sexta-feira, 7 de março de 2025
Em se tratando de cirurgia plástica estética não reparadora, caso o resultado seja desarmonioso, segundo o senso comum, presume-se a culpa do profissional e o dever de indenizar, ainda que não tenha sido verificada imperícia, negligência ou imprudência
Imagine a seguinte situação
hipotética:
Mariana, 35 anos, sempre se
sentiu insatisfeita com o tamanho e a flacidez de seus seios.
Após economizar durante anos,
decidiu realizar uma mamoplastia estética (não reparadora) com o Dr. Ricardo,
cirurgião plástico renomado na cidade.
Durante a consulta inicial, Dr.
Ricardo mostrou fotos de procedimentos anteriores e garantiu a Mariana que
conseguiria deixar seus seios maiores e sem flacidez. Ele não mencionou
possíveis complicações ou resultados inesperados. Mariana assinou o contrato e
realizou o procedimento.
Seis meses após a cirurgia,
Mariana estava insatisfeita com o resultado. Seus seios continuavam com
flacidez, apresentavam assimetria (o esquerdo maior que o direito) e não houve
melhora estética visível quando comparados ao estado pré-operatório. As fotografias
do antes e depois confirmavam essa percepção.
Mariana procurou outro
profissional que confirmou a necessidade de uma nova intervenção para corrigir
os problemas. Sentindo-se lesada, ajuizou ação de indenização por danos morais
e materiais contra Dr. Ricardo.
Durante o processo, a perícia
médica constatou que Dr. Ricardo havia utilizado técnica adequada, não sendo
verificada imperícia, negligência ou imprudência no procedimento. Porém, a
perícia confirmou que não houve melhora estética e que as mamas apresentavam
flacidez e ptose (queda), exatamente o que a cirurgia deveria ter corrigido.
Em sua defesa, Dr. Ricardo alegou
que seguiu todos os protocolos adequados e que não poderia ser responsabilizado
apenas porque o resultado não agradou à paciente.
Em primeira instância, o juiz
julgou o pedido procedente, condenando o médico ao pagamento de indenização por
danos morais e materiais. O magistrado fundamentou sua decisão na “presunção de
culpa do profissional pelo resultado insatisfatório da cirurgia”, destacando
que o médico não conseguiu demonstrar a existência de fatores externos que
justificassem o insucesso do procedimento.
A sentença foi mantida pelo
Tribunal de Justiça. Como a cirurgia plástica tem uma obrigação de resultado,
caberia ao médico provar que o insucesso ocorreu devido a fatores imprevisíveis
e externos, ou que não ocorreram.
Ainda inconformado, o médico
interpôs recurso especial.
O STJ manteve a condenação
do profissional?
SIM.
A cirurgia plástica estética não reparadora
é classificada como uma obrigação de resultado.
A responsabilidade do médico em
casos de cirurgia plástica estética é objetiva ou subjetiva?
Prevalece que é subjetiva, por força do que dispõe o § 4º do
art. 14 do CDC:
Art. 14 (...)
§ 4º A responsabilidade pessoal
dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.
No caso concreto, o médico alegou
que não poderia ser responsabilizado porque usou a técnica adequada. Esse
argumento é suficiente para afastar a indenização? O simples uso da técnica
adequada exime o médico de culpa quando o resultado esperado pelo paciente não
é alcançado?
NÃO. Nessas situações, há uma inversão
do ônus da prova em favor do(a) consumidor(a). Isso significa que a culpa do
médico é presumida, cabendo a ele demonstrar a existência de algum fator
imprevisível que justifique o insucesso da cirurgia e o exonere da obrigação de
indenizar.
Que fatores o médico poderia
alegar e provar para se eximir do dever de indenizar? Caso fortuito, força
maior ou culpa exclusiva da vítima.
Nesse sentido:
A cirurgia estética configura obrigação de resultado, sendo
aplicável a presunção de culpa e a inversão do ônus da prova como regra de
instrução
A cirurgia estética é caracterizada como obrigação de resultado,
pois o profissional se compromete a alcançar um resultado específico, e sua não
obtenção configura inadimplemento. Nessas hipóteses, há presunção de culpa, com
inversão do ônus da prova. O simples uso da técnica adequada não exime o médico
da responsabilidade. Além disso, a inversão do ônus da prova no âmbito do CDC é
uma regra de instrução, e não de julgamento.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.395.254/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi,
julgado em 15/10/2013.
