quarta-feira, 12 de março de 2025
Para efeitos de aplicação da Súmula 343/STF, deve-se verificar se o entendimento jurisprudencial acerca da questão controvertida já estava pacificado no momento em que proferido o acórdão rescindendo, e não na data de seu trânsito em julgado
ENTENDENDO A SÚMULA 343 DO STF
Ação rescisória é uma ação que tem por
objetivo desconstituir uma decisão judicial transitada em julgado.
O CPC prevê as hipóteses em que a ação
rescisória é cabível.
No CPC/1973, tais hipóteses estava
elencadas no art. 485.
No CPC/2015, as situações que ensejam a
rescisão estão listadas no art. 966.
Inciso V
O inciso V do art. 485 prevê que
é cabível a ação rescisória quando a sentença de mérito transitada em julgado
“violar literal disposição de lei”.
O CPC de 2015 melhorou a redação
da hipótese, incorporando em seu texto os entendimentos da jurisprudência sobre
o tema. Agora, diz-se que é cabível a ação rescisória quando a decisão “violar manifestamente norma jurídica”.
CPC
1973 |
CPC
2015 |
Art. 485. A sentença de mérito, transitada em
julgado, pode ser rescindida quando: (...) V - violar literal disposição de lei; |
Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado,
pode ser rescindida quando: (...) V - violar manifestamente norma jurídica; |
Quando o inciso falava em “lei”,
abrangia também as normas constitucionais? E agora, com o novo CPC?
SIM. A palavra “lei” no inciso V
do art. 485 do CPC 1973 era interpretada pela doutrina e jurisprudência em
sentido amplo, abrangendo lei ordinária, lei complementar, medida provisória,
norma constitucional, decreto, resolução e qualquer outro ato normativo.
Assim, se a sentença violasse
literal disposição de lei, de norma constitucional ou de qualquer outra norma
jurídica, cabia, em tese, ação rescisória.
O novo CPC adotou em seu texto
esse entendimento e passou a prever, expressamente, que cabe rescisória quando
houver violação da norma jurídica.
Se a sentença violar um
princípio, caberá ação rescisória?
SIM. A jurisprudência do STJ
possui precedentes reconhecendo o cabimento de ação rescisória por conta de
violação a princípios. Vale lembrar que a doutrina atual considera que o
princípio é uma espécie de norma jurídica. Nesse sentido: STJ. 1ª Turma. REsp
1458607/SC, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 23/10/2014.
Se a sentença violar literal
disposição de súmula (comum ou vinculante), caberá ação rescisória?
• no CPC/193: NÃO. Não cabia ação
rescisória contra violação de súmula.
• no CPC/2015: SIM. Veja o que
diz o § 5º do art. 966 do CPC/2015:
Art. 966 (...) § 5º Cabe ação
rescisória, com fundamento no inciso V do caput deste artigo, contra decisão
baseada em enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos
repetitivos que não tenha considerado a existência de distinção entre a questão
discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento.
Súmula 343 do STF
Não é raro que uma mesma lei gere
interpretações completamente diferentes, inclusive dentro de um único Tribunal.
Imaginemos, por exemplo, que a 1ª
Turma do STJ afirme que o art. XX da Lei n.°
8.112/90 confere determinado direito ao servidor. A 2ª Turma do STJ, por sua
vez, interpreta o dispositivo de forma oposta e entende que a Lei não confere
esse direito.
O
juiz “A” decidiu com base na intepretação dada pela 1ª Turma do STJ e esta
sentença transitou em julgado. Ocorre que, um ano depois, a 1ª Turma modificou
seu entendimento, curvando-se à posição da 2ª Turma.
Nesse caso, seria possível
ajuizar ação rescisória contra a sentença proferida pelo juiz “A” alegando que
ela violou literal disposição do art. XX Lei n.°
8.112/90? É possível dizer que ela violou manifestamente norma jurídica?
NÃO. A
jurisprudência entende que, se na época em que a sentença rescindenda transitou
em julgado havia divergência jurisprudencial a respeito da interpretação da
norma jurídica, não se pode dizer que a decisão proferida tenha tido um vício.
Logo, não caberá ação rescisória. Isso está expresso na súmula 343 do STF:
Súmula 343-STF: Não cabe ação rescisória por ofensa a literal
dispositivo de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto
legal de interpretação controvertida nos tribunais.
O raciocínio que inspirou essa
súmula é o seguinte: se há nos tribunais divergência sobre um mesmo preceito
normativo, é porque ele comporta mais de uma interpretação, significando que não
se pode qualificar qualquer dessas interpretações, mesmo a que não seja a
melhor, como ofensiva ao teor literal da norma interpretada. Trata-se da
chamada “doutrina da tolerância da razoável interpretação da norma” (Voto do
Ministro Teoria Zavascki no RE 590809/RS).
Obs: a súmula fala em ofensa a
“literal disposição de lei” porque esta é a redação do art. 485, V, do CPC
1973. O CPC 2015 altera esse dispositivo prevendo que cabe ação rescisória
quando a decisão “violar manifestamente norma jurídica” (art. 966 do CPC). A
redação do novo CPC apenas consagra a interpretação que a doutrina e a
jurisprudência dão para a expressão “lei” prevista no Código passado. Já se
entendia que “lei” deveria ser lida como “norma jurídica”. Assim, não há uma
mudança substancial e o raciocínio trazido pela súmula continua aplicável.
