Dizer o Direito

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Quando não houver filhos incapazes, o juízo competente para as ações de reconhecimento de união estável será aquele do último domicílio do casal (mesmo que um deles já tenha morrido)

Imagine a seguinte situação hipotética:

Regina e João viveram em união estável por 15 anos na cidade de Santos/SP. Eles não tiveram filhos juntos.

Em 2023, João faleceu repentinamente sem deixar testamento. Sua única parente viva era sua mãe, Francisca, que morava em Belo Horizonte/MG.

Após o falecimento, Regina decidiu ingressar com ação de reconhecimento de união estável post mortem para garantir seus direitos sucessórios. No entanto, surgiu uma dúvida sobre onde a ação deveria ser ajuizada: em Santos/SP (último domicílio do casal) ou em Belo Horizonte/MG (domicílio da mãe de João, que seria ré na ação junto com o espólio).

 

De quem é a competência?

A competência é do juízo de Santos/SP (último domicílio do casal).

Confira o que diz o art. 53, I, do CPC/2015:

Art. 53. É competente o foro:

I - para a ação de divórcio, separação, anulação de casamento e reconhecimento ou dissolução de união estável:

a) de domicílio do guardião de filho incapaz;

b) do último domicílio do casal, caso não haja filho incapaz;

c) de domicílio do réu, se nenhuma das partes residir no antigo domicílio do casal;

d) de domicílio da vítima de violência doméstica e familiar, nos termos da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha);

(...)

 

As regras do art. 53, I são subsidiárias e não concorrentes, devendo ser aplicadas na seguinte ordem:

1º) Foro do domicílio do guardião de filho incapaz;

2º) Foro do último domicílio do casal (na ausência de filho incapaz);

3º) Foro do domicílio do réu (se nenhuma parte residir no antigo domicílio).

 

Vale ressaltar, ainda, que a regra específica do art. 53, I do CPC prevalece sobre a regra geral do art. 46 (foro do domicílio do réu):

Art. 46. A ação fundada em direito pessoal ou em direito real sobre bens móveis será proposta, em regra, no foro de domicílio do réu.

 

A hipótese prevista na alínea “b” do inciso I do art. 53 do CPC/2015 busca garantir igualdade de tratamento processual entre os conviventes e facilitar a produção de provas necessárias para a instrução do processo.

Isso porque, na maioria dos casos, as provas que sustentam os pedidos em ações da seara de família estão no domicílio onde as partes moravam. Esse é o local onde se encontram bens imóveis que podem integrar o patrimônio comum e onde residem testemunhas que conviveram com o casal e podem esclarecer os pontos controversos.

Por fim, o fato de a ação ser movida contra o espólio e sucessora não altera a sua natureza de ação de reconhecimento de união estável. Por isso, continua aplicável a norma específica do art. 53, I, do CPC.

 

Em suma:

Na ausência de filhos incapazes, a competência para processar e julgar ações de reconhecimento de união estável, inclusive quando proposta após o falecimento do convivente, é do juízo correspondente ao último domicílio do casal. 

STJ. 3ª Turma. REsp 1.909.279-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 3/12/2024 (Info 23 - Edição Extraordinária).

 

Treine o assunto estudado:

Banca: Instituto de Apoio à Universidade de Pernambuco - UPENET IAUPE

Prova: UPENET/IAUPE - Prefeitura de Olinda - Assistente de Procuradoria - 2024

Considere a seguinte situação hipotética: Ana e Eduarda casaram-se em maio de 2009 na Cidade do Recife, onde fixaram a residência do casal. Ana atualmente é servidora do Município de Paulista, onde tem domicílio profissional. Após diversas desavenças, deixaram de viver juntos. Ana permaneceu residindo no antigo domicílio do casal em Recife, mas Eduardo mudou-se para o Município de Olinda.

Caso Ana resolva propor ação de divórcio em face de Eduardo, será competente o foro do Município do Recife, por ser o último domicílio do casal. (Correto)

 

DOD Teste: revisão em perguntas

Qual é o foro competente para processar e julgar ação de reconhecimento de união estável pós-morte quando não há filhos incapazes?

O foro competente é o do último domicílio do casal, conforme a alínea “b” do inciso I do art. 53 do CPC.

 

A ação de reconhecimento de união estável pós-morte pode ser considerada uma ação de estado?

Não. O STJ entendeu que a ação de reconhecimento de união estável não se enquadra como ação de estado, pois seu objeto não envolve direitos da personalidade ou dignidade humana, mas sim a declaração de existência de uma relação jurídica.

