Dizer o Direito

segunda-feira, 31 de março de 2025

INFORMATIVO Comentado 841 STJ (completo e resumido)

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Confira abaixo o índice. Bons estudos.

ÍNDICE DO INFORMATIVO 841 DO STJ


DIREITO ADMINISTRATIVO

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

§  A utilização conjunta da Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa) e da Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) para fundamentar uma mesma ação civil não configura, por si só, violação ao princípio do non bis in idem.

 

DIREITO CIVIL

CONTRATOS > SEGURO

§  O pagamento de indenização por sinistro não gera para a seguradora a sub-rogação de prerrogativas processuais dos consumidores, em especial quanto à competência na ação regressiva.

 

SUCESSÕES

§  A dispensa do dever de colação exige declaração formal e expressa do doador, estabelecendo que a liberalidade recairá sobre sua parte disponível, não constituindo adiantamento de legítima.

§  A capacidade para testar é presumida, exigindo prova robusta para sua anulação; a teoria da aparência pode validar atos notariais quando há boa-fé e confiança legítima das partes envolvidas.

 

DIREITO DO CONSUMIDOR

CONCEITO DE CONSUMIDOR

§  O policial militar é equiparado a consumidor em casos de acidente com arma de fogo defeituosa, aplicando-se o prazo prescricional quinquenal do Código de Defesa do Consumidor.

 

DIREITO EMPRESARIAL

RECUPERAÇÃO JUDICIAL

§  A venda de um bem da empresa em recuperação judicial não precisa de nova aprovação da assembleia geral de credores quando essa alienação já estava expressamente prevista no plano de recuperação judicial que foi aprovado e homologado pelo juiz.

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

RECURSOS

§  Devem ser aplicados os efeitos da Lei 14.939/2024 também aos recursos interpostos antes de sua vigência; se ainda estava pendente o julgamento de agravo interno contra a decisão que reconheceu a intempestividade, o Relator deverá aplicar imediatamente a Lei 14.939/2024.

 

DIREITO PENAL

PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS

§  Após o trânsito em julgado, o juiz da execução pode apenas ajustar a forma de cumprimento da prestação de serviços à comunidade, mas não pode sem substitui-la (art. 148 da LEP).

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL

COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS > SUSPENSÃO DO PROCESSO (ART. 366 DO CPP)

§  A suspensão do processo e do prazo prescricional, na forma do art. 366 do CPP, bem como o restabelecimento da tramitação, não é automática, exigindo decisão judicial.

 

SENTENÇA

§  É válida a sentença proferida de forma oral e registrada por meio audiovisual, sem a transcrição integral na ata de audiência.

 

PROVAS

§  Não há falar em ilegalidade na abordagem realizada em razão de informe prévio com descrição pormenorizada do veículo que estaria transportando entorpecentes, bem como suas características e placa.

§  A mera observação de venda de drogas na rua, próxima à residência, não justifica a busca domiciliar sem mandado ou consentimento legalmente comprovado do morador.

 

DIREITO TRIBUTÁRIO

ICMS

§  A Lei Kandir não autoriza explicitamente a compensação de créditos acumulados de ICMS com débitos de ICMS por substituição tributária (ICMS-ST); portanto, se uma lei estadual proíbe essa prática, ela não pode ser permitida por interpretação diferente.

§  A indenização do seguro garantia tributário não está vinculada à vigência do contrato principal, mas à vigência da própria apólice, sendo possível sua exigência se o sinistro ocorrer dentro desse período, ainda que sua comprovação ocorra posteriormente.


terça-feira, 25 de março de 2025

INFORMATIVO Comentado 1165 STF (completo e resumido)

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Confira abaixo o índice. Bons estudos.

ÍNDICE DO INFORMATIVO 1165 DO STF


Direito Constitucional

DIREITOS SOCIAIS

§  O Congresso Nacional está em mora na edição da lei regulamentadora referente à excepcional participação dos trabalhadores na gestão das empresas (art. 7º, XI da CF/1988).

