Imagine a seguinte situação
hipotética:
João foi denunciado pelo Ministério Público pela prática
do crime de estupro.
Foi realizada audiência de instrução e
julgamento na qual foram ouvidas as testemunhas e realizado o interrogatório.
Depois das oitivas, o Promotor de
Justiça e o advogado ofereceram alegações finais orais.
Todos os atos da audiência foram
gravados em meio audiovisual.
O que foi feito acima é permitido? Os
atos de instrução podem ser registrados por meio audiovisual?
SIM. O
CPP foi alterado pela Lei nº 11.719/2008 com o objetivo de permitir que todos
os atos de instrução sejam feitos de forma oral, inclusive os debates entre a
acusação e a defesa. Confira:
Art. 403. Não havendo requerimento de
diligências, ou sendo indeferido, serão oferecidas alegações finais orais por
20 (vinte) minutos, respectivamente, pela acusação e pela defesa, prorrogáveis
por mais 10 (dez), proferindo o juiz, a seguir, sentença. (Redação dada pela
Lei nº 11.719/2008)
(...)
§ 3º O juiz poderá, considerada a
complexidade do caso ou o número de acusados, conceder às partes o prazo de 5
(cinco) dias sucessivamente para a apresentação de memoriais. Nesse caso, terá
o prazo de 10 (dez) dias para proferir a sentença. (Incluído pela Lei nº
11.719/2008)
Art. 405. Do ocorrido em audiência será
lavrado termo em livro próprio, assinado pelo juiz e pelas partes, contendo
breve resumo dos fatos relevantes nela ocorridos. (Redação dada pela Lei nº
11.719/2008)
§ 1º Sempre que possível, o registro
dos depoimentos do investigado, indiciado, ofendido e testemunhas será feito
pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica
similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das
informações. (Incluído pela Lei nº 11.719/2008)
§ 2º No caso de registro por meio
audiovisual, será encaminhado às partes cópia do registro original, sem
necessidade de transcrição. (Incluído pela Lei nº 11.719/2008)
As oitivas das testemunhas, vítima e
réu e as alegações finais do MP e da defesa, se forem feitas oralmente,
precisam ser transcritas? Há necessidade de degravação?
NÃO.
Não há necessidade de degravação no
caso de depoimentos colhidos por gravação audiovisual, cabendo ao interessado
promovê-la, a suas expensas e com sua estrutura, se assim o desejar, ficando
vedado requerer ou determinar tal providência ao Juízo de primeiro grau.
STJ. 5ª Turma. HC 339.357/RS, Rel. Min.
Jorge Mussi, julgado em 08/03/2016.
O registro audiovisual de depoimentos
colhidos em audiência dispensa sua degravação, salvo comprovada demonstração de
sua necessidade.
STJ. 6ª Turma. RMS 36.625/MT, Rel. Min.
Rogerio Schietti Cruz, julgado em 30/06/2016.
E a sentença? Imagine que, após os
debates, o juiz proferiu a sentença, na própria audiência, de forma também
oral. Assim, o magistrado, falando ao microfone e sendo filmado, analisou as
provas produzidas e concluiu pela condenação do réu. Na ata da audiência, o
juiz transcreveu apenas a dosimetria da pena e o dispositivo. Essa sentença é
válida?
SIM.
A modernização do processo penal
brasileiro trouxe avanços tecnológicos significativos na realização dos atos
processuais, destacando-se a possibilidade de registro audiovisual das
audiências e sentenças. Essa evolução tem amparo legal no artigo 405, § 2º, do
Código de Processo Penal, alterado pela Lei nº 11.719/2008, que consagra os
princípios da celeridade, simplificação e economia processual, além do
princípio da oralidade.
No que se refere às sentenças criminais
proferidas em audiência e registradas em meio audiovisual, consolidou-se o
entendimento de que a ausência de transcrição integral do conteúdo não
configura nulidade processual. Esse posicionamento se fundamenta na premissa de
que o registro audiovisual possui valor probante igual ou até superior ao
documento escrito, pois preserva não apenas o teor verbal da decisão, mas
também elementos não verbais relevantes, como entonação e expressões do
magistrado.
A exigência de transcrição integral da
sentença audiovisual representaria um retrocesso, incompatível com os avanços
tecnológicos aplicados ao processo penal. Tal exigência desconsideraria o valor
do registro em áudio e vídeo da própria manifestação judicial e imporia uma
valorização excessiva da forma escrita, em detrimento do conteúdo efetivamente
gravado em meio digital. Essa interpretação está alinhada aos princípios da
instrumentalidade das formas e da inexistência de nulidade sem demonstração de
prejuízo.
A jurisprudência tem afastado a
alegação de nulidade processual pela ausência de transcrição completa da
sentença quando esta é armazenada em meio audiovisual e disponibilizada às
partes. Desde que a dosimetria da pena e o dispositivo da decisão sejam registrados
por escrito, permitindo a plena compreensão do julgamento e a interposição de
eventuais recursos, não há comprometimento do direito à ampla defesa.
Dessa forma, o uso do registro
audiovisual não viola os direitos do acusado. Pelo contrário, reforça a
fidedignidade do ato judicial, reduzindo o risco de divergências
interpretativas. Além disso, a adoção desse meio está em sintonia com a
modernização dos instrumentos de documentação processual e com o princípio da
oralidade, evitando formalismos excessivos que possam retardar a prestação
jurisdicional. A exigência de degravação integral, além de onerar
desnecessariamente o sistema judicial, configuraria um retrocesso diante das
tecnologias disponíveis.
Assim, a jurisprudência consolidada
pela Terceira Seção do STJ reafirma que o registro audiovisual é suficiente
para garantir a validade e a segurança das decisões judiciais, sendo
desnecessária sua transcrição integral.
Em suma:
A ausência de degravação completa da sentença não
prejudica o contraditório ou a segurança do registro nos autos, do mesmo modo
que igualmente ocorre com a prova oral.
STJ. 6ª
Turma. Processo em segredo de justiça, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro,
julgado em 3/9/2024 (Info 24 - Edição Extraordinária).