 

A existência de um filho incapaz altera a competência para a ação de reconhecimento de união estável?

Sim. Se houver filho incapaz, a competência será do foro do domicílio do guardião do menor, conforme prevê a alínea “a” do inciso I do art. 53 do CPC.

 

Se nenhum dos ex-companheiros residir mais no último domicílio do casal, qual foro será competente?

Nessa hipótese, a competência será do foro do domicílio do réu, conforme a alínea “c” do inciso I do art. 53 do CPC.

 

O falecimento do convivente altera a competência da ação de reconhecimento de união estável?

Não. O STJ decidiu que, mesmo após o falecimento do convivente, a ação continua sendo de reconhecimento de união estável e a competência permanece regida pelo art. 53, inciso I, do CPC.

 

O que fundamentou a decisão do STJ para reconhecer a competência do último domicílio do casal?

A decisão foi fundamentada na necessidade de privilegiar a igualdade entre os conviventes e facilitar a produção de provas, que geralmente se encontram no último domicílio comum.


quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

O CDI pode ser usado como índice de correção monetária nos contratos bancários?

O que é CDI?

O Certificado de Depósito Interbancário (CDI) é um título emitido pelos bancos para regular empréstimos de curtíssimo prazo (1 dia) entre as próprias instituições financeiras.

Assim, se um banco vai emprestar dinheiro ao outro, ele cobra os encargos com base no CDI.

E por que um banco precisa tomar dinheiro emprestado? Em geral, isso ocorre porque o Banco Central exige que as instituições financeiras, ao final de cada dia, tenham um percentual mínimo de recursos disponíveis em seu caixa a fim de demonstrar que esse banco possui liquidez. Assim, se naquele dia houve muitos saques ou o banco emprestou muito dinheiro, será necessário que ele tome recursos emprestados de outro banco para cumprir essa meta do BACEN. Vale ressaltar que isso tudo ocorre de forma rápida e quase que automática, por meio de sistemas informatizados que rodam entre os bancos.

Conforme explica o Min. Ricardo Villas Bôas Cueva:

“De acordo com as regras editadas pelo Banco Central do Brasil, os bancos devem necessariamente encerrar o dia com saldo positivo em caixa. Caso determinado ente bancário esteja com saldo negativo ao se aproximar do fechamento diário, deve recorrer a dinheiro emprestado de outras instituições financeiras.

A função do mercado interfinanceiro ou interbancário, portanto, é a de transferir recursos entre instituições financeiras, dando liquidez ao mercado bancário, e permitir que as instituições que têm recursos sobrando possam emprestar àquelas que estão em posição deficitária. Nesse mercado, as instituições financeiras tanto podem atuar como tomadoras, quanto como fornecedoras de recursos.

O instrumento por meio do qual ocorre a troca de recursos exclusivamente entre instituições financeiras denomina-se Depósito Interfinanceiro (DI). (...)

O título que lastreia essas operações no mercado interbancário é o Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI) (...)” (STJ. 3ª Turma. REsp 1.781.959-SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 11/02/2020. Info 665).

 

Assim, a taxa CDI (ou simplesmente, DI) é calculada com base nas taxas cobradas pelos bancos para empresarem dinheiro aos outros bancos.

 

Feita essa explicação, imagine agora a seguinte situação hipotética:

A empresa Alfa Ltda procurou o Banco para obter um financiamento (empréstimo) de R$ 2 milhões.

A empresa e a instituição financeira celebraram um contrato que tinha as seguintes cláusulas:

• Prazo: 48 meses;

• Taxa de juros: 0,5% ao mês;

• Correção monetária: 100% do CDI (Certificado de Depósito Interbancário).

Conforme vimos acima, o CDI é uma taxa que reflete o custo que os bancos têm para pegar dinheiro emprestado entre si.

 

Após um ano de pagamentos, a Alfa ingressou com ação pedindo a revisão do contrato.

A empresa argumentou que o CDI não era um índice adequado para correção monetária, pois sua natureza era remuneratória, representando o custo do dinheiro no mercado interbancário.

A autora afirmou que a utilização da taxa CDI para correção monetária seria abusiva, pois esse índice reflete o custo de captação dos bancos no mercado interbancário, e não a inflação da moeda.

Diante disso, pediu:

• a substituição do CDI pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor);

• o recálculo de todas as parcelas pagas;

• a devolução dos valores pagos a maior.

 

O STJ acolheu a argumentação sustentada pela empresa?

NÃO.