 

COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS

§  Lei estadual não pode regulamentar o exercício da profissão de bombeiro civil.

 

MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL

§  Lei estadual pode regulamentar o serviço voluntário no Ministério Público, desde que respeite as normas gerais federais e não permita a substituição de membros e servidores.

 

DIREITO ELEITORAL

PRINCÍPIO DA ANUALIDADE ELEITORAL

§  O TSE decidiu que a convenção partidária pode ser presidida por alguém com direitos políticos suspensos; um partido questionou essa decisão alegando que houve mudança jurisprudencial; o STF rejeitou afirmando que o TSE não tinha posição anterior consolidada.

 

DIREITO ADMINISTRATIVO

SERVIÇOS PÚBLICOS

§  É constitucional lei estadual que preveja a descentralização da execução de serviços públicos não exclusivos para as entidades do terceiro setor, desde que esse modelo de gestão seja conduzido de forma pública, objetiva e impessoal, com fiscalização do MP e TCE.

 

DIREITO TRIBUTÁRIO

ICMS

§  É inconstitucional a diferenciação tributária baseada na procedência das mercadorias, por meio da dispensa de regime de substituição tributária no recolhimento do ICMS.

 

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

APOSENTADORIA POR INVALIDEZ

§  É constitucional a cumulação do auxílio-suplementar por acidente de trabalho com a aposentadoria por invalidez, desde que esta tenha sido concedida segundo as condições implementadas na vigência da Lei nº 8.213/1991, mas antes de 11.11.1997.

 

DIREITO DO TRABALHO

RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

§  Cabe ao autor da ação (empregado) o ônus de provar que a Administração Pública agiu com culpa na fiscalização da empresa contratada; se o reclamante não provar isso, o Poder Público não responde pelas dívidas subsidiariamente.


segunda-feira, 24 de março de 2025

Revisão para o concurso de Defensor Público do Estado de Santa Catarina

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quarta-feira, 12 de março de 2025

Para efeitos de aplicação da Súmula 343/STF, deve-se verificar se o entendimento jurisprudencial acerca da questão controvertida já estava pacificado no momento em que proferido o acórdão rescindendo, e não na data de seu trânsito em julgado

ENTENDENDO A SÚMULA 343 DO STF

Ação rescisória é uma ação que tem por objetivo desconstituir uma decisão judicial transitada em julgado.

O CPC prevê as hipóteses em que a ação rescisória é cabível.

No CPC/1973, tais hipóteses estava elencadas no art. 485.

No CPC/2015, as situações que ensejam a rescisão estão listadas no art. 966.

 

Inciso V

O inciso V do art. 485 prevê que é cabível a ação rescisória quando a sentença de mérito transitada em julgado “violar literal disposição de lei”.

O CPC de 2015 melhorou a redação da hipótese, incorporando em seu texto os entendimentos da jurisprudência sobre o tema. Agora, diz-se que é cabível a ação rescisória quando a decisão “violar manifestamente norma jurídica”.

 

CPC 1973

CPC 2015

Art. 485.  A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:

(...)

V - violar literal disposição de lei;

Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:

(...)

V - violar manifestamente norma jurídica;

 

Quando o inciso falava em “lei”, abrangia também as normas constitucionais? E agora, com o novo CPC?

SIM. A palavra “lei” no inciso V do art. 485 do CPC 1973 era interpretada pela doutrina e jurisprudência em sentido amplo, abrangendo lei ordinária, lei complementar, medida provisória, norma constitucional, decreto, resolução e qualquer outro ato normativo.

Assim, se a sentença violasse literal disposição de lei, de norma constitucional ou de qualquer outra norma jurídica, cabia, em tese, ação rescisória.

O novo CPC adotou em seu texto esse entendimento e passou a prever, expressamente, que cabe rescisória quando houver violação da norma jurídica.

 

Se a sentença violar um princípio, caberá ação rescisória?

