Dizer o Direito

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

A impugnação ao valor da causa é questão processual preliminar, cuja análise deve preceder a extinção do processo sem julgamento do mérito

Imagine a seguinte situação hipotética:

A empresa Alfa Equipamentos Médicos Ltda. celebrou um contrato de distribuição comercial com a Beta S.A. para a venda e distribuição de produtos hospitalares.

O contrato continha uma cláusula compromissória de arbitragem, estabelecendo que quaisquer disputas relacionadas ao contrato deveriam ser resolvidas por meio de arbitragem, e não pelo Poder Judiciário.

Após alguns anos, houve uma suposta quebra de exclusividade na distribuição.

Diante disso, a empresa Alfa ajuizou uma ação de indenização por danos materiais e morais contra a Beta. A ação foi proposta na vara cível, da Justiça Estadual, ou seja, na jurisdição estatal.

A empresa Alfa atribuiu um valor de causa de R$ 50.000,00, quantia significativamente inferior ao valor do contrato, que girava em torno de R$ 10 milhões.

A Beta contestou a demanda alegando que:

1) a jurisdição estatal era incompetente para julgar o caso, devido à cláusula de arbitragem;

2) o valor da causa estava incorreto, pois a Alfa buscava uma indenização baseada no rompimento de um contrato de alto valor econômico. Assim, a ré pediu a correção do valor da causa para R$ 10 milhões, o que teria impacto direto nas custas processuais e nos honorários advocatícios.

 

Sentença reconheceu a incompetência, sem apreciar a impugnação ao valor da causa

O juiz acolheu o argumento sobre a incompetência do Poder Judiciário e extinguiu o processo sem resolução do mérito, sem analisar a impugnação ao valor da causa.

Além disso, condenou a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% do valor da causa inicialmente informado (R$ 10.000,00).

A Beta interpôs recurso de apelação, pedindo a revisão do valor da causa para R$ 10 milhões e a condenação da autora às custas complementares e honorários advocatícios calculados sobre o novo valor.

O TJ, contudo, manteve a sentença afirmando que, diante da incompetência reconhecida, o magistrado não poderia deliberar sobre a impugnação ao valor da causa. Justificou que a competência é um pressuposto processual de validade, e, ao ser declarada a incompetência, o juiz fica impedido de decidir outras questões, incluindo a correção do valor da causa.

Ainda inconformada, a Beta interpôs recurso especial, alegando que o valor da causa é um pressuposto processual objetivo e matéria de ordem pública, podendo ser ajustado de ofício pelo magistrado sempre que identificado um descompasso entre o valor atribuído na petição inicial e o real benefício econômico pretendido. Por fim, sustentou que a incompetência da jurisdição estatal para análise do mérito não impede o controle judicial do valor da causa.

 

O STJ concordou com os argumentos da Beta?

SIM.

O valor da causa é elemento essencial e obrigatório da petição inicial, cuja regularidade deve ser fiscalizada pelo juiz de ofício.

A correção do valor da causa é um instrumento de política judiciária destinado a coibir a litigância irresponsável, garantir o adequado custeio do serviço jurisdicional e influenciar diretamente na fixação dos honorários advocatícios.

Assim, por ser pressuposto processual objetivo intrinsecamente ligado à validade da petição inicial, a impugnação ao valor da causa deve ser analisada pelo Juízo incompetente antes da extinção do processo sem julgamento do mérito.

 

Em suma:

A impugnação ao valor da causa é questão processual preliminar, cuja análise deve preceder a extinção do processo sem julgamento do mérito. 

STJ. 4ª Turma. REsp 2.169.414-GO, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 17/12/2024 (Info 23 - Edição Extraordinária).

 

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Qual é a natureza jurídica da convenção de arbitragem e como ela afeta a competência do juízo estatal?

A convenção de arbitragem é um acordo entre as partes para submeter conflitos à jurisdição arbitral, afastando a competência do juízo estatal.

No caso em análise, a existência de cláusula compromissória no contrato entre as partes levou à extinção do processo sem resolução do mérito, por incompetência do juízo estatal.

 

Por que o valor da causa é considerado um pressuposto processual objetivo?

O valor da causa é um pressuposto processual objetivo porque é essencial para a validade da petição inicial, conforme o art. 319, V, do CPC. Ele influencia diretamente a fixação de custas, honorários advocatícios e a definição do procedimento adequado, sendo matéria de ordem pública.

 

Como o STJ justifica a necessidade de análise prévia do valor da causa antes da extinção do processo por incompetência?

O valor da causa é um pressuposto processual objetivo e matéria de ordem pública, que deve ser analisado antes de qualquer questão prejudicial, como a incompetência do juízo. Isso porque sua correção é essencial para garantir a litigância responsável e o adequado custeio do serviço jurisdicional.

 

Como a jurisprudência do STJ trata a relação entre a convenção de arbitragem e a análise do valor da causa?

A jurisprudência do STJ estabelece que a análise do valor da causa, como pressuposto processual objetivo, deve preceder a extinção do processo por incompetência do juízo estatal devido à convenção de arbitragem. Isso porque o valor da causa é matéria de ordem pública e deve ser corrigido de ofício pelo juiz.

A impugnação ao valor da causa é questão processual preliminar, cuja análise deve preceder a extinção do processo sem julgamento do mérito.


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