Imagine a seguinte situação
hipotética:
João e Regina são casados e
moram, com seus dois filhos, em uma casa que compraram há muitos anos. Este é o
único bem imóvel da família.
Em 2022, João contraiu uma dívida
com Paulo e não pagou.
O credor ajuizou ação de cobrança
contra João.
Logo depois que foi citado, João,
em conjunto com Maria, fez uma escritura pública de doação da casa para seus
filhos, mantendo para si o direito de usufruto (ou seja, o direito de continuar
morando no imóvel).
Paulo, ao descobrir a doação,
alegou que houve fraude à execução e conseguiu penhorar a parte do imóvel
pertencente a João (50%).
Regina, que não era devedora nem
parte na ação de cobrança, ingressou com embargos de terceiro alegando que o
imóvel era impenhorável por ser bem de família. Pediu que a penhora incidente
sobre os 50% de João fosse desconstituída porque a proteção da totalidade do
bem é necessária para garantir a moradia da família.
Argumentou, ainda, que a doação
do imóvel aos filhos com reserva de usufruto para os pais não configurou má-fé,
por não ter alterado a destinação do bem como moradia da família.
Os argumentos de Regina
foram acolhidos?
SIM.
O bem, único imóvel do casal, foi
doado aos filhos e incontroversamente permaneceu como moradia da família.
Portanto, faz jus à proteção do instituto do bem de família.
A alienação ou oneração do bem de família não configura
fraude ao credor, salvo a exceção do art. 4º da Lei nº 8.009/1990, que dispõe:
Art. 4º Não se beneficiará do disposto
nesta lei aquele que, sabendo-se insolvente, adquire de má-fé imóvel mais
valioso para transferir a residência familiar, desfazendo-se ou não da moradia
antiga.
O caso dos autos não trata dessa
exceção, visto que o bem de família foi apenas doado para os filhos do casal,
com reserva de usufruto aos pais, que ali permaneceram residindo. Desse modo,
remanesce a impenhorabilidade do bem de família.
Não há fraude ao credor apta a
destituir a proteção do bem doado pela embargada, pois não houve alteração na
destinação original do imóvel, qual seja, a morada da família. Tampouco houve
desvio do proveito econômico em desfavor do credor.
Antes da doação o bem era
protegido pela impenhorabilidade e após a doação também, pois permanece como
residência da família. Também não houve ocultação de patrimônio ou destinação
de seu valor a outra finalidade que não a moradia da família.
Ademais, reconhecida a proteção
do bem de família em relação à meação da esposa, que sequer é devedora na ação
principal, tal proteção se estende à totalidade do bem, visto que objetiva
resguardar a família contra o desabrigo e não apenas prevenir o perdimento de
bens da meeira.
Nesse sentido:
A fraude à execução não afasta a impenhorabilidade do bem de
família quando o imóvel continua sendo utilizado como residência.
A impenhorabilidade do bem de família deve ser mantida mesmo
quando há reconhecimento de fraude à execução, caso o imóvel ainda seja
utilizado como moradia pela família.
STJ. 3ª Turma. AgInt no AREsp 2.245.731/SP, Rel. Min. Humberto
Martins, julgado em 18/12/2023.
A alienação de bem de família só pode ser considerada
fraudulenta se houver alteração em sua destinação original ou desvio do
proveito econômico da transação em prejuízo do credor. Quando o imóvel continua
sendo utilizado como moradia pelos mesmos ocupantes, não há eventus damni e,
consequentemente, não se configura fraude contra credores.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.926.646/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi,
julgado em 15/2/2022.
Em suma:
O reconhecimento da proteção do bem de família em
relação à meação da esposa, que sequer é devedora na ação principal, se estende
à totalidade do bem, visto que objetiva resguardar a família contra o desabrigo
e não apenas prevenir o perdimento de bens da meeira.
STJ. 3ª
Turma. EDcl no AgInt no AREsp 2.244.832-SP, Rel. Min. Humberto Martins, julgado
em 23/9/2024 (Info 23 - Edição Extraordinária).
Treine o assunto estudado:
Banca: Fundação para o Vestibular da Universidade
Estadual Paulista - VUNESP - Prova: VUNESP - TJ RJ - Juiz Substituto -
2025
Se, durante o cumprimento de sentença, for reconhecida a
condição de bem de família somente em relação à meação da esposa, não devedora
na ação principal, a proteção se estende apenas à metade do bem penhorado.
(Incorreto)
DOD Teste:
revisão em perguntas
Por que o STJ decidiu que
não houve fraude à execução na doação do imóvel?
O STJ entendeu que não houve
fraude à execução porque o imóvel continuou sendo utilizado como moradia da
família, sem alteração de sua destinação original, o que garante a proteção da
impenhorabilidade prevista na Lei nº 8.009/1990.
Qual é o fundamento legal
que protege o bem de família contra penhoras?
O fundamento legal que protege o
bem de família contra penhoras está previsto na Lei nº 8.009/1990, que dispõe
sobre a impenhorabilidade do imóvel destinado à moradia da entidade familiar,
salvo as exceções previstas nos arts. 3º e 4º da referida lei.
Por que a decisão
reconheceu a impenhorabilidade da totalidade do bem?
A decisão reconheceu a
impenhorabilidade da totalidade do bem porque a meeira, que não era devedora na
ação principal, também residia no imóvel. Nesse caso, a proteção da
impenhorabilidade se estende a todo o imóvel para resguardar a família contra o
desabrigo.
Qual foi a fundamentação do
STJ para afastar a penhora sobre os 50% do imóvel pertencentes ao devedor?
O STJ afastou a penhora sobre os
50% do imóvel pertencentes ao devedor porque reconheceu que o bem de família
protege toda a unidade residencial da família, independentemente da
titularidade parcial do executado.
A impenhorabilidade do bem
de família pode ser afastada em alguma hipótese?
Sim, a impenhorabilidade pode ser
afastada nas hipóteses previstas no art. 3º da Lei nº 8.009/1990, como em
dívidas de financiamento para a aquisição do próprio imóvel, débitos
condominiais, pensão alimentícia e obrigações fiscais, entre outras exceções
expressamente previstas na legislação.
Como a jurisprudência do
STJ trata a alienação de bem de família em relação à fraude à execução?
A jurisprudência do STJ entende
que a alienação do bem de família não configura, por si só, fraude à execução,
salvo se houver alteração da destinação do imóvel ou desvio do proveito
econômico em prejuízo do credor. Caso o bem continue sendo utilizado como
moradia da família, a proteção da impenhorabilidade deve ser mantida.