Dizer o Direito

segunda-feira, 3 de março de 2025

O consentimento da vítima não afasta a tipicidade do crime de descumprimento de medida protetiva (art. 24-A da Lei Maria da Penha) se o agente gera intimidação na vítima e, assim, consegue esse consentimento

Imagine a seguinte situação hipotética:

Gustavo empurrou sua mãe, Regina, uma idosa de 82 anos, e ameaçou matá-la.

Amedrontada, Regina procurou a delegacia para registrar um boletim de ocorrência.

Diante da gravidade dos fatos, o juiz determinou medidas protetivas em favor de Regina, proibindo Gustavo de se aproximar da mãe e de manter qualquer tipo de contato com ela.

Gustavo foi intimado das condições que deveria respeitar.

Contudo, quatro dias depois, Gustavo apareceu na casa de Regina. Estava chovendo muito no dia e ele alegou ter perdido suas chaves, pedindo, portanto, para passar a noite na casa da mãe.

Mesmo temerosa, Regina acabou cedendo e preparou uma cama para ele dormir.

Ocorre que, na manhã seguinte, Gustavo ficou novamente irritado com Regina e começou a insultá-la. Além disso, tentou agredi-la não conseguindo porque que a mulher se abrigou na casa de uma vizinha.

Regina procurou novamente a Polícia.

Gustavo foi denunciado e condenado pelo crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência, previsto no art. 24-A da Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha):

Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei:    

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.      

§ 1º A configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu as medidas.        

§ 2º Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial poderá conceder fiança

§ 3º O disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis. 

 

A defesa argumentou que Gustavo esteve na residência da mãe com seu consentimento.

Segundo argumentou o advogado, o consentimento da vítima afasta a tipicidade do crime de descumprimento de medida protetiva. 

 

Os argumentos da defesa foram, no caso concreto, acolhidos pelo STJ?

NÃO.

Em regra, o consentimento da vítima, que aceita a aproximação do réu mesmo existindo medida protetiva de urgência, afasta eventual ameaça ou lesão ao bem jurídico tutelado pelo crime capitulado no art. 24-A da Lei nº 11.340/2006. Nesse sentido:

STJ. 6ª Turma. HC 521.622/SC, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe de 22/11/2019.

STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 2.330.912-DF, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 22/8/2023 (Info 785).

 

Ocorre que, no caso concreto, conforme reconhecido nos autos, a vítima não autorizou a ida do réu até sua residência, nem o convidou. Ele apareceu por livre e espontânea vontade.

Além disso, seu consentimento para que ele permanecesse no local estava comprometido, especialmente devido à forte intimidação causada por ser seu filho.

Não há como afirmar que a vítima tenha livre vontade neste caso, considerando o medo que sente do filho e o contexto de violência em que está inserida, sendo a parte mais vulnerável da relação.

Diante disso, deve ser afastada a regra geral neste caso porque a autorização foi considerada inválida, razão pela qual o réu deve ser condenado pelo crime do art. 24-A da Lei nº 11.340/2006.

 

Em suma:

O consentimento da vítima não afasta a tipicidade do crime de descumprimento de medida protetiva quando há intimidação desta pelo agente. 

STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 860.073-SC, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 13/11/2024 (Info 24 - Edição Extraordinária).


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