Dizer o Direito

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

Plano de saúde deve cobrir bomba de insulina?

Imagine a seguinte situação hipotética:

Regina é portadora de Diabetes Mellitus Tipo 1 há muitos anos.

Mesmo seguindo rigorosamente o tratamento com insulina injetável (tanto de longa quanto de curta duração), ela vem apresentando grande dificuldade para controlar seus níveis de glicose no sangue.

A situação se agravou quando ela começou a ter episódios frequentes de hipoglicemia severa. Em uma ocasião, ela chegou a desmaiar no trabalho, precisando ser socorrida às pressas.

Preocupado com o quadro clínico de Regina, seu médico endocrinologista prescreveu o uso de uma bomba de infusão contínua de insulina, um dispositivo que libera automaticamente a quantidade adequada de insulina ao longo do dia, permitindo um controle mais preciso da glicemia.

Regina solicitou o custeio do equipamento ao seu plano de saúde, mas teve o pedido negado.

A operadora do plano de saúde justificou a negativa alegando que:

• o dispositivo não constava no rol de procedimentos da ANS;

• tratava-se de equipamento para uso domiciliar;

• não havia cobertura contratual para esse tipo de dispositivo.

 

Diante da negativa e da urgência de seu quadro clínico, Regina ajuizou ação contra o plano de saúde pedindo a cobertura do plano de saúde.

 

De acordo com a jurisprudência do STJ, o plano de saúde pode ser obrigado a custear o sistema de infusão contínua de insulina?

SIM.

O art. 10, e seu inciso VI e § 1º, da Lei nº 9.656/1998 (Lei dos Planos de Saúde) estabelece o seguinte:

Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto:

(...)

VI - fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar, ressalvado o disposto nas alíneas ‘c’ do inciso I e ‘g’ do inciso II do art. 12;

§ 1º As exceções constantes dos incisos deste artigo serão objeto de regulamentação pela ANS.

(...)

 

O que esse dispositivo quer dizer?

Em princípio, as operadoras de plano de saúde não estão obrigadas a fornecer ou custear medicamento prescrito pelo médico assistente para administração em ambiente externo ao da unidade de saúde.

Este é o fundamento pelo qual as operadoras de plano de saúde se recusam a fornecer o sistema de infusão contínua de insulina – SICI ou bombas de insulina.

 

Ocorre que o sistema de infusão contínua de insulina – SICI ou bomba de insulina não pode ser classificado como medicamento. Trata-se de um dispositivo médico. Logo, não se enquadra no art. 10, VI, da Lei nº  9.956/1998 e, por tal razão, não pode ser excluído do conjunto de serviços prestados pelas operadoras de planos de saúde.

A bomba de insulina é uma modalidade de tratamento médico para pacientes portadores de Diabetes Mellitus Tipo 1 que têm dificuldade em manter o controle glicêmico adequado com outras formas de tratamento, como injeções.

Embora a cobertura do tratamento pelo plano de saúde represente um aumento nos custos, os estudos sobre a eficácia das bombas de insulina mostram que isso resulta em uma redução significativa das despesas, devido à diminuição das internações dos pacientes.

Importante ressaltar que recentemente foram publicados inúmeros estudos mostrando a eficácia da bomba de insulina, o que vem sendo reconhecido por pareceres do NATJUS, tanto do Conselho Nacional de Justiça quanto dos Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais, e pelos laudos produzidos por peritos e médicos assistentes nos processos judiciais.

Inclusive, o sistema de infusão contínua de insulina – SICI faz parte da tabela de recomendações da Sociedade Brasileira de Diabetes, que reúne estudos acerca das evidências de sua eficácia.

Por fim, vale ressaltar que esse tratamento não está listado no rol da ANS, mas sua cobertura é permitida devido às inovações trazidas pela Lei nº 14.454/2022, que adicionou o § 13 ao art. 10 da Lei nº 9.656/1998:

Art. 10 (...)

§ 13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que:

I - exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou

II - existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.

 

Em suma:

O sistema de infusão contínua de insulina é classificado como dispositivo médico e não pode ser excluído da cobertura dos planos de saúde, mesmo não estando no rol da ANS, desde que observados os parâmetros estabelecidos pela jurisprudência e pela Lei n. 14.454/2022. 

STJ. 4ª Turma. REsp 2.162.963-RJ, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 17/12/2024 (Info 23 - Edição Extraordinária).

 

 

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Qual é a natureza jurídica do sistema de infusão contínua de insulina (SICI) ou bomba de insulina?

O sistema de infusão contínua de insulina (SICI) ou bomba de insulina é classificado como um dispositivo médico, não se enquadrando na categoria de medicamento. Portanto, não está sujeito às exclusões previstas no art. 10, VI, da Lei nº 9.656/1998, que trata do fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar.

 

Qual é o entendimento do STJ sobre a obrigatoriedade de cobertura do SICI pelos planos de saúde?

O STJ entende que, embora o SICI não esteja elencado no rol da ANS, sua cobertura pode ser exigida quando há evidências científicas comprovadas de sua eficácia e necessidade médica, especialmente em casos de diabetes mellitus tipo 1 de difícil controle. A decisão se baseia em parâmetros estabelecidos pela jurisprudência e na Lei nº 14.454/2022, que incluiu o § 13 ao art. 10 da Lei nº 9.656/1998.

 

Qual é o impacto da Lei nº 14.454/2022 na cobertura de tratamentos não elencados no rol da ANS?

A Lei nº 14.454/2022 acrescentou o § 13 ao art. 10 da Lei nº 9.656/1998, estabelecendo parâmetros para a cobertura de tratamentos não elencados no rol da ANS, desde que haja evidências científicas comprovadas e indicação médica.

 

Como o STJ trata a questão dos danos morais em casos de recusa indevida de cobertura por planos de saúde?

O STJ entende que a recusa indevida de cobertura médico-assistencial pode gerar danos morais indenizáveis. No entanto, se houver dúvida jurídica razoável na interpretação da cláusula contratual, a recusa pode ser justificada e não ensejar condenação por danos morais.


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