SIM. A jurisprudência do STJ possui precedentes reconhecendo o cabimento de ação rescisória por conta de violação a princípios. Vale lembrar que a doutrina atual considera que o princípio é uma espécie de norma jurídica. Nesse sentido: STJ. 1ª Turma. REsp 1458607/SC, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 23/10/2014.

 

Se a sentença violar literal disposição de súmula (comum ou vinculante), caberá ação rescisória?

• no CPC/193: NÃO. Não cabia ação rescisória contra violação de súmula.

• no CPC/2015: SIM. Veja o que diz o § 5º do art. 966 do CPC/2015:

Art. 966 (...) § 5º Cabe ação rescisória, com fundamento no inciso V do caput deste artigo, contra decisão baseada em enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos que não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento.

 

Súmula 343 do STF

Não é raro que uma mesma lei gere interpretações completamente diferentes, inclusive dentro de um único Tribunal.

Imaginemos, por exemplo, que a 1ª Turma do STJ afirme que o art. XX da Lei n.° 8.112/90 confere determinado direito ao servidor. A 2ª Turma do STJ, por sua vez, interpreta o dispositivo de forma oposta e entende que a Lei não confere esse direito.

O juiz “A” decidiu com base na intepretação dada pela 1ª Turma do STJ e esta sentença transitou em julgado. Ocorre que, um ano depois, a 1ª Turma modificou seu entendimento, curvando-se à posição da 2ª Turma.

Nesse caso, seria possível ajuizar ação rescisória contra a sentença proferida pelo juiz “A” alegando que ela violou literal disposição do art. XX Lei n.° 8.112/90? É possível dizer que ela violou manifestamente norma jurídica?

NÃO. A jurisprudência entende que, se na época em que a sentença rescindenda transitou em julgado havia divergência jurisprudencial a respeito da interpretação da norma jurídica, não se pode dizer que a decisão proferida tenha tido um vício. Logo, não caberá ação rescisória. Isso está expresso na súmula 343 do STF:

Súmula 343-STF: Não cabe ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.

 

O raciocínio que inspirou essa súmula é o seguinte: se há nos tribunais divergência sobre um mesmo preceito normativo, é porque ele comporta mais de uma interpretação, significando que não se pode qualificar qualquer dessas interpretações, mesmo a que não seja a melhor, como ofensiva ao teor literal da norma interpretada. Trata-se da chamada “doutrina da tolerância da razoável interpretação da norma” (Voto do Ministro Teoria Zavascki no RE 590809/RS).

 

Obs: a súmula fala em ofensa a “literal disposição de lei” porque esta é a redação do art. 485, V, do CPC 1973. O CPC 2015 altera esse dispositivo prevendo que cabe ação rescisória quando a decisão “violar manifestamente norma jurídica” (art. 966 do CPC). A redação do novo CPC apenas consagra a interpretação que a doutrina e a jurisprudência dão para a expressão “lei” prevista no Código passado. Já se entendia que “lei” deveria ser lida como “norma jurídica”. Assim, não há uma mudança substancial e o raciocínio trazido pela súmula continua aplicável.

 

A súmula permanece válida?

Existe polêmica, mas prevalece que sim.

A jurisprudência majoritária continua aplicando a súmula mesmo após o CPC/2015.

 

PARA FINS DE APLICAÇÃO DA SÚMULA 343/STF, DEVE-SE VERIFICAR SE JÁ ESTAVA PACIFICADO NO MOMENTO EM QUE O ACÓRDÃO RESCINDENDO FOI PROFERIDO (E NÃO NA DATA DO TRÂNSITO EM JULGADO)

Imagine a seguinte situação hipotética:

João trabalhou por mais de 30 anos no Banco do Brasil.

Ele se aposentou e começou a receber sua complementação de aposentadoria paga pela PREVI (Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil).

Durante o período em que estava na ativa, João recebia uma verba chamada auxílio cesta alimentação, benefício previsto em norma coletiva, concedido para ajudar com as despesas de alimentação.

João percebeu que essa verba não tinha sido considerada para o cálculo da sua aposentadoria.