A obrigação nas cirurgias meramente estéticas é de resultado,
comprometendo-se o médico com o efeito embelezador prometido.
Embora a obrigação seja de resultado, a responsabilidade do
cirurgião plástico permanece subjetiva, com inversão do ônus da prova
(responsabilidade com culpa presumida) (não é responsabilidade objetiva).
O caso fortuito e a força maior, apesar de não estarem
expressamente previstos no CDC, podem ser invocados como causas excludentes de
responsabilidade.
STJ. 4ª Turma. REsp 985888-SP, Min. Luis Felipe Salomão, julgado
em 16/2/2012 (Info 491).
Em procedimento cirúrgico para
fins estéticos, conquanto a obrigação seja de resultado, não se vislumbra
responsabilidade objetiva pelo insucesso da cirurgia, mas mera presunção de
culpa médica, o que importa a inversão do ônus da prova, cabendo ao profissional
elidi-la de modo a exonerar-se da responsabilidade contratual.
Embora reconheça que o art. 6º,
inciso VIII, do CDC se aplica aos cirurgiões plásticos, entendo que a inversão
do ônus da prova não se destina apenas à comprovação de fatores imprevisíveis
que tenham influenciado o resultado negativo. Esse mecanismo permite,
sobretudo, que o médico demonstre que o resultado alcançado foi satisfatório em
relação à condição anterior do paciente, conforme o senso comum, e não com base
em critérios exclusivamente subjetivos do paciente.
Se esse critério não fosse
observado, bastaria que o paciente alegasse insatisfação pessoal com o
resultado da cirurgia para obter indenização, o que não seria razoável, dada a
natureza subjetiva da percepção estética. Assim, a presunção de culpa do médico
deve ser aplicada com cautela, sem resultar em uma presunção absoluta (jure et
de jure) dos danos alegados pelo paciente.
É necessário distinguir entre
resultados insatisfatórios e resultados desastrosos. Por um lado, é justo
presumir a culpa do médico quando o resultado da cirurgia é, inequivocamente,
desarmonioso. Por outro, não é correto presumir culpa apenas porque o paciente
acredita que poderia ter ficado melhor.
Essa distinção é relevante, pois
o conceito de beleza é subjetivo e varia de pessoa para pessoa. Por isso, antes
de se submeter a um procedimento cirúrgico, é recomendável que o paciente
consulte mais de um especialista e analise fotos de resultados anteriores, a
fim de alinhar expectativas realistas com o profissional escolhido.
Diante disso, em casos de
cirurgia plástica estética não reparadora, quando não há negligência, imperícia
ou imprudência do médico, mas o paciente não ficou satisfeito com o resultado,
a presunção de culpa só pode ser aplicada se o resultado for objetivamente
desarmonioso, segundo o senso comum.
Se o procedimento resultar em uma
melhora estética perceptível, não há como atribuir culpa ao médico.
No caso concreto, as provas
demonstram que o resultado estético da cirurgia da paciente (Mariana) foi
desarmonioso.
As fotografias pré e
pós-operatórias comprovam a inexistência de melhora estética.
O perito constatou flacidez e
ptose nas mamas, exatamente as condições que a cirurgia buscava corrigir.
O laudo pericial indicou a
possibilidade de nova abordagem cirúrgica para corrigir o problema, o que
evidencia que o objetivo inicial não foi atingido.
Como a cirurgia foi feita
justamente para corrigir a flacidez e ptose, e a perícia constatou a
permanência desses problemas, é evidente que o procedimento não atingiu o
resultado estético razoavelmente esperável, segundo o senso comum.
Assim, como as mamas não ficaram
em situação estética melhor do que a existente antes da cirurgia, ainda que o
médico tenha feito uso da técnica adequada, como ele não comprovou que o
resultado negativo decorreu de algum fator externo alheio à sua vontade ou de
reação inesperada do organismo da paciente, e como esse resultado foi
insatisfatório segundo o senso comum, há dever de indenizar neste caso.
Em suma:
Em se tratando de cirurgia plástica estética não
reparadora, caso o resultado seja desarmonioso, segundo o senso comum,
presume-se a culpa do profissional e o dever de indenizar, ainda que não tenha
sido verificada imperícia, negligência ou imprudência.
