Imagine a seguinte situação
hipotética:
A empresa Alfa ajuizou ação
contra o Banco Econômico.
A sentença foi procedente e
transitou em julgado.
Além do valor principal, o Banco
Econômico foi condenado a pagar R$ 500 mil de honorários advocatícios de
sucumbência em favor de João, advogado da empresa Alfa.
João iniciou cumprimento de
sentença para cobrar os honorários. Ocorre que o Banco Econômico entrou em
processo de recuperação extrajudicial.
Diante disso, João peticionou
requerendo a substituição do polo passivo da execução sob o argumento de que o
Banco Econômico havia sido adquirido pelo Banco Primavera, que teria passado a
ser seu sucessor.
Exceção de
pré-executividade
O Banco Primavera apresentou
exceção de pré-executividade alegando que:
• a operação de compra foi apenas
parcial, não incluindo essa dívida específica;
• o Banco Econômico ainda
mantinha sua personalidade jurídica e o Banco Primavera seria pessoa jurídica
distinta, não podendo responder pelo débito.
Em maio de 2012, o juiz rejeitou
a exceção de pré-executividade e decidiu que o Banco Primavera era sim o
sucessor e deveria responder pela dívida.
O Banco Primavera interpôs agravo
de instrumento contra essa decisão, mas o Tribunal de Justiça negou provimento
ao recurso, sendo mantida a decisão que reconheceu sua legitimidade passiva.
Não houve recurso contra essa decisão do TJ.
Impugnação ao cumprimento
de sentença
Dois meses depois, em julho de
2012, o Banco Primavera apresentou impugnação ao cumprimento de sentença na
qual alegou novamente a sua ilegitimidade passiva, usando os mesmos argumentos
já apresentados na exceção de pré-executividade.
O juízo afirmou que esse
argumento da ilegitimidade já foi apreciado e que não poderia mais ser
rediscutido, tendo havido preclusão.
O TJ manteve a decisão do
magistrado.
Inconformado, o Banco Primavera
recorreu ao STJ argumentando que:
• a decisão que, na fase de
cumprimento de sentença, redireciona a execução contra alguém que não
participou do processo original é uma decisão interlocutória. Por estar sujeita
à preclusão, essa decisão não gera coisa julgada material;
• a preclusão é uma sanção
imposta às partes. No entanto, enquanto a jurisdição não estiver esgotada, a
instância ordinária pode voltar a analisar questões de ordem pública, como a
legitimidade passiva. Nesse caso, não há preclusão para o juízo (preclusão pro
judicato), independentemente do grau de jurisdição ordinária.
Os argumentos do Banco Primavera foram acolhidos
pelo STJ?
NÃO.
Por
muito tempo, o STJ permitiu a rediscussão de matérias de ordem pública, pois,
como podem ser analisadas de ofício pelo juiz em qualquer fase ou instância,
não estariam sujeitas à preclusão. Além disso, a preclusão é uma restrição
imposta apenas às partes, não ao magistrado.
No entanto, esse entendimento tem
sido relativizado na jurisprudência do STJ, que passou a considerar que, se já
houve uma decisão judicial sobre determinada matéria, mesmo que de ordem
pública, ocorre a preclusão consumativa. Isso impede que o juiz volte a
examinar a questão, caracterizando a chamada preclusão pro judicato.
Nem mesmo as matérias de ordem
pública arroladas no art. 485, § 3º, do CPC/2015 – o qual permite ao juiz delas
conhecer de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, tais como os
pressupostos processuais e as condições da ação –, estão imunes à preclusão
consumativa.
O dispositivo legal em questão
deve ser interpretado corretamente, pois a possibilidade de o juiz conhecer
matérias de ordem pública a qualquer tempo e grau de jurisdição ordinária,
conforme a jurisprudência do STJ, não significa que ele possa reexaminá-las.
Isso ocorre porque não há previsão legal que afaste a preclusão dessas questões
quando já foram decididas.
São conceitos distintos: o poder
do juiz de conhecer de ofício matérias de ordem pública representa uma exceção
ao princípio dispositivo, permitindo a análise de temas não suscitados pelas
partes. Já a preclusão consumativa impede a repetição de um ato processual, ou
seja, veda o reexame de matéria já decidida.
Dessa forma, conforme a
jurisprudência do STJ, o conhecimento de ofício dessas matérias encontra limite
na preclusão consumativa, tornando-as insuscetíveis de nova deliberação pelo
juiz, caracterizando a preclusão pro judicato.
Além disso, “o instituto da
preclusão pro judicato tem por objetivo preservar a ordem pública e a segurança
jurídica, atingindo, assim, o exercício da função jurisdicional” (HC n.
416.454/TO, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 28/11/2017,
DJe de 1º/12/2017).
Na mesma
perspectiva, já assentou a Primeira Turma desta Corte que, “o instituto da
preclusão pro judicato atinge diretamente o exercício da função jurisdicional,
sendo imperioso o seu reconhecimento pelo magistrado, independentemente da
provocação das partes, para a preservação da ordem pública e da segurança
jurídica” (EDcl no REsp n. 1.513.017/MA, relator Ministro Gurgel de Faria,
Primeira Turma, julgado em 13/6/2017, DJe de 14/9/2017).
Ressalte-se,
ainda, que a marcha processual possui um viés prospectivo, pois “a própria
etimologia da palavra processo indica um caminhar para frente. Originado do
latim (processus), o vocábulo significa avançar, andar para frente, progredir.
No direito, o processo guarda o mesmo sentido. Para alcançar bom termo, o
processo deve seguir para frente, não convivendo bem com idas e voltas, com
progressos e retrocessos” (Código de processo civil interpretado / coordenação
de Antônio Carlos Marcatto – ed. – São Paulo: Atlas, 2022, ePUB, p. 1.022).
Segundo
externado pela Quarta Turma, “decorre a preclusão do fato de ser o processo uma
sucessão de atos que devem ser ordenados por fases lógicas, a fim de que se
obtenha a prestação jurisdicional, com precisão e rapidez” (AgInt no AgInt no
AREsp n. 2.127.670/PR, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma,
julgado em 12/6/2023, DJe de 15/6/2023).
Portanto,
conclui-se que as matérias de ordem pública, embora passíveis de conhecimento
pelo juiz de ofício, quando ainda não decididas, são insuscetíveis de nova
deliberação judicial, ante a preclusão pro judicato, que é espécie de preclusão
consumativa.
Em suma:
As matérias de ordem pública, embora passíveis de
conhecimento pelo juiz de ofício, são insuscetíveis de nova deliberação
judicial, ante a preclusão pro judicato, que é espécie de preclusão
consumativa.
STJ. 2ª Seção.
EREsp 1.488.048-MT, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 13/11/2024 (Info
23 - Edição Extraordinária).