 

Ação proposta contra a PREVI

Diante disso, em 2006, João ajuizou ação contra a PREVI pedindo a incorporação do auxílio em seus proventos de aposentadoria, argumentando que se tratava de uma verba de caráter remuneratório e que deveria ser paga também aos aposentados.

A sentença foi procedente.

A PREVI interpôs apelação, mas o TJRS manteve a sentença. Esse acórdão foi prolatado em 2011.

Vale ressaltar que, na época do acórdão (2011), a jurisprudência sobre o tema era dividida (alguns julgados consideravam o auxílio-cesta-alimentação como sendo de natureza remuneratória e outros como sendo verba indenizatória).

O TJRS, contudo, confirmou a sentença de procedência, determinando que a PREVI incluísse o valor do auxílio-cesta-alimentação nos proventos de aposentadoria.

A PREVI interpôs recurso especial contra o acórdão do TJRS, mas ele não foi admitido (não teve seu mérito julgado).

Com isso, o acórdão do TJRS transitou em julgado em janeiro de 2013.

 

Ação rescisória

Em março de 2013, a PREVI ajuizou ação rescisória pretendendo desconstituir o acórdão do TJRS.

A autora argumentou que:

- em 27/06/2012, antes do trânsito em julgado do processo de João, o STJ julgou o REsp nº 1.207.071/RJ (Tema 540), no qual consignou que:

O auxílio cesta-alimentação, parcela concedida a título indenizatório aos empregados em atividade, mediante convenção coletiva de trabalho, não se incorpora aos proventos da complementação de aposentadoria pagos por entidade fechada de previdência privada.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.207.071/RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 27/6/2012.

 

- desse modo, antes do trânsito em julgado, o STJ pacificou a controvérsia em sentido contrário ao pedido de João.

 

A entidade argumentou que:

• a decisão do TJRS violou literal disposição de lei (art. 3º da LC 108/2001 e arts. 3º e 6º da Lei 6.321/1976);

• houve erro de fato ao desconsiderar a natureza indenizatória do auxílio;

• a jurisprudência pacificada do STJ deveria prevalecer sobre a coisa julgada formada anteriormente.

 

TJRS rejeitou a ação rescisória

O TJRS julgou improcedente o pedido da ação rescisória, aplicando a Súmula 343 do STF: “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.”

 

Recurso especial

A PREVI recorreu ao STJ afirmando que, antes do trânsito em julgado, a questão se pacificou. Não havia mais controvérsia na jurisprudência quando ocorreu o trânsito em julgado.

Assim, não era caso de se aplicar a Súmula 343 do STF.

 

Veja que quadro interessante:

- em 2011, no momento da prolação do acórdão, havia divergência de entendimento na jurisprudência.

- em 2012, houve a pacificação e o fim da divergência.

- em 2013, ocorreu o trânsito em julgado (quando não havia mais divergência).

 

O STJ concordou com os argumentos da PREVI?

NÃO.

O marco temporal a ser considerado na aplicação da Súmula 343 do STF é a data em que foi proferido o acórdão rescindendo, e não a data de seu trânsito em julgado.

Portanto, se a pacificação da jurisprudência ocorreu em momento posterior à prolação do acórdão rescindendo, deve-se aplicar a Súmula 343 do STF, mesmo que o trânsito em julgado ocorreu depois da pacificação.

 

Em suma:

O momento a ser considerado como de pacificação jurisprudencial, para efeito de incidência da Súmula n. 343 do STF, é o da publicação da decisão rescindenda, não o de seu trânsito em julgado. 

STJ. 2ª Seção. EREsp 1.711.942-RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 12/2/2025 (Info 840).

 

A rescisória da PREVI não teve êxito porque o que importa não é quando a decisão se tornou definitiva (trânsito em julgado), mas sim quando ela foi proferida.

