena cominada.
EXPLICAÇÃO DO JULGADO
Imagine a seguinte situação
hipotética:
No dia 23/09/2008, João, na época
com 18 anos, foi denunciado pelo Ministério Público por homicídio qualificado,
na vara criminal de Foz do Iguaçu (PR).
Em 16/10/2008, a denúncia foi recebida pelo juízo.
João fugiu da cidade e não foi
encontrado para ser citado pessoalmente.
Em 20/10/2008, João foi preso em
flagrante em Maringá (PR), por outro crime (roubo). Essa informação, contudo,
não chegou ao conhecimento do juízo de Foz do Iguaçu.
Como João não foi encontrado para
ser citado pessoalmente e o juízo de Foz do Iguaçu não sabia que ele estava
preso em outra cidade, o magistrado determinou a citação do réu por edital.
Em 29/04/2009, é publicado edital de citação do réu, mesmo
ele estando preso em Maringá (PR).
Em 03/02/2011, o réu foi citado
pessoalmente, por meio de carta precatória, depois que se descobriu que ele
estava preso em Maringá (PR).
Em 01/06/2017, foi publicada decisão de pronúncia.
Em 21/09/2022, o réu foi julgado
pelo Tribunal do Júri e condenado a 12 anos de reclusão.
O condenado interpôs apelação.
Em 07/05/2024, a defesa ingressou
com pedido de extinção da punibilidade do réu devido à prescrição da pena em
concreto.
O que a defesa alegou no
habeas corpus?
A defesa sustentou que houve a prescrição pelas seguintes
razões:
• a pena imposta ao paciente foi de 12 anos de reclusão;
• considerando que o réu era menor de 21 anos na data do
crime (o que reduz o prazo prescricional pela metade), o período prescricional
aplicável seria de 8 anos;
• o tempo decorrido entre o
recebimento da denúncia (16/10/2008) e a decisão de pronúncia (01/06/2017)
ultrapassa esse prazo, configurando a prescrição da pretensão punitiva na
modalidade retroativa.
• a defesa argumentou que a
citação por edital foi irregular considerando que João estava preso na mesma
unidade federativa à época;
• de acordo com a Súmula 351 do
STF, “é nula a citação por edital de réu preso na mesma unidade da Federação em
que o juiz exerce sua jurisdição”.
• o art. 366 do CPP prevê que, no
caso de citação por edital, pode haver suspensão do curso do processo e do
prazo prescricional. No entanto, essa suspensão não é automática, sendo
necessária uma decisão judicial expressa, o que não ocorreu no caso. Sem essa
determinação expressa, a prescrição seguiu seu curso normal e deve ser
reconhecida.
O Ministério Público, por sua
vez, contra argumentou afirmando que a suspensão do prazo prescricional é
automática (ope legis), decorrente da própria lei, e não dependeria de uma
decisão judicial formal. Logo, para o MP, o prazo prescricional ficou suspenso até
03/02/2011, data em que houve a citação pessoal.
Os argumentos da defesa
foram acolhidos pelo STJ?
SIM.
No caso em questão, o Ministério
Público sustentou que o prazo de prescrição estava automaticamente suspenso
após a citação por edital do réu, permanecendo assim até que ele fosse
encontrado e citado pessoalmente.
No entanto, este entendimento
está equivocado.
Conforme o art. 366 do CPP,
quando um réu é citado por edital e não comparece, o juiz pode suspender tanto
o processo quanto o prazo prescricional, mas isto não acontece de forma
automática. É necessária uma decisão judicial expressa determinando essa
suspensão.
Vamos entender como isso impacta
o caso:
• o réu foi condenado a 12 anos
de reclusão por homicídio qualificado;
• como ele era menor de 21 anos
quando cometeu o crime, o prazo prescricional é reduzido pela metade (artigo
115 do Código Penal);
• para uma pena de 12 anos, o
prazo normal de prescrição seria de 16 anos (art. 109, inciso II do Código
Penal);
• com a redução pela metade
devido à menoridade, o prazo prescricional passa a ser de 8 anos;
• a denúncia foi recebida em
14/10/2008 (marco interruptivo da prescrição);
• a pronúncia só ocorreu em
01/06/2017, quase 9 anos depois;
• como não houve uma decisão
judicial formalmente suspendendo o prazo prescricional, este continuou correndo
normalmente.
Resultado: o prazo de 8 anos se
esgotou antes da pronúncia, configurando a prescrição da pretensão punitiva
estatal.
É importante destacar que a
suspensão da prescrição ocorre por determinação da lei (ope legis), ou
seja, ela independe da vontade do juiz. No entanto, isso não significa que a
decisão judicial seja dispensável.
O juiz não precisa justificar
detalhadamente por que está suspendendo o prazo prescricional, pois essa
suspensão já está prevista em lei. No entanto, ele precisa formalizar essa
suspensão por meio de uma decisão, pois, sem essa formalização, não é possível
garantir a segurança jurídica do processo. A ausência dessa decisão poderia
gerar incertezas quanto à contagem do prazo prescricional e comprometer
princípios constitucionais fundamentais.
Em suma:
A suspensão do processo e do prazo prescricional, na
forma do art. 366 do CPP, bem como o restabelecimento da tramitação, não é
automática, exigindo decisão judicial.
STJ. 5ª
Turma. AgRg no HC 957.112-PR, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em
11/2/2025 (Info 841).
Obs: como o STJ reconheceu a
prescrição, ficou prejudicada a análise da irregularidade da citação por edital
(Súmula 351 STF).
Treine o assunto estudado:
Banca: Fundação para o Vestibular da Universidade
Estadual Paulista - VUNESP
Prova: VUNESP - TJ RJ - Juiz Substituto - 2025
De acordo com a norma do artigo 366 do CPP, se o acusado,
citado por edital, não comparecer nem constituir advogado, decorrem duas
consequências legais. O juiz tem, ainda, a prerrogativa de determinar duas
providências.
Nesse contexto, é correto afirmar que são consequências
legais: a suspensão do processo e a interrupção do prazo prescricional.
(Incorreto)
