Itaipu Binacional
A Itaipu Binacional é uma empresa supranacional, criada
por um tratado internacional firmado entre o Brasil e o Paraguai, em 26 de
abril de 1973, com o objetivo de construir e operar a Usina Hidrelétrica de
Itaipu.
Essa usina é uma das maiores do mundo em capacidade de
geração de energia elétrica, sendo fundamental para o suprimento energético de
ambos os países.
Quanto à sua natureza jurídica, a
Itaipu é classificada como uma empresa supranacional. Ela não está sujeita às
normas de direito interno dos países envolvidos, mas sim ao regime estabelecido
pelo Tratado e seus anexos, incluindo o Estatuto da Itaipu. Esta estrutura
única confere à Itaipu um status sui generis, sendo regida
primordialmente pelo direito internacional.
Desse modo, a Itaipu Binacional não é considerada empresa
pública nem sociedades de economia mista.
Lei das
estatais - Lei nº 13.303/2016
A Lei nº 13.303/2016 é o estatuto jurídico da empresa
pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias. Ela se aplica a
toda e qualquer EMPRESA PÚBLICA e SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
A Lei nº 13.303/2016 aplica-se a empresas públicas e
sociedades de economia mista que:
• explorem atividade econômica; ou
• se dediquem à prestação de serviços públicos
Obs: também se submete ao regime desta Lei a sociedade,
inclusive a de propósito específico, que seja controlada por empresa pública ou
sociedade de economia mista (art. 1º, § 6º).
Vejamos agora o caso concreto enfrentado pelo STJ:
Em janeiro de 2024, o Presidente da República nomeou
Carlos para o cargo de conselheiro da Itaipu Binacional.
Rafael, cidadão brasileiro, residente em Foz do Iguaçu,
onde está localizada a usina hidrelétrica, ingressou com uma ação popular
contra a nomeação, alegando que:
1) o nomeado não possuiria a experiência profissional mínima
exigida pelo art. 17 da Lei das Estatais para ocupar cargo de conselheiro:
Art. 17. Os membros do Conselho
de Administração e os indicados para os cargos de diretor, inclusive
presidente, diretor-geral e diretor-presidente, serão escolhidos entre cidadãos
de reputação ilibada e de notório conhecimento, devendo ser atendidos, alternativamente,
um dos requisitos das alíneas “a”, “b” e “c” do inciso I e, cumulativamente, os
requisitos dos incisos II e III:
I - ter experiência profissional
de, no mínimo:
a) 10 (dez) anos, no setor
público ou privado, na área de atuação da empresa pública ou da sociedade de
economia mista ou em área conexa àquela para a qual forem indicados em função
de direção superior; ou
b) 4 (quatro) anos ocupando pelo
menos um dos seguintes cargos:
1. cargo de direção ou de chefia
superior em empresa de porte ou objeto social semelhante ao da empresa pública
ou da sociedade de economia mista, entendendo-se como cargo de chefia superior
aquele situado nos 2 (dois) níveis hierárquicos não estatutários mais altos da
empresa;
2. cargo em comissão ou função de
confiança equivalente a DAS4 ou superior, no setor público;
3. cargo de docente ou de
pesquisador em áreas de atuação da empresa pública ou da sociedade de economia
mista;
c) 4 (quatro) anos de experiência
como profissional liberal em atividade direta ou indiretamente vinculada à área
de atuação da empresa pública ou sociedade de economia mista;
II - ter formação acadêmica
compatível com o cargo para o qual foi indicado; e
III - não se enquadrar nas
hipóteses de inelegibilidade previstas nas alíneas do inciso I do caput do art.
1º da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990, com as alterações
introduzidas pela Lei Complementar no 135, de 4 de junho de 2010.
2) não foi respeitado o período de quarentena de 36 meses
exigido pela mesma lei para quem ocupou cargo de direção partidária. Isso
porque Carlos havia ocupado, até seis meses antes, o cargo de vice-presidente da
comissão executiva de um partido político.
De acordo com o art. 17, § 2º, II, da Lei das Estatais (Lei
nº 13.303/2016), pessoas que tenham participado da estrutura decisória de
partidos políticos nos últimos 36 meses não podem ser indicadas para conselhos
administrativos ou diretorias de empresas estatais, pois precisam cumprir um período
de quarentena antes de assumir tais funções:
Art. 17 (...)
§ 2º É vedada a indicação, para o
Conselho de Administração e para a diretoria:
(...)
II - de pessoa que atuou, nos
últimos 36 (trinta e seis) meses, como participante de estrutura decisória de
partido político ou em trabalho vinculado a organização, estruturação e
realização de campanha eleitoral;
3) a nomeação representaria lesão ao patrimônio público e
aos princípios da administração pública, especialmente a moralidade e a
eficiência.
Tese da União
A União defendeu que a Lei das Estatais não se aplicava
ao caso, uma vez que a ITAIPU BINACIONAL não é uma empresa pública nem uma
sociedade de economia mista, mas sim uma empresa supranacional, regulada por
tratados internacionais e fora da administração pública brasileira.
O Juiz Federal julgou o pedido improcedente acolhendo os
argumentos da União.
Não houve recurso das partes.
Mesmo assim, a sentença foi submetida à instância superior
por força da remessa necessária prevista no art. 19 da Lei nº 4.717/1965 (Lei
de Ação Popular):
Art. 19. A sentença que concluir
pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de
jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da
que julgar a ação procedente caberá apelação, com efeito suspensivo.