Como em 2011 ainda existiam decisões divergentes sobre o tema, o entendimento posterior do STJ (2012) não pode ser usado para rescindir o acórdão que já havia sido prolatado.


terça-feira, 11 de março de 2025

É possível o reconhecimento da manutenção da proteção do bem de família que, apesar de ter sido doado em fraude à execução aos seus filhos, ainda é utilizado pela família como moradia

Espécies de bem de família

No Brasil, atualmente, existem duas espécies de bem de família:

a) bem de família convencional ou voluntário (arts. 1711 a 1722 do Código Civil);

b) bem de família legal (Lei nº 8.009/90).

 

Bem de família legal

O bem de família legal consiste no imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar.

Considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente.

Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e na forma do Código Civil (bem de família convencional).

 

Proteção conferida ao bem de família legal

O bem de família legal é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nos incisos do art. 3º da Lei nº 8.009/90:

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

I - Revogado pela Lei Complementar nº 150, de 2015

II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;

III - pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida; (Redação dada pela Lei nº 13.144 de 2015)

IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;

V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;

VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.

VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

 

Imagine agora a seguinte situação hipotética:

João e Regina, casados, moravam em uma casa própria juntamente com seu filho Gabriel (5 anos).

O casal tinha uma dívida de R$ 500 mil com o banco.

Ressalte-se que esse débito não se enquadrava em nenhuma das hipóteses excepcionais listadas nos incisos do art. 3º acima transcrito. Em outras palavras, a residência do casal não poderia ser penhorada para pagar essa dívida.

O banco propôs uma execução e no dia 24/04, João e Maria foram citados.

Com medo de perderem o imóvel para o banco e sem terem orientação jurídica adequada, João e Regina, no dia 27/04, fizeram a doação da casa em que moravam para o filho Gabriel.

Vale ressaltar que o imóvel continuou a ser utilizado como residência da entidade familiar.

O banco ficou sabendo do fato e alegou ao juiz que houve fraude à execução nos termos do art. 792, IV, do CPC/2015:

Art. 792.  A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução:

(...)

IV - quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência;

 

O casal, agora assistido por advogado, argumentou que o imóvel era bem de família e, mesmo com a doação, continuou a ser utilizado como moradia familiar. Logo, deveria ser reconhecida a sua impenhorabilidade.

Eles argumentaram, em síntese, que a declaração de fraude à execução não afasta a impenhorabilidade do bem, já que este ainda era (e continua sendo) utilizado como lar pela família.

 

O STJ concordou com os argumentos dos devedores?

SIM. Havia divergência no STJ sobre esse assunto, mas atualmente prevalece que:

É possível o reconhecimento da manutenção da proteção do bem de família que, apesar de ter sido doado em fraude à execução aos seus filhos, ainda é utilizado pela família como moradia. 

STJ. 2ª Seção. EAREsp 2.141.032-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 6/2/2025 (Info 840).

 

É necessário distinguir os efeitos da fraude à execução da aplicação da regra de impenhorabilidade do bem de família.

O reconhecimento de que uma alienação ocorreu em fraude à execução resulta apenas na declaração de sua ineficácia em relação ao exequente, conforme dispõe expressamente o art. 792, § 1º, do CPC:

Art. 792 (...)

§ 1º A alienação em fraude à execução é ineficaz em relação ao exequente.

 

Assim, a consequência direta da fraude à execução é a ineficácia da alienação em relação ao exequente:

“O ato cometido em fraude à execução é válido, porém ineficaz perante o credor, ou seja, o ato não lhe é oponível” (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Código de Processo Civil comentado. 7. ed. São Paulo: JusPodivm, 2022, p. 1365).

 

A ineficácia da alienação não necessariamente afasta a proteção do bem de família.

É preciso analisar:

- a situação do imóvel antes da alienação questionada;

- para então verificar se houve alteração na sua destinação depois da alienação.

 

• Antes de ser alienado, o imóvel era bem de família? Sim.

• A dívida que estava sendo executada se enquadrava em alguma das exceções previstas no art. 3º da Lei nº 8.009/1990? Não.

• Depois de alienado, o imóvel continuou sendo a residência daquela mesma entidade familiar? Sim.

