domingo, 20 de abril de 2025
A agência de turismo pode ser responsabilizada civilmente se o consumidor perder o embarque no cruzeiro devido a informações inadequadas?
Imagine a seguinte situação
hipotética:
João queria comemorar, juntamente
com a esposa, o aniversário de 15 anos da filha Larissa, em um cruzeiro
marítimo.
Após muito pesquisar, João
acessou o site da Decolar.com e adquiriu três passagens para um cruzeiro da
Pullmantur que partiria do Porto de Santos.
O voucher eletrônico recebido
indicava apenas que o navio zarparia às 17h do dia 15 de junho de 2014.
No dia da viagem, a família
chegou ao porto às 16h45 e descobriu que não poderiam embarcar. Isso porque o check-in
para o navio havia sido se encerrado às 15h, duas horas antes da partida.
João ainda tentou argumentar com
os funcionários que no voucher recebido pela Decolar não havia nenhuma
informação sobre necessidade de check-in com antecedência.
Ocorre que os funcionários do
navio explicaram que o embarque deve ser feito com pelo menos duas horas de
antecedência e que isso estava explicado no site da empresa de cruzeiro.
Ação de indenização
João, sua esposa e filha
ajuizaram ação de indenização por danos morais contra a Decolar.com e a
Pullmantur Cruzeiros.
Na ação, alegaram que:
• não foram devidamente
informados sobre a necessidade de check-in com duas horas de antecedência;
• o voucher emitido pela
Decolar.com mencionava apenas o horário de partida do navio (17h);
• nenhuma das empresas forneceu
orientações adequadas sobre os procedimentos de embarque em um cruzeiro.
O Tribunal de Justiça reconheceu
que houve descumprimento do dever de informar por parte da Decolar.com e da
Pullmantur.
O tribunal entendeu que ambas as
empresas eram responsáveis solidariamente pelos danos causados.
Determinou a restituição do valor
pago pelo cruzeiro e condenou as empresas ao pagamento de indenização por danos
morais.
Recurso especial
A Decolar.com interpôs recurso
especial alegando que, como mera intermediadora da venda, não tinha
responsabilidade sobre as regras de embarque estabelecidas pela empresa de
cruzeiro.
Argumentou que sua função
limitava-se à venda das passagens e que não poderia ser responsabilizada por “atos
que estão fora do seu ramo de atuação”.
Para o STJ, a Decolar.com
tem responsabilidade neste caso?
SIM.
Nos termos do inciso III do art.
6º do Código de Defesa do Consumidor (CDC), constitui direito básico do
consumidor receber informações adequadas e claras sobre os diferentes produtos
e serviços, incluindo especificações corretas de quantidade, características,
composição, qualidade e preço, além de alertas sobre eventuais riscos.
Assim, para avaliar a legítima
expectativa do consumidor quanto ao serviço contratado, é necessário,
inicialmente, examinar quais informações lhe foram prestadas. A partir disso,
deve-se verificar se tais informações foram claras, adequadas, precisas e se
continham os alertas indispensáveis para prevenir frustrações quanto ao uso do
serviço.
A adequada prestação de
informações, além de configurar um direito básico do consumidor, é também um
reflexo do princípio da boa-fé objetiva, especialmente no que se refere ao
dever de lealdade nas relações contratuais. Por isso, a informação fornecida integra
o próprio conteúdo do contrato, sendo essencial para assegurar a
correspondência entre o serviço ofertado e o efetivamente prestado.
Esse dever de informar, portanto,
não se limita à formação do contrato, devendo perdurar por toda a sua execução.
Trata-se de obrigação que recai sobre todos os fornecedores envolvidos na
cadeia de consumo.
Dessa forma, o simples fato de a
agência de turismo atuar como vendedora de passagens não a exime do dever de
fornecer informações adequadas sobre a utilização do serviço que comercializa.
O art. 14 do CDC dispõe que o
fornecedor de serviços responde, independentemente de culpa, pela reparação dos
danos causados aos consumidores por defeitos na prestação do serviço, bem como
por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos
envolvidos.