 

O CDI pode ser usado como índice de correção monetária nos contratos bancários?

SIM.

O CDI pode ser usado em contratos bancários, não importando se é chamado de correção monetária ou juros (não importa o nomen iuris a ele conferido pelo contrato).

Não há obstáculo legal à estipulação dos encargos financeiros em contratos bancários com base no índice flutuante CDI, acrescido de juros remuneratórios, sendo desimportante o nome atribuído a tal encargo (juros, correção monetária, correção remuneratória), cumprindo apenas verificar se a somatória dos encargos contratados não se revela abusiva, devendo eventual abuso ser observado caso a caso, em cotejo com as taxas médias de mercado regularmente divulgadas pelo Banco Central do Brasil para as operações de mesma espécie.

É a posição que prevalece atualmente no STJ:

STJ. 3ª Turma. REsp 2.147.710/RJ, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 3/12/2024.

STJ. 4ª Turma. AgInt nos EDcl no REsp 2.090.138/SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 2/12/2024.

 

Por quê?

O tribunal entendeu que o CDI é adequado porque:

• é o índice que melhor reflete o custo do dinheiro para os bancos;

• é regulado e fiscalizado pelo Banco Central;

• não pode ser manipulado pelos bancos;

• ajuda a reduzir os riscos e os custos dos empréstimos;

• é apropriado para contratos bancários, onde o próprio objeto é o dinheiro.

 

No caso de contratos bancários, o próprio objeto do serviço prestado pelo banco é o dinheiro.

A instituição financeira capta recursos junto a poupadores, pequenos, médios e grandes investidores e os empresta a clientes que necessitam de financiamento.

Conclui-se, portanto, que o índice setorial adequado para refletir a evolução do custo de captação dos recursos no mercado financeiro é o CDI. Este é o índice tomado por base pelos bancos tanto para a captação de recursos quanto para a concessão de financiamentos a seus clientes.

 

Comparação com outros índices

Cada setor econômico tem seu índice mais adequado:

• INPC: mede a variação de preços para o consumidor em geral;

• INCC: mede a variação de custos na construção civil;

• CDI: mede a variação do custo do dinheiro entre bancos;

• SELIC: mede o custo do governo para tomar dinheiro emprestado.

 

Ao contrário do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) e do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que são índices neutros de correção destinados a reajustar os contratos envolvendo bens e serviços em geral, o índice setorial que mede a variação do custo do dinheiro em negócios bancários é o CDI, do mesmo modo como Índice Nacional de Custo da Construção (INCC) é o índice que mede a variação do custo dos insumos na construção civil.

Dessa forma, não há obstáculo legal à estipulação dos encargos financeiros em contratos bancários com base no índice flutuante CDI, acrescido de juros remuneratórios, sendo desimportante o nome atribuído a tal encargo (juros, correção monetária, “correção remuneratória”), cumprindo apenas verificar se a somatória dos encargos contratados não se revela abusiva, devendo eventual abuso ser observado caso a caso, em cotejo com as taxas médias de mercado regularmente divulgadas pelo Banco Central do Brasil para as operações de mesma espécie.

 

Em suma:

Nos serviços que tenham por objeto a captação de recursos ou concessão de empréstimos pelas instituições financeiras, o CDI é índice flutuante adequado para medir a variação do custo da moeda. 

STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 2.318.994-SC, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. para acórdão Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 27/8/2024 (Info 23 - Edição Extraordinária).

 

Vale ressaltar que, em outras modalidades contratuais, não é admissível a utilização do CDI como índice de correção monetária, em razão de sua natureza remuneratória (STJ. 3ª Turma. REsp 2.147.710/RJ, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 3/12/2024).


quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

Plano de saúde deve cobrir bomba de insulina?

Imagine a seguinte situação hipotética:

Regina é portadora de Diabetes Mellitus Tipo 1 há muitos anos.

Mesmo seguindo rigorosamente o tratamento com insulina injetável (tanto de longa quanto de curta duração), ela vem apresentando grande dificuldade para controlar seus níveis de glicose no sangue.

A situação se agravou quando ela começou a ter episódios frequentes de hipoglicemia severa. Em uma ocasião, ela chegou a desmaiar no trabalho, precisando ser socorrida às pressas.

Preocupado com o quadro clínico de Regina, seu médico endocrinologista prescreveu o uso de uma bomba de infusão contínua de insulina, um dispositivo que libera automaticamente a quantidade adequada de insulina ao longo do dia, permitindo um controle mais preciso da glicemia.

