Dizer o Direito

domingo, 9 de fevereiro de 2025

O rancho de pesca de uso privado, construído irregularmente em APP, não se enquadra nas exceções previstas no art. 61-A do Código Florestal (não é turismo rural / ecoturismo)

Imagine a seguinte situação hipotética:

João é proprietário de um terreno às margens de um rio. Trata-se de uma Área de Preservação Permanente (APP).

 

Área de Preservação Permanente (APP) é uma área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas (art. 3º, II, da Lei nº 12.651/2012).

 

João construiu um “rancho de pesca” no terreno.

O rancho era utilizado exclusivamente para seu lazer, sem fins comerciais.

Vale ressaltar, no entanto, que a construção foi feita sem autorização ambiental e resultou na supressão de vegetação nativa, o que é proibido por lei.

 

Ação Civil Pública

Ao tomar conhecimento do fato, o Ministério Público do Estado ingressou com uma ação civil pública contra João, alegando que a construção do rancho em área de preservação permanente violava o Código Florestal (Lei nº 12.651/2012).

O MP pediu a demolição do imóvel, a recuperação da área degradada e o pagamento de indenização pelos danos ambientais causados.

 

Defesa de João

João contestou a demanda alegando que o rancho de pesca não tinha fins comerciais e que seu uso era apenas para lazer privado.

Argumentou que a construção se enquadrava nas exceções previstas no art. 61-A do Código Florestal, que permite a manutenção de atividades de turismo rural e ecoturismo em áreas de preservação permanente:

Art. 61-A. Nas Áreas de Preservação Permanente, é autorizada, exclusivamente, a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008. (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).

(...)

 

Segundo ele, o rancho poderia ser considerado uma atividade de ecoturismo, mesmo sem fins lucrativos.

 

O STJ concordou com os argumentos de João?

NÃO.

O “rancho de pesca” de uso privado não pode ser considerado uma atividade de “turismo rural” ou “ecoturismo”.

O conceito de turismo, no âmbito jurídico e das políticas públicas, demanda a presença de atividade econômica.

Nos termos da Política Nacional do Turismo, as atividades turísticas, para serem assim consideradas, “devem gerar movimentação econômica, trabalho, emprego, renda e receitas públicas, constituindo-se instrumento de desenvolvimento econômico e social, promoção e diversidade cultural e preservação da biodiversidade” (art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 11.771/2008).

Assim, não há como confundir, para igualá-los, a atividade turística prevista na norma ambiental com o uso particular do bem para o lazer. Vale ressaltar que a jurisprudência do STJ repudia a manutenção de imóveis de veraneio privado em áreas de preservação permanente.

Desse modo, não é possível enquadrar o rancho de pesca de uso privativo na exceção normativa do art. 61-A do Código Florestal já que ele não tem uso turístico.

Havendo impossibilidade de manutenção do bem irregular, deve haver a sua demolição.

O dano ambiental pela supressão de vegetação nativa em área de preservação ambiental é presumido (STJ. 2ª Turma. REsp 1.782.692/PB, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 13/8/2019, DJe de 5/11/2019) e sua reparação integral inclui tanto os danos permanentes quanto os intercorrentes (STJ. 2ª Turma. REsp 1.940.030/SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 16/8/2022, DJe de 6/9/2022).

 

Em suma:

O "rancho de pesca" de uso privado, construído irregularmente em Área de Preservação Permanente - APP, não se enquadra nas exceções previstas no art. 61-A do Código Florestal ("turismo rural" ou "ecoturismo"). 

STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1.884.722-MS, Rel. Min. Afrânio Vilela, julgado em 26/8/2024 (Info 22 - Edição Extraordinária).


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