 

Ocorrendo esse cenário, a proteção da impenhorabilidade do bem de família permanece aplicável, pois não houve alteração na situação fática do imóvel, independentemente da alienação.

Nessa hipótese, não há interesse na declaração de ineficácia da alienação em relação ao exequente, uma vez que, mesmo que a alienação fosse considerada ineficaz, o imóvel continuaria sendo impenhorável.

Esse entendimento evita possíveis atos de má-fé em prejuízo do exequente. Caso o imóvel não tivesse a qualidade de bem de família antes da alienação fraudulenta ou se, após a alienação, ele deixasse de servir como residência da entidade familiar, haveria interesse na declaração de ineficácia da alienação, possibilitando a penhora do bem.

Admitir que uma alienação realizada durante uma execução – mas que não cause prejuízo ao exequente – possa afastar a proteção da impenhorabilidade do bem de família e desabrigar a entidade familiar que nele reside desde antes da alienação ultrapassaria os próprios efeitos legais da fraude à execução (art. 792, § 1º, do CPC). Além disso, essa interpretação violaria o direito à moradia e à dignidade, valores protegidos pela Lei nº 8.009/1990.

 

Treine o assunto estudado:

Banca: Fundação Getúlio Vargas - FGV - Prova: FGV - TJ SC - Juiz Substituto - 2024

João era sócio da empresa Alfa Ltda. que foi dissolvida irregularmente, razão pela qual a Fazenda Pública requereu sua inclusão no polo passivo na qualidade de responsável tributário em razão de atos praticados com excesso de poderes.

Ao ser citado em execução, doa seu único bem familiar, um apartamento de cinco quartos em um bairro de classe média alta, para seus três filhos, José, Antônio e Maria em quotas-partes iguais.

Segundo recente entendimento dos Tribunais Superiores, a respeito da operação, é correto afirmar que:

A transferência é imune aos efeitos da execução, não havendo que se falar em fraude à execução. (Correto)


segunda-feira, 10 de março de 2025

Não há injúria racial quando uma pessoa negra ofende uma pessoa branca por causa da cor de sua pele (não existe racismo reverso)

Imagine a seguinte situação hipotética:

João, um homem negro, e Pedro, homem branco de descendência europeia, começaram a discutir por mensagens no WhatsApp.

Em determinado momento, João enviou uma mensagem para Pedro dizendo que ele era um “escravista cabeça branca europeia”.

Sentindo-se ofendido, Pedro procurou a delegacia e registrou um boletim de ocorrência.

O Ministério Público apresentou denúncia contra João, imputando-lhe o crime de injúria racial, previsto, atualmente, no art. 2º-A da Lei nº 7.716/89:

Art. 2º-A Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional. (Incluído pela Lei nº 14.532, de 2023)

Pena: reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 14.532, de 2023)

Parágrafo único. A pena é aumentada de metade se o crime for cometido mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas. (Incluído pela Lei nº 14.532, de 2023)

 

O juiz aceitou a denúncia.

A defesa de João impetrou habeas corpus, argumentando que a conduta atribuída a ele não se enquadrava no crime de injúria racial, pois a legislação sobre racismo tem como objetivo proteger grupos historicamente discriminados, e pessoas brancas não são consideradas minorias sociais nesse contexto.

Não existe “racismo reverso” no ordenamento jurídico brasileiro, porque o racismo é um fenômeno estrutural ligado à opressão de minorias, e não o contrário.

 

O que decidiu o STJ? Um homem negro que ofende um homem branco, em razão da cor de sua pele, comete injúria racial?

NÃO. Não há injúria racial quando uma pessoa negra ofende uma pessoa branca por causa da cor de sua pele.

A Lei nº 7.716/1989, que trata dos crimes de racismo, protege grupos minoritários historicamente discriminados. O art. 20-C da lei estabelece:

Art. 20-C. Na interpretação desta Lei, o juiz deve considerar como discriminatória qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida, e que usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência.

 

Desse modo, fica evidente que os crimes da Lei nº 7.716/1989 somente podem ser praticados contra pessoa ou grupos minoritários.

