Dizer o Direito

sábado, 1 de março de 2025

O foro competente para julgar ação de indenização decorrente de suposta falha de serviço notarial por Tabelião é o da sede da serventia ou o domicílio do consumidor?

Imagine a seguinte situação hipotética:

João, morador Caxias do Sul/RS, pretendia comprar um imóvel que estava sendo anunciado.

Pedro se apresentou como procurador do proprietário do imóvel, que seria um idoso.

Para provar que seria representante do proprietário, Pedro apresentou uma procuração pública lavrada em um Tabelionato de Notas de Florianópolis/SC.

João, confiando na autenticidade do documento, transferiu parte do valor da compra.

Logo depois, ele descobriu que a procuração era fraudulenta. O verdadeiro proprietário nunca havia outorgado essa procuração.

João ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais contra o tabelião responsável.

João quer ingressar com uma ação de indenização por danos morais e materiais contra Pedro e contra o tabelião responsável pelo cartório de Florianópolis, alegando que houve negligência na prestação do serviço notarial.

Surgiu, no entanto, uma dúvida quanto à competência. Essa ação deverá ser proposta:

1) na comarca de Caxias do Sul/RS, onde o autor reside, com base no art. 101, I, do CDC, que permite ao consumidor ajuizar a ação em seu domicílio; ou

2) ou na comarca de Florianópolis/SC, sede do tabelionato?

 

O que decidiu o STJ?

A competência é do foro de Florianópolis/SC, sede da serventia notarial, com fundamento no art. 53, III, “f” do CPC/2015:

Art. 53. É competente o foro:

(...)

III - do lugar:

(...)

f) da sede da serventia notarial ou de registro, para a ação de reparação de dano por ato praticado em razão do ofício;

 

O art. 53, III, “f”, do CPC/2015 trouxe uma solução mais clara e objetiva para esses casos, reconhecendo a particularidade dos atos notariais e de registro, que possuem fé pública e são praticados por delegação do Poder Público (art. 236 da CF/88).

Dessa forma, independentemente se devem ser aplicadas as normas consumeristas nas relações que envolvem atividade notarial, o Juízo competente para julgar ação de reparação de dano por ato praticado em razão do ofício é o do lugar da sede da serventia notarial ou do registro. Isso porque o art. 53, III, “f”, do CPC/2015 é norma específica e mais recente que o Código de Defesa do Consumidor.

O CDC, em seu art. 101, I, estabelece o domicílio do consumidor como um dos critérios para determinar o foro competente nas ações de responsabilidade civil de fornecedores de produtos e serviços. No entanto, o CPC, ao tratar especificamente de danos causados por atos notariais e de registro, exige que o foro competente seja o da sede da serventia.

Pela mesma razão, não se deve aplicar o inciso V do art. 53 do CPC, segundo o qual:

Art. 53. É competente o foro:

(...)

V - de domicílio do autor ou do local do fato, para a ação de reparação de dano sofrido em razão de delito ou acidente de veículos, inclusive aeronaves.

 

Pelo princípio da especialidade, havendo norma específica que regula uma situação particular, ela se sobrepõe à norma geral.

Além disso, por ser mais recente que o Código de Defesa do Consumidor, o CPC expressa a intenção do legislador de tratar os atos praticados por tabelionatos com regras processuais próprias, especialmente considerando a natureza essencialmente estatal dessas atividades de índole administrativa.

Portanto, ao considerar a especialidade e a cronologia legislativa, a regra especial e posterior prevista no Código de Processo Civil deve ser aplicada, prevalecendo sobre o critério geral de outros normativos.

A utilização de norma geral comprometeria a coerência do sistema processual e a eficácia do art. 53, III, “f”, tornando-o inócuo e desprovido de efeito prático.

No mais, tratando-se de ação de responsabilidade civil em que a causa de pedir é a falha no serviço prestado pelo Tabelião no exercício de suas funções, a presença de outras partes no polo passivo não é suficiente para alterar a competência territorial.

 

Em suma:

O foro competente para julgar ação de indenização por danos morais e materiais decorrente de suposta falha de serviço notarial por Tabelião é o da sede da serventia notarial ou do registro. 

STJ. 4ª Turma. REsp 2.011.651-RS, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 26/11/2024 (Info 23 - Edição Extraordinária).

 

DOD Teste: revisão em perguntas

Qual é o critério estabelecido pelo CPC/2015 para definir a competência territorial em ações de reparação de dano por ato notarial?

A competência territorial é definida pelo art. 53, III, “f”, do CPC/2015, que estabelece que a ação deve ser proposta no foro da sede da serventia notarial ou de registro, uma vez que os atos notariais possuem fé pública e são praticados por delegação do Poder Público.

 

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) poderia ser aplicado para definir o foro competente nessa situação?

Não, porque o CPC/2015, sendo norma especial e mais recente, prevalece sobre a norma geral do CDC.

O art. 53, III, “f”, do CPC estabelece regra específica para atos notariais, afastando a aplicação do art. 101, I, do CDC.

Além disso, a regra do CPC ainda é mais recente que o CDC.

 

O fato de haver mais um réu além do tabelião altera a competência territorial?

Não. A presença de outros réus na ação não altera, em princípio, a regra de competência definida pelo art. 53, III, “f”, do CPC/2015, pois a causa de pedir principal está relacionada à falha na prestação do serviço notarial.

 

A competência territorial poderia ser determinada pelo local onde ocorreu o dano?

Não, pois o inciso V do art. 53 do CPC, que estabelece o domicílio do autor ou o local do fato para ações de reparação de dano, não se aplica a atos notariais. O critério específico do art. 53, inciso III, “f”, do CPC, deve prevalecer.

 

Qual a justificativa para a exigência de foro específico para ações contra tabeliães?

A justificativa está na natureza essencialmente estatal dos atos notariais, que possuem fé pública e são realizados por delegação do Poder Público. Assim, a fixação da competência no foro da serventia garante maior segurança jurídica e previsibilidade.

 

A responsabilidade civil dos tabeliães segue as mesmas regras aplicáveis a outros prestadores de serviço?

Não inteiramente. Apesar de existir uma relação de consumo em alguns casos, a responsabilidade civil dos tabeliães tem regras processuais próprias devido à natureza pública de suas atividades, como demonstrado pela fixação de competência específica no CPC.


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