A súmula permanece válida?
Existe polêmica, mas prevalece que sim.
A jurisprudência majoritária continua
aplicando a súmula mesmo após o CPC/2015.
PARA FINS DE APLICAÇÃO DA SÚMULA 343/STF, DEVE-SE VERIFICAR
SE JÁ ESTAVA PACIFICADO NO MOMENTO EM QUE O ACÓRDÃO RESCINDENDO FOI PROFERIDO (E
NÃO NA DATA DO TRÂNSITO EM JULGADO)
Imagine a seguinte situação
hipotética:
João trabalhou por mais de 30
anos no Banco do Brasil.
Ele se aposentou e começou a
receber sua complementação de aposentadoria paga pela PREVI (Caixa de
Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil).
Durante o período em que estava
na ativa, João recebia uma verba chamada auxílio cesta alimentação, benefício
previsto em norma coletiva, concedido para ajudar com as despesas de
alimentação.
João percebeu que essa verba não
tinha sido considerada para o cálculo da sua aposentadoria.
Ação proposta contra a
PREVI
Diante disso, em 2006, João ajuizou
ação contra a PREVI pedindo a incorporação do auxílio em seus proventos de
aposentadoria, argumentando que se tratava de uma verba de caráter
remuneratório e que deveria ser paga também aos aposentados.
A sentença foi procedente.
A PREVI interpôs apelação, mas o
TJRS manteve a sentença. Esse acórdão foi prolatado em 2011.
Vale ressaltar que, na época do
acórdão (2011), a jurisprudência sobre o tema era dividida (alguns julgados
consideravam o auxílio-cesta-alimentação como sendo de natureza remuneratória e
outros como sendo verba indenizatória).
O TJRS, contudo, confirmou a
sentença de procedência, determinando que a PREVI incluísse o valor do
auxílio-cesta-alimentação nos proventos de aposentadoria.
A PREVI interpôs recurso especial
contra o acórdão do TJRS, mas ele não foi admitido (não teve seu mérito
julgado).
Com isso, o acórdão do TJRS
transitou em julgado em janeiro de 2013.
Ação rescisória
Em março de 2013, a PREVI ajuizou
ação rescisória pretendendo desconstituir o acórdão do TJRS.
A autora argumentou que:
- em 27/06/2012, antes do
trânsito em julgado do processo de João, o STJ julgou o REsp nº 1.207.071/RJ
(Tema 540), no qual consignou que:
O auxílio cesta-alimentação, parcela concedida a título
indenizatório aos empregados em atividade, mediante convenção coletiva de
trabalho, não se incorpora aos proventos da complementação de aposentadoria
pagos por entidade fechada de previdência privada.
STJ. 2ª Seção. REsp 1.207.071/RJ, Rel. Min. Maria Isabel
Gallotti, julgado em 27/6/2012.
- desse modo, antes do trânsito
em julgado, o STJ pacificou a controvérsia em sentido contrário ao pedido de
João.
A entidade argumentou que:
• a decisão do TJRS violou
literal disposição de lei (art. 3º da LC 108/2001 e arts. 3º e 6º da Lei
6.321/1976);
• houve erro de fato ao
desconsiderar a natureza indenizatória do auxílio;
• a jurisprudência pacificada do
STJ deveria prevalecer sobre a coisa julgada formada anteriormente.
TJRS rejeitou a ação
rescisória
O TJRS julgou improcedente o
pedido da ação rescisória, aplicando a Súmula 343 do STF: “Não cabe ação
rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda
se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.”
Recurso especial
A PREVI recorreu ao STJ afirmando
que, antes do trânsito em julgado, a questão se pacificou. Não havia mais
controvérsia na jurisprudência quando ocorreu o trânsito em julgado.
Assim, não era caso de se aplicar
a Súmula 343 do STF.
Veja que quadro
interessante:
- em 2011, no momento da prolação
do acórdão, havia divergência de entendimento na jurisprudência.
- em 2012, houve a pacificação e
o fim da divergência.
- em 2013, ocorreu o trânsito em
julgado (quando não havia mais divergência).
O STJ concordou com os argumentos
da PREVI?
NÃO.
O marco temporal a ser
considerado na aplicação da Súmula 343 do STF é a data em que foi proferido o
acórdão rescindendo, e não a data de seu trânsito em julgado.
Portanto, se a pacificação da
jurisprudência ocorreu em momento posterior à prolação do acórdão rescindendo,
deve-se aplicar a Súmula 343 do STF, mesmo que o trânsito em julgado ocorreu
depois da pacificação.
Em suma:
O momento a ser considerado como de pacificação
jurisprudencial, para efeito de incidência da Súmula n. 343 do STF, é o da
publicação da decisão rescindenda, não o de seu trânsito em julgado.
STJ. 2ª Seção.
EREsp 1.711.942-RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 12/2/2025 (Info
840).
A rescisória da PREVI não teve
êxito porque o que importa não é quando a decisão se tornou definitiva
(trânsito em julgado), mas sim quando ela foi proferida.
Como em 2011 ainda existiam
decisões divergentes sobre o tema, o entendimento posterior do STJ (2012) não
pode ser usado para rescindir o acórdão que já havia sido prolatado.