(...)
Quem julgou essa remessa necessária?
O STJ.
Por quê?
Porque a situação se enquadrava no art. 105, II, “c”, da
CF/88:
Art. 105. Compete ao Superior
Tribunal de Justiça:
(...)
II - julgar, em recurso
ordinário:
(...)
c) as causas em que forem partes
Estado estrangeiro ou organismo internacional, de um lado, e, do outro,
Município ou pessoa residente ou domiciliada no País;
Como a ITAIPU é considerada organismo internacional, a
ação proposta contra ela é de competência da Justiça Federal e o recurso (ou,
por analogia, a remessa necessária) é julgada pelo STJ.
O STJ concordou com os argumentos da União?
SIM.
Os atos de gestão da empresa Itaipu Binacional não se
sujeitam à legislação nacional. Esse é o entendimento pacífico do STF:
ITAIPU BINACIONAL – ALIENAÇÕES E CONTRATAÇÕES – PROCESSO
LICITATÓRIO – INEXIGIBILIDADE.
Não se aplica a Lei nº 8.666/1993 às alienações e às
contratações de obras, serviços e bens realizadas por Itaipu Binacional.
STF. Plenário. ACO 1904, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 08/09/2020.
ITAIPU BINACIONAL – CONTRATAÇÃO DE EMPREGADOS – CONCURSO PÚBLICO
– INEXIGIBILIDADE.
Não se aplica o artigo 37, inciso II, da Constituição Federal às
contratações de empregados realizadas por Itaipu.
STF. Plenário. ACO 1957, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 08/09/2020.
Vale ressaltar, inclusive, que a fiscalização do Tribunal
de Contas da União - TCU sobre a ITAIPU está sujeita às regras do Tratado:
Eventual fiscalização pelo Tribunal de Contas da União ocorrerá
nos termos acordados em instrumento firmado entre a República Federativa do
Brasil e a República do Paraguai.
STF. Tribunal Pleno. ACO 1905, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado
em 08/09/2020.
A Constituição Federal prevê essa figura de empresa
supranacional?
SIM. O inciso V do art. 71 da CF/88 menciona a sua
existência:
Art. 71. O controle externo, a
cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas
da União, ao qual compete:
[...]
V - fiscalizar as contas
nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a União participe,
de forma direta ou indireta, nos termos do tratado constitutivo; [...].
Voltando ao caso concreto:
A Itaipu não é empresa pública nem sociedade de economia
mista. Não é possível, portanto, que o Poder Judiciário, por analogia, aplique
a ela as disposições da Lei nº 13.303/2016.
O STJ já reconheceu a natureza jurídica de ITAIPU como
organismo internacional de Itaipu:
É competente o STJ para processar e julgar a remessa necessária
e recursos ordinários oriundos de Ação Popular ajuizada por cidadão residente
no país contra organismos internacionais, como a Itaipu Binacional, nos termos
da alínea "c" do inciso II do art. 105 da Constituição Federal.
STJ. 2ª Turma.
AC 46/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 23/5/2023.
A Lei das Estatais somente poderia ser aplicada à Itaipu
se houvesse, em seu texto, uma norma prevendo a sua incidência sobre as
empresas supranacionais. Ocorre que a Lei das Estatais não prevê isso.
Como a Lei nº 13.303/2016 trata exclusivamente de
empresas estatais nacionais, ela não pode ser aplicada à Itaipu Binacional.
Em suma:
A Lei das Estatais (Lei nº 13.303/2016) não incide às
empresas supranacionais, condição da Itaipu Binacional.
STJ. 2ª
Turma. RO 275-PR, Rel. Min. Afrânio Vilela, julgado em 4/2/2025 (Info 839).
DOD Teste:
revisão em perguntas
Qual é a natureza jurídica
da Itaipu Binacional?
A Itaipu Binacional possui
natureza jurídica de empresa supranacional, não se enquadrando como empresa
pública ou sociedade de economia mista.
A Lei das Estatais (Lei n.
13.303/2016) é aplicável à Itaipu Binacional?
Não, a Lei das Estatais não é
aplicável à Itaipu Binacional, pois a lei trata especificamente de empresas
públicas e sociedades de economia mista de natureza nacional, enquanto a Itaipu
é uma empresa supranacional.
Qual é o papel do Tribunal
de Contas da União (TCU) em relação à Itaipu Binacional?
O TCU pode fiscalizar as contas
da Itaipu Binacional apenas se houver previsão no tratado que criou a empresa,
conforme o inciso V do art. 71 da CF/88.
O que dispõe o Tratado de
Itaipu sobre a aplicação das leis nacionais?
O Tratado de Itaipu permite a
aplicação das normas nacionais dos respectivos Estados (Brasil e Paraguai) nas
relações com pessoas físicas e jurídicas domiciliadas nesses países, conforme o
art. XIX do Tratado.
A Itaipu Binacional está
sujeita às normas de direito administrativo brasileiro, como a exigência de
licitação e concurso público?
Não. O Supremo Tribunal Federal
já decidiu que a Itaipu Binacional não se sujeita à legislação nacional sobre
licitações e concursos públicos, pois se trata de uma empresa supranacional
regida por tratado internacional entre Brasil e Paraguai.