Dizer o Direito

sábado, 8 de fevereiro de 2025

O Ibama possui poder de polícia diante de qualquer atividade que ponha em risco o meio ambiente, ainda que a competência para o licenciamento seja de outro órgão público

Imagine a seguinte situação hipotética:

João decidiu construir um complexo turístico às margens de um rio, em uma área que é considerada de preservação permanente (APP).

O empresário obteve uma licença ambiental do Município, que autorizou a construção do empreendimento.

No entanto, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), ao realizar uma fiscalização de rotina, constatou que a construção estava causando danos ao meio ambiente, como a supressão de vegetação nativa e a alteração do curso natural do rio.

Diante disso, o IBAMA autuou João, aplicando uma multa por danos ambientais e determinando a paralisação das obras.

João, inconformado, ingressou com ação alegando que a multa do IBAMA era ilegítima, pois a construção havia sido autorizada pela administração municipal, e que o IBAMA não teria competência para fiscalizar o local, já que a licença havia sido emitida pelo Município.

 

O STJ concordou com os argumentos de João?

NÃO.

O Ibama possui o dever-poder de fiscalizar e exercer poder de polícia diante de qualquer atividade que ponha em risco o meio ambiente, apesar de a competência para o licenciamento ser de outro órgão público. É que, à luz da legislação, inclusive da Lei Complementar 140/2011, a competência para licenciar não se confunde com a competência para fiscalizar (STJ. 2ª Turma. REsp 1.646.016/RN, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 23/5/2023, DJe de 28/6/2023).

Nesse mesmo sentido:

Havendo omissão do órgão estadual na fiscalização ambiental, mesmo que outorgante da licença, o IBAMA pode exercer o seu poder de polícia administrativa, porque não se pode confundir competência para licenciar com competência para fiscalizar.

STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 2.037.941/RN, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 17/4/2023.

 

Vale registrar que o STF, no julgamento da ADI 4.757/DF, firmou compreensão no sentido de que “a prevalência do auto de infração lavrado pelo órgão originalmente competente para o licenciamento ou autorização ambiental não exclui a atuação supletiva de outro ente federal, desde que comprovada omissão ou insuficiência na tutela fiscalizatória”.

Esse entendimento permite a aplicação de autuações por diferentes órgãos de controle ambiental, que atuam em distintos âmbitos federativos. Nesses casos, o auto de infração lavrado pelo órgão originalmente responsável pelo licenciamento ambiental tem prevalência, mas não impede a atuação supletiva de outro ente federal, desde que fique demonstrada a omissão administrativa na fiscalização.

No caso concreto, observa-se que não houve qualquer sanção administrativa imposta pelo órgão municipal. Assim, permanece válida a atuação do IBAMA (autarquia federal) no exercício do poder de polícia ambiental.

 

Em suma:

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) possui o dever-poder de fiscalizar e exercer poder de polícia diante de qualquer atividade que ponha em risco o meio ambiente, ainda que a competência para o licenciamento seja de outro órgão público. 

STJ. 1ª Turma. AgInt no AREsp 1.624.736-MS, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 2/12/2024 (Info 22 - Edição Extraordinária).

 

Como a licença ambiental municipal foi concedida há muitos anos, não seria possível que João invocasse a teoria do fato consumado ou a existência de ato jurídico perfeito?

NÃO.

As atividades que violam as normas ambientais não podem ser consideradas atos jurídicos perfeitos, pois ilegalidades ambientais nunca se consolidam. Considerar o contrário seria transformar uma violação ao ordenamento jurídico em direito adquirido de poluir e degradar o meio ambiente. Nesse sentido: STJ. 2ª Turma. REsp 1.284.451/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 20/9/2016, DJe de 20/8/2020.

Além disso, aplica-se, no caso, a orientação consolidada no Enunciado 613/STJ: “Não se admite a aplicação da teoria do fato consumado em tema de Direito Ambiental.”

 

DOD Plus – informação complementar

O § 3º do art. 17 da LC 140/2011 prevê que:

Art. 17. Compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada.

(...)

§ 3º O disposto no caput deste artigo não impede o exercício pelos entes federativos da atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor, prevalecendo o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização a que se refere o caput.

 

O critério da prevalência de auto de infração do órgão licenciador (art. 17, § 3º) não garante, de forma satisfatória e adequada, o dever de proteção do meio ambiente. Isso porque o órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização pode ser omisso ou falhar em sua atuação. Neste caso, deve-se permitir a atuação supletiva dos órgãos ambientais dos outros entes federados. Assim, por exemplo, se o órgão ambiental municipal, que inicialmente seria competente, nos termos do art. 17, § 3º, for omisso, os órgãos ambientais estadual ou federal poderão atuar supletivamente para prevenir ou reparar situação de ilícito ou dano ambiental.

Desse modo, o STF disse que esse § 3º do art. 17 deve ser interpretado assim: a prevalência do auto de infração lavrado pelo órgão originalmente competente para o licenciamento ou autorização ambiental não exclui a atuação supletiva de outro ente federado, se ficar comprovada omissão ou insuficiência na tutela fiscalizatória.

 

No exercício da cooperação administrativa cabe atuação suplementar — ainda que não conflitiva — da União com a dos órgãos estadual e municipal.

STF. Plenário. ADI 4757/DF, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 12/12/2022 (Info 1079).


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