Dizer o Direito

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

O CDI pode ser usado como índice de correção monetária nos contratos bancários?

O que é CDI?

O Certificado de Depósito Interbancário (CDI) é um título emitido pelos bancos para regular empréstimos de curtíssimo prazo (1 dia) entre as próprias instituições financeiras.

Assim, se um banco vai emprestar dinheiro ao outro, ele cobra os encargos com base no CDI.

E por que um banco precisa tomar dinheiro emprestado? Em geral, isso ocorre porque o Banco Central exige que as instituições financeiras, ao final de cada dia, tenham um percentual mínimo de recursos disponíveis em seu caixa a fim de demonstrar que esse banco possui liquidez. Assim, se naquele dia houve muitos saques ou o banco emprestou muito dinheiro, será necessário que ele tome recursos emprestados de outro banco para cumprir essa meta do BACEN. Vale ressaltar que isso tudo ocorre de forma rápida e quase que automática, por meio de sistemas informatizados que rodam entre os bancos.

Conforme explica o Min. Ricardo Villas Bôas Cueva:

“De acordo com as regras editadas pelo Banco Central do Brasil, os bancos devem necessariamente encerrar o dia com saldo positivo em caixa. Caso determinado ente bancário esteja com saldo negativo ao se aproximar do fechamento diário, deve recorrer a dinheiro emprestado de outras instituições financeiras.

A função do mercado interfinanceiro ou interbancário, portanto, é a de transferir recursos entre instituições financeiras, dando liquidez ao mercado bancário, e permitir que as instituições que têm recursos sobrando possam emprestar àquelas que estão em posição deficitária. Nesse mercado, as instituições financeiras tanto podem atuar como tomadoras, quanto como fornecedoras de recursos.

O instrumento por meio do qual ocorre a troca de recursos exclusivamente entre instituições financeiras denomina-se Depósito Interfinanceiro (DI). (...)

O título que lastreia essas operações no mercado interbancário é o Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI) (...)” (STJ. 3ª Turma. REsp 1.781.959-SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 11/02/2020. Info 665).

 

Assim, a taxa CDI (ou simplesmente, DI) é calculada com base nas taxas cobradas pelos bancos para empresarem dinheiro aos outros bancos.

 

Feita essa explicação, imagine agora a seguinte situação hipotética:

A empresa Alfa Ltda procurou o Banco para obter um financiamento (empréstimo) de R$ 2 milhões.

A empresa e a instituição financeira celebraram um contrato que tinha as seguintes cláusulas:

• Prazo: 48 meses;

• Taxa de juros: 0,5% ao mês;

• Correção monetária: 100% do CDI (Certificado de Depósito Interbancário).

Conforme vimos acima, o CDI é uma taxa que reflete o custo que os bancos têm para pegar dinheiro emprestado entre si.

 

Após um ano de pagamentos, a Alfa ingressou com ação pedindo a revisão do contrato.

A empresa argumentou que o CDI não era um índice adequado para correção monetária, pois sua natureza era remuneratória, representando o custo do dinheiro no mercado interbancário.

A autora afirmou que a utilização da taxa CDI para correção monetária seria abusiva, pois esse índice reflete o custo de captação dos bancos no mercado interbancário, e não a inflação da moeda.

Diante disso, pediu:

• a substituição do CDI pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor);

• o recálculo de todas as parcelas pagas;

• a devolução dos valores pagos a maior.

 

O STJ acolheu a argumentação sustentada pela empresa?

NÃO.

 

O CDI pode ser usado como índice de correção monetária nos contratos bancários?

SIM.

O CDI pode ser usado em contratos bancários, não importando se é chamado de correção monetária ou juros (não importa o nomen iuris a ele conferido pelo contrato).

Não há obstáculo legal à estipulação dos encargos financeiros em contratos bancários com base no índice flutuante CDI, acrescido de juros remuneratórios, sendo desimportante o nome atribuído a tal encargo (juros, correção monetária, correção remuneratória), cumprindo apenas verificar se a somatória dos encargos contratados não se revela abusiva, devendo eventual abuso ser observado caso a caso, em cotejo com as taxas médias de mercado regularmente divulgadas pelo Banco Central do Brasil para as operações de mesma espécie.

É a posição que prevalece atualmente no STJ:

STJ. 3ª Turma. REsp 2.147.710/RJ, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 3/12/2024.

STJ. 4ª Turma. AgInt nos EDcl no REsp 2.090.138/SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 2/12/2024.

 

Por quê?

O tribunal entendeu que o CDI é adequado porque:

• é o índice que melhor reflete o custo do dinheiro para os bancos;

• é regulado e fiscalizado pelo Banco Central;

• não pode ser manipulado pelos bancos;

• ajuda a reduzir os riscos e os custos dos empréstimos;

• é apropriado para contratos bancários, onde o próprio objeto é o dinheiro.

 

No caso de contratos bancários, o próprio objeto do serviço prestado pelo banco é o dinheiro.

A instituição financeira capta recursos junto a poupadores, pequenos, médios e grandes investidores e os empresta a clientes que necessitam de financiamento.

Conclui-se, portanto, que o índice setorial adequado para refletir a evolução do custo de captação dos recursos no mercado financeiro é o CDI. Este é o índice tomado por base pelos bancos tanto para a captação de recursos quanto para a concessão de financiamentos a seus clientes.

 

Comparação com outros índices

Cada setor econômico tem seu índice mais adequado:

• INPC: mede a variação de preços para o consumidor em geral;

• INCC: mede a variação de custos na construção civil;

• CDI: mede a variação do custo do dinheiro entre bancos;

• SELIC: mede o custo do governo para tomar dinheiro emprestado.

 

Ao contrário do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) e do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que são índices neutros de correção destinados a reajustar os contratos envolvendo bens e serviços em geral, o índice setorial que mede a variação do custo do dinheiro em negócios bancários é o CDI, do mesmo modo como Índice Nacional de Custo da Construção (INCC) é o índice que mede a variação do custo dos insumos na construção civil.

Dessa forma, não há obstáculo legal à estipulação dos encargos financeiros em contratos bancários com base no índice flutuante CDI, acrescido de juros remuneratórios, sendo desimportante o nome atribuído a tal encargo (juros, correção monetária, “correção remuneratória”), cumprindo apenas verificar se a somatória dos encargos contratados não se revela abusiva, devendo eventual abuso ser observado caso a caso, em cotejo com as taxas médias de mercado regularmente divulgadas pelo Banco Central do Brasil para as operações de mesma espécie.

 

Em suma:

Nos serviços que tenham por objeto a captação de recursos ou concessão de empréstimos pelas instituições financeiras, o CDI é índice flutuante adequado para medir a variação do custo da moeda. 

STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 2.318.994-SC, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. para acórdão Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 27/8/2024 (Info 23 - Edição Extraordinária).

 

Vale ressaltar que, em outras modalidades contratuais, não é admissível a utilização do CDI como índice de correção monetária, em razão de sua natureza remuneratória (STJ. 3ª Turma. REsp 2.147.710/RJ, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 3/12/2024).


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