A jurisprudência do STJ também é
pacífica ao reconhecer a responsabilidade solidária entre os fornecedores que
integram a mesma cadeia de fornecimento, sempre que houver violação dos deveres
de boa-fé, transparência, informação e confiança (REsp n. 1.358.513/RS, Quarta
Turma, julgado em 12/5/2020, DJe de 4/8/2020; REsp n. 1.077.911/SP, Terceira
Turma, julgado em 4/10/2011, DJe de 14/10/2011).
Adicionalmente, o parágrafo único
do art. 7º do CDC estabelece que, havendo mais de um responsável pela violação
ao dever de informar, todos deverão responder solidariamente pelos danos
causados ao consumidor.
É certo que o STJ já decidiu que
agências de turismo não respondem solidariamente por falhas na prestação de
serviços nos casos em que atuam apenas como intermediárias na venda de
passagens aéreas (REsp n. 1.994.563/MG, Terceira Turma, julgado em 25/10/2022,
DJe de 30/11/2022; REsp n. 758.184/RR, Quarta Turma, julgado em 26/9/2006, DJ
de 6/11/2006).
Entretanto, esse entendimento não
é absoluto. As agências de turismo podem exercer diferentes funções dentro da
cadeia de fornecimento, o que exige a análise do caso concreto à luz das normas
do CDC, considerando as particularidades de cada relação de consumo.
Diferente das hipóteses em que a
agência não tem qualquer ingerência sobre o serviço defeituoso – como o
cancelamento de voos ou extravio de bagagens –, neste caso específico o dever
de informar lhe é inerente. Portanto, não pode alegar que apenas vendeu as
passagens para se eximir de sua responsabilidade.
Há, portanto, uma relação direta
de causalidade entre o dano sofrido pelo consumidor e a falha na prestação de
informações atribuída à agência de turismo. Sua responsabilidade solidária não
decorre apenas da participação na cadeia de fornecimento, mas do fato de ter
contribuído para a violação do dever de informar.
Dessa maneira, na condição de
fornecedora de serviços, a agência de turismo deve responder solidariamente com
a empresa de transporte sempre que ambas integrarem a cadeia de fornecimento e
deixarem de prestar informações essenciais ao consumidor sobre a utilização do
serviço contratado.
No caso concreto, a agência de
turismo e a empresa de cruzeiro não informaram adequadamente o consumidor sobre
o horário limite para o embarque. Por esse motivo, nos termos do art. 7º,
parágrafo único, combinado com o art. 14 do CDC, é cabível reconhecer a
responsabilidade solidária de ambas pelo fato do serviço.
Em suma:
A agência de turismo responde solidariamente com a
empresa de cruzeiro por falha no dever de informar o consumidor sobre o horário
do embarque.
STJ. 3ª
Turma. REsp 2.166.023-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 4/2/2025 (Info
842).
NÃO CONFUNDIR:
A vendedora de passagem
aérea não responde solidariamente com a companhia aérea pelos danos morais e
materiais experimentados pelo passageiro em razão do cancelamento do voo
O consumidor comprou a passagem da agência de turismo.
Ocorre a companhia aérea cancelou o voo adquirido. A agência, que apenas vendeu
o bilhete, não tem responsabilidade civil por esse cancelamento (art. 14, § 3º,
I e II, do CDC). A responsabilidade é exclusiva da companhia aérea.
STJ. 3ª Turma. REsp 2.082.256-SP, Rel. Min. Marco Aurélio
Bellizze, julgado em 12/9/2023 (Info 788).
Qual é a diferença apontada
pelo STJ entre a intermediação de venda de passagens aéreas e o caso concreto
de cruzeiro marítimo?
No caso das passagens aéreas,
presume-se maior conhecimento do consumidor sobre procedimentos de embarque. Já
em cruzeiros, por serem menos usuais no Brasil, é maior o dever das
fornecedoras em esclarecer regras como a necessidade de check-in com antecedência.
