quinta-feira, 6 de março de 2025
Os entes estaduais são partes legítimas para figurar no polo passivo de ação que busca garantir o fornecimento regular de água potável e saneamento básico a terra indígena
O caso concreto, com adaptações,
foi o seguinte:
No Município de Guaíra, no Estado
do Paraná, existe uma comunidade indígena chamada Tekoha Tatury com cerca de 90
pessoas. Esta comunidade vivia em condições precárias, sem acesso adequado a
água potável e saneamento básico. Em vez de terem banheiros apropriados, precisavam
usar “buracos” no chão, e a coleta de lixo era feita de forma improvisada.
Diante desse cenário, o
Ministério Público Federal (MPF) ingressou com ação civil pública contra o
Estado do Paraná, a Companhia estadual de Saneamento do Paraná (SANEPAR), a
União e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) pedindo:
1) a implementação de serviços
básicos de saneamento para a comunidade;
2) indenização por danos morais
coletivos.
O Estado do Paraná alegou que a
responsabilidade pelo saneamento básico em terras indígenas é da União, com
base na Lei nº 8.080/1990 (Lei do SUS) e na Lei nº 11.445/2007 (Lei do
Saneamento Básico). Logo, o ente estadual não teria legitimidade passiva para
figurar na lide.
O que decidiu o STJ? O
Estado-membro é parte legítima para figurar no polo passivo de ação que busca
garantir o fornecimento regular de água potável e saneamento básico à terra
indígena?
SIM.
No caso, não se está em discussão
a hipótese de simples fornecimento de saneamento básico, mas da prestação desse
serviço (de saneamento) como meio indispensável à manutenção das condições da
saúde indígena.
Nesse ponto, indispensável a transcrição dos principais
artigos da Lei nº 8.080/90 que disciplinam a questão:
Art. 19-C. Caberá à União, com
seus recursos próprios, financiar o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena.
Art. 19-D. O SUS promoverá a
articulação do Subsistema instituído por esta Lei com os órgãos responsáveis
pela Política Indígena do País.
Art. 19-E. Os Estados,
Municípios, outras instituições governamentais e não-governamentais poderão
atuar complementarmente no custeio e execução das ações.
Conforme se depreende dos
dispositivos normativos acima transcritos, especialmente do art. 19-E, nos
casos que envolvem a efetivação da saúde indígena, a atuação não se restringe à
União, mas também abrange os Estados, como ocorre na presente situação. Essa
disposição normativa, por si só, já justificaria a inclusão do Estado do Paraná
no polo passivo da demanda, mas não é o único fundamento para tanto.
Sob a ótica da Lei nº
11.445/2007, também não há que se falar em exclusão da responsabilidade do
Estado do Paraná. Ao contrário do que sustenta a parte recorrente, o caso em
questão não trata da competência para estabelecer o Plano Nacional de
Saneamento Básico (art. 52, I, da referida lei), atribuição que compete
exclusivamente à União. O debate envolve, na realidade, a obrigação de prestar
serviços locais e regionais de saneamento, cuja execução ocorre de forma
articulada com os Estados (art. 52, II, da mesma lei), o que reforça a
legitimidade passiva do ente estadual.
Em suma:
Os entes estaduais são partes legítimas para figurar
no polo passivo de ação que busca garantir o fornecimento regular de água
potável e saneamento básico a terra indígena.
STJ. 1ª
Turma. AREsp 2.381.292-PR, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 10/12/2024 (Info
838).