Como pessoas brancas não são minoria nesse contexto, não há como se falar em “racismo reverso”.

 

O que é racismo reverso?

“Racismo reverso” é um termo frequentemente utilizado para sugerir que pessoas brancas podem sofrer racismo por parte de pessoas negras ou de outros grupos racializados. No entanto, esse conceito é amplamente criticado por estudiosos, juristas e ativistas dos direitos humanos porque não se sustenta dentro da definição sociológica e jurídica de racismo.

O conceito de racismo vai além de ofensas individuais. Ele é um sistema de discriminação estruturado historicamente para manter privilégios de determinados grupos. Conforme explicam Fernanda da Silva Lima e Gustavo Borges:

“O racismo é um fenômeno social construído com base no contexto histórico do século XVI, notabilizando-se a partir de invasões, espoliações e dominação dos povos europeus, especialmente sobre aqueles que vivam na América, África e Ásia. Assim, a estigmatização humana não foi outra coisa senão uma forma de hierarquizar e inferiorizar todos aqueles que foram considerados inferiores pelos que se apresentaram como colonizadores” (LIMA, Fernanda da Silva; BORGES, Gustavo. Publicidade e racismo reverso: o que uma campanha publicitária tem a revelar sobre o racismo no Brasil. in Revista de Direito do Consumidor. vol. 123. ano 28. p. 37-76. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2019).

 

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ao criar o Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial, reforçou que o racismo não se resume a ações isoladas, mas é um fenômeno estrutural que afeta principalmente grupos historicamente marginalizados, como a população negra:

“O racismo é também definido como uma forma sistemática de discriminação baseada na raça, que se expressa por práticas conscientes ou inconscientes, resultando em desvantagens ou privilégios para indivíduos, conforme o grupo racial ao qual pertencem. Trata-se de um tipo de retórica cultural e prática social que funciona como um mecanismo psicológico e cultural, no qual membros do grupo racial dominante negam sistematicamente o reconhecimento da humanidade comum a todas as pessoas, com o objetivo de preservar seu status privilegiado em diversas esferas da vida.” (BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em:  https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2024/11/protocolo-para-julgamento-com-perspectiva-racial-1.pdf.)

 

Ainda que seja possível observar que a evolução jurídica das sociedades, especialmente com base no conceito de igualdade material derivado de movimentos Iluministas, tenha tentado arrefecer as estruturas do racismo, o fato é que tal dinâmica segue estabelecida. Em outras palavras, o racismo como fenômeno estruturado, acaba por se revelar, muitas vezes, em atos e posturas silenciosas.

No Brasil, por exemplo, mesmo após a Lei Áurea e a Proclamação da República, registra-se o conteúdo do Decreto n. 528 de 28 de junho de 1890, em que se estabeleceu a livre entrada de qualquer pessoa apta ao trabalho – não foragidos da Justiça de seus Países de origem –, à exceção de indígenas da Ásia ou da África, legislando em clara seletividade racial.

Após a Segunda Guerra Mundial, como consectários ainda do nazifascimo que mirou perversamente também os negros, foi editada a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, adotada pela ONU em 21 de dezembro de 1965. A convenção foi incorporada à legislação brasileira por meio do Decreto n. 65.810 de 8 de dezembro de 1969, assumindo, portanto, caráter cogente.

A assinatura dos documentos em questão “apresentou como precedentes históricos os ingressos de dezessete novos países africanos nas Nações Unidas em 1960, a realização da Primeira Conferência da Cúpula dos Países Não Aliados, em Belgrado, em 1961, bem como o ressurgimento de atividades nazifascistas na Europa e as preocupações ocidentais como o antissemitismo” (PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 22ª ed. - São Paulo: SaraivaJur, 2024. p. 211).

 

Esses precedentes históricos e interpretativos levam a crer que  a injúria racial sempre objetivou tutelar – precisamente quando se refere à elementar raça ou cor – os grupos de pessoas que, em razão destas características físicas, foram alijadas de todos os benefícios sociais.