STJ. 4ª
Turma. REsp 2.173.636-MT, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em
10/12/2024 (Info 838).
DOD Teste:
revisão em perguntas
Em se tratando de cirurgia
plástica estética não reparadora, qual é a natureza da obrigação assumida pelo
médico?
A obrigação assumida pelo médico
nesse caso é de resultado, ou seja, ele se compromete a alcançar um resultado
específico e satisfatório para o paciente, diferentemente da obrigação de meio,
comum em outras áreas da medicina.
Qual a distinção feita pela
jurisprudência entre cirurgia plástica estética e cirurgia plástica reparadora
no que se refere à responsabilidade do médico?
Na cirurgia plástica estética, a
obrigação do médico é de resultado, havendo presunção de culpa se o objetivo
não for atingido. Já na cirurgia reparadora, a obrigação é de meio, exigindo-se
prova de culpa para que haja responsabilização.
Qual é a diferença entre
obrigação de meio e obrigação de resultado no contexto da responsabilidade
médica?
A obrigação de meio exige que o
profissional empregue todos os esforços e técnicas adequadas para alcançar um
resultado, sem garantir o sucesso. Já a obrigação de resultado implica que o
profissional deve alcançar um resultado específico, como no caso de cirurgias
estéticas, onde o médico se compromete a melhorar a aparência do paciente.
Qual é a natureza da
responsabilidade dos cirurgiões plásticos estéticos segundo o CDC?
A responsabilidade dos cirurgiões
plásticos estéticos é subjetiva, conforme o art. 14, § 4º, do CDC, o que
significa que há presunção de culpa, mas o profissional pode apresentar provas
para afastá-la.
Como a inversão do ônus da
prova opera em casos de cirurgia plástica estética?
Em casos de cirurgia plástica
estética, a inversão do ônus da prova beneficia o paciente, cabendo ao médico
demonstrar que o resultado insatisfatório não foi decorrente de sua culpa, mas
sim de fatores externos ou imprevisíveis.
Quando se pode presumir a
culpa do cirurgião plástico estético mesmo que ele tenha seguido a técnica
correta?
A culpa pode ser presumida se o
resultado da cirurgia for desarmonioso segundo o senso comum, ou seja, se a
aparência do paciente não tiver melhorado em relação à condição prévia,
independentemente de o médico ter seguido a técnica correta.
Qual é o papel do senso
comum na avaliação do resultado de uma cirurgia estética?
O senso comum é utilizado para
avaliar se o resultado da cirurgia foi satisfatório ou desarmonioso. A
insatisfação subjetiva do paciente não é suficiente para presumir a culpa do
médico; é necessário que o resultado seja considerado desarmonioso segundo o
senso comum.
Como a jurisprudência do
STJ trata a responsabilidade do médico em casos de insatisfação com o resultado
estético?
A jurisprudência do STJ entende
que, em casos de cirurgia estética, a responsabilidade do médico é de
resultado, com presunção de culpa e inversão do ônus da prova. O médico deve
demonstrar que o resultado insatisfatório não foi decorrente de sua atuação,
mas sim de fatores alheios à sua vontade.
Quais são as formas de o
cirurgião plástico afastar sua responsabilidade caso o resultado da cirurgia
não seja satisfatório?
O cirurgião pode afastar sua
responsabilidade se comprovar que o insucesso da cirurgia decorreu de fatores
externos alheios à sua atuação, como uma reação inesperada do organismo do
paciente, caso fortuito ou força maior.
O que significa dizer que
há presunção de culpa do médico em casos de cirurgia plástica estética?
Significa que, em razão da
obrigação de resultado, presume-se que o profissional foi culpado pelo
insucesso da cirurgia, cabendo a ele apresentar provas para demonstrar que o
insucesso decorreu de fatores imprevisíveis e não de sua conduta.
Qual foi o entendimento do
STJ sobre o uso da técnica adequada pelo médico?
O STJ entendeu que o simples fato
de o médico ter utilizado a técnica adequada não é suficiente para afastar sua
culpa, pois, na cirurgia estética, há presunção de culpa se o resultado final
não atingir um padrão estético satisfatório segundo o senso comum.
