Dizer o Direito

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

O reconhecimento da proteção do bem de família em relação à meação da esposa se estende à totalidade do bem (e não apenas sobre a metade do imóvel)

Imagine a seguinte situação hipotética:

João e Regina são casados e moram, com seus dois filhos, em uma casa que compraram há muitos anos. Este é o único bem imóvel da família.

Em 2022, João contraiu uma dívida com Paulo e não pagou.

O credor ajuizou ação de cobrança contra João.

Logo depois que foi citado, João, em conjunto com Maria, fez uma escritura pública de doação da casa para seus filhos, mantendo para si o direito de usufruto (ou seja, o direito de continuar morando no imóvel).

Paulo, ao descobrir a doação, alegou que houve fraude à execução e conseguiu penhorar a parte do imóvel pertencente a João (50%).

Regina, que não era devedora nem parte na ação de cobrança, ingressou com embargos de terceiro alegando que o imóvel era impenhorável por ser bem de família. Pediu que a penhora incidente sobre os 50% de João fosse desconstituída porque a proteção da totalidade do bem é necessária para garantir a moradia da família.

Argumentou, ainda, que a doação do imóvel aos filhos com reserva de usufruto para os pais não configurou má-fé, por não ter alterado a destinação do bem como moradia da família.

 

Os argumentos de Regina foram acolhidos?

SIM.

O bem, único imóvel do casal, foi doado aos filhos e incontroversamente permaneceu como moradia da família. Portanto, faz jus à proteção do instituto do bem de família.

A alienação ou oneração do bem de família não configura fraude ao credor, salvo a exceção do art. 4º da Lei nº 8.009/1990, que dispõe:

Art. 4º Não se beneficiará do disposto nesta lei aquele que, sabendo-se insolvente, adquire de má-fé imóvel mais valioso para transferir a residência familiar, desfazendo-se ou não da moradia antiga.

 

O caso dos autos não trata dessa exceção, visto que o bem de família foi apenas doado para os filhos do casal, com reserva de usufruto aos pais, que ali permaneceram residindo. Desse modo, remanesce a impenhorabilidade do bem de família.

Não há fraude ao credor apta a destituir a proteção do bem doado pela embargada, pois não houve alteração na destinação original do imóvel, qual seja, a morada da família. Tampouco houve desvio do proveito econômico em desfavor do credor.

Antes da doação o bem era protegido pela impenhorabilidade e após a doação também, pois permanece como residência da família. Também não houve ocultação de patrimônio ou destinação de seu valor a outra finalidade que não a moradia da família.

Ademais, reconhecida a proteção do bem de família em relação à meação da esposa, que sequer é devedora na ação principal, tal proteção se estende à totalidade do bem, visto que objetiva resguardar a família contra o desabrigo e não apenas prevenir o perdimento de bens da meeira.

Nesse sentido:

A fraude à execução não afasta a impenhorabilidade do bem de família quando o imóvel continua sendo utilizado como residência.

A impenhorabilidade do bem de família deve ser mantida mesmo quando há reconhecimento de fraude à execução, caso o imóvel ainda seja utilizado como moradia pela família.

STJ. 3ª Turma. AgInt no AREsp 2.245.731/SP, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 18/12/2023.

 

A alienação de bem de família só pode ser considerada fraudulenta se houver alteração em sua destinação original ou desvio do proveito econômico da transação em prejuízo do credor. Quando o imóvel continua sendo utilizado como moradia pelos mesmos ocupantes, não há eventus damni e, consequentemente, não se configura fraude contra credores.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.926.646/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/2/2022.

 

Em suma:

O reconhecimento da proteção do bem de família em relação à meação da esposa, que sequer é devedora na ação principal, se estende à totalidade do bem, visto que objetiva resguardar a família contra o desabrigo e não apenas prevenir o perdimento de bens da meeira. 

STJ. 3ª Turma. EDcl no AgInt no AREsp 2.244.832-SP, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 23/9/2024 (Info 23 - Edição Extraordinária).

 

Treine o assunto estudado:

Banca: Fundação para o Vestibular da Universidade Estadual Paulista - VUNESP - Prova: VUNESP - TJ RJ - Juiz Substituto - 2025

Se, durante o cumprimento de sentença, for reconhecida a condição de bem de família somente em relação à meação da esposa, não devedora na ação principal, a proteção se estende apenas à metade do bem penhorado. (Incorreto)

 

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Por que o STJ decidiu que não houve fraude à execução na doação do imóvel?

O STJ entendeu que não houve fraude à execução porque o imóvel continuou sendo utilizado como moradia da família, sem alteração de sua destinação original, o que garante a proteção da impenhorabilidade prevista na Lei nº 8.009/1990.

 

Qual é o fundamento legal que protege o bem de família contra penhoras?

O fundamento legal que protege o bem de família contra penhoras está previsto na Lei nº 8.009/1990, que dispõe sobre a impenhorabilidade do imóvel destinado à moradia da entidade familiar, salvo as exceções previstas nos arts. 3º e 4º da referida lei.

 

Por que a decisão reconheceu a impenhorabilidade da totalidade do bem?

A decisão reconheceu a impenhorabilidade da totalidade do bem porque a meeira, que não era devedora na ação principal, também residia no imóvel. Nesse caso, a proteção da impenhorabilidade se estende a todo o imóvel para resguardar a família contra o desabrigo.

 

Qual foi a fundamentação do STJ para afastar a penhora sobre os 50% do imóvel pertencentes ao devedor?

O STJ afastou a penhora sobre os 50% do imóvel pertencentes ao devedor porque reconheceu que o bem de família protege toda a unidade residencial da família, independentemente da titularidade parcial do executado.

 

A impenhorabilidade do bem de família pode ser afastada em alguma hipótese?

Sim, a impenhorabilidade pode ser afastada nas hipóteses previstas no art. 3º da Lei nº 8.009/1990, como em dívidas de financiamento para a aquisição do próprio imóvel, débitos condominiais, pensão alimentícia e obrigações fiscais, entre outras exceções expressamente previstas na legislação.

 

Como a jurisprudência do STJ trata a alienação de bem de família em relação à fraude à execução?

A jurisprudência do STJ entende que a alienação do bem de família não configura, por si só, fraude à execução, salvo se houver alteração da destinação do imóvel ou desvio do proveito econômico em prejuízo do credor. Caso o bem continue sendo utilizado como moradia da família, a proteção da impenhorabilidade deve ser mantida.


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