Mais recentemente, o Brasil firmou, visando à reafirmação e aperfeiçoamento da Convenção mencionada, a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância que foi incorporada ao direito interno com status de norma constitucional (art. 5º, § 3º, da Constitucional Federal) conforme o Decreto n. 10.932/2022.

Na ocasião, a comunidade interamericana levou em conta, expressamente, que as vítimas do racismo, da discriminação racial e de outras formas correlatas de intolerância nas Américas são, entre outras, afrodescendentes, povos indígenas, bem como outros grupos e minorias raciais e étnicas ou grupos que por sua ascendência ou origem nacional ou étnica são afetados por essas manifestações.

Assim, o caráter cogente de tais normas de direitos humanos impõe que os Estados signatários implementem combate efetivo ao racismo e à discriminação racial, abordando aspectos legais, institucionais, educacionais, sociais e de conscientização.

Pelo Protocolo de Julgamento com Perspectiva Racial editado pelo Conselho Nacional de Justiça propõe-se a adoção de interpretações do direito que estejam atentas às realidades concretas, especialmente aquelas vivenciadas pela população afrodescendente.

Por esse documento, chama-se atenção ao desejo de incutir no âmbito do Judiciário Brasileiro o conceito de Consciência Racial, segundo o qual:

“[...] transcende a mera identificação étnico-racial, envolvendo o reconhecimento da necessidade de enfrentar coletivamente os efeitos sistêmicos da discriminação histórica entre negros e brancos. Isso inclui a percepção da predominância branca em posições de poder e a responsabilidade de combater o sistema racial estrutural na sociedade brasileira. Vai além de denúncias, exigindo posturas e práticas antirracistas concretas.”

 

Adilson Moreira argumenta que “a consciência racial pode ser classificada como uma expressão da consciência cívica”, fundamentada no exercício da cidadania.

Portanto, como forma de concretizar essas diretrizes, é fundamental que, no presente caso, afaste-se qualquer miopia jurídica sobre o objeto de proteção do crime de injúria racial. É dizer: o tipo penal do art. 2º-A da Lei 7.716/1989 não se configura no caso de ofensa baseada na cor da pele que se dirija contra pessoa branca por esta condição.

A expressão “grupos minoritários” induvidosamente não se refere ao contingente populacional de determinada coletividade, mas àqueles que, ainda que sejam numericamente majoritários, não estão igualmente representados nos espaços de poder, público ou privado, que são frequentemente discriminados inclusive pelo próprio Estado e que, na prática, têm menos acesso ao exercício pleno da cidadania.

Não é possível acreditar que a população brasileira branca possa ser considerada como minoritária. Por conseguinte, não há como a situação narrada nos autos corresponder ao crime de injúria racial.

Portanto, é inviável a interpretação de existência do crime de injúria racial cometido contra pessoa, cuja pele seja de cor branca, quando tal característica for o cerne da ofensa.

 

Isso não significa que pessoas brancas não possam ser vítimas de ofensas

Vale esclarecer que a conclusão acima exposta não resulta na impossibilidade de uma pessoa branca ser ofendida por uma pessoa negra.

A honra de todas as pessoas é protegida pela lei, inclusive pelo tipo penal da injúria simples (caput do art. 140 do Código Penal).

No entanto, no caso concreto, não é possível enquadrar a situação como injúria racial, já que esse crime tem como objetivo proteger grupos historicamente discriminados.

Ante o exposto, o STJ decidiu que deve ser afastada qualquer interpretação que considere existente o crime de injúria racial quando se tratar de ofensa dirigida a uma pessoa de pele de cor branca, exclusivamente por esta condição.

 

Em suma:

A injúria racial não se configura em ofensas dirigidas a pessoas brancas exclusivamente por esta condição, tendo em vista que o racismo é um fenômeno estrutural que visa proteger grupos minoritários historicamente discriminados. 

STJ. 6ª Turma. HC 929.002-AL, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 4/2/2025 (Info 839).


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