Regina solicitou o custeio do equipamento ao seu plano de saúde, mas teve o pedido negado.

A operadora do plano de saúde justificou a negativa alegando que:

• o dispositivo não constava no rol de procedimentos da ANS;

• tratava-se de equipamento para uso domiciliar;

• não havia cobertura contratual para esse tipo de dispositivo.

 

Diante da negativa e da urgência de seu quadro clínico, Regina ajuizou ação contra o plano de saúde pedindo a cobertura do plano de saúde.

 

De acordo com a jurisprudência do STJ, o plano de saúde pode ser obrigado a custear o sistema de infusão contínua de insulina?

SIM.

O art. 10, e seu inciso VI e § 1º, da Lei nº 9.656/1998 (Lei dos Planos de Saúde) estabelece o seguinte:

Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto:

(...)

VI - fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar, ressalvado o disposto nas alíneas ‘c’ do inciso I e ‘g’ do inciso II do art. 12;

§ 1º As exceções constantes dos incisos deste artigo serão objeto de regulamentação pela ANS.

(...)

 

O que esse dispositivo quer dizer?

Em princípio, as operadoras de plano de saúde não estão obrigadas a fornecer ou custear medicamento prescrito pelo médico assistente para administração em ambiente externo ao da unidade de saúde.

Este é o fundamento pelo qual as operadoras de plano de saúde se recusam a fornecer o sistema de infusão contínua de insulina – SICI ou bombas de insulina.

 

Ocorre que o sistema de infusão contínua de insulina – SICI ou bomba de insulina não pode ser classificado como medicamento. Trata-se de um dispositivo médico. Logo, não se enquadra no art. 10, VI, da Lei nº  9.956/1998 e, por tal razão, não pode ser excluído do conjunto de serviços prestados pelas operadoras de planos de saúde.

A bomba de insulina é uma modalidade de tratamento médico para pacientes portadores de Diabetes Mellitus Tipo 1 que têm dificuldade em manter o controle glicêmico adequado com outras formas de tratamento, como injeções.

Embora a cobertura do tratamento pelo plano de saúde represente um aumento nos custos, os estudos sobre a eficácia das bombas de insulina mostram que isso resulta em uma redução significativa das despesas, devido à diminuição das internações dos pacientes.

Importante ressaltar que recentemente foram publicados inúmeros estudos mostrando a eficácia da bomba de insulina, o que vem sendo reconhecido por pareceres do NATJUS, tanto do Conselho Nacional de Justiça quanto dos Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais, e pelos laudos produzidos por peritos e médicos assistentes nos processos judiciais.

Inclusive, o sistema de infusão contínua de insulina – SICI faz parte da tabela de recomendações da Sociedade Brasileira de Diabetes, que reúne estudos acerca das evidências de sua eficácia.

Por fim, vale ressaltar que esse tratamento não está listado no rol da ANS, mas sua cobertura é permitida devido às inovações trazidas pela Lei nº 14.454/2022, que adicionou o § 13 ao art. 10 da Lei nº 9.656/1998:

Art. 10 (...)

§ 13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que:

I - exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou

II - existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.

 

Em suma:

O sistema de infusão contínua de insulina é classificado como dispositivo médico e não pode ser excluído da cobertura dos planos de saúde, mesmo não estando no rol da ANS, desde que observados os parâmetros estabelecidos pela jurisprudência e pela Lei n. 14.454/2022. 

STJ. 4ª Turma. REsp 2.162.963-RJ, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 17/12/2024 (Info 23 - Edição Extraordinária).

 

 

DOD Teste: revisão em perguntas

Qual é a natureza jurídica do sistema de infusão contínua de insulina (SICI) ou bomba de insulina?

O sistema de infusão contínua de insulina (SICI) ou bomba de insulina é classificado como um dispositivo médico, não se enquadrando na categoria de medicamento. Portanto, não está sujeito às exclusões previstas no art. 10, VI, da Lei nº 9.656/1998, que trata do fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar.

 

Qual é o entendimento do STJ sobre a obrigatoriedade de cobertura do SICI pelos planos de saúde?

O STJ entende que, embora o SICI não esteja elencado no rol da ANS, sua cobertura pode ser exigida quando há evidências científicas comprovadas de sua eficácia e necessidade médica, especialmente em casos de diabetes mellitus tipo 1 de difícil controle. A decisão se baseia em parâmetros estabelecidos pela jurisprudência e na Lei nº 14.454/2022, que incluiu o § 13 ao art. 10 da Lei nº 9.656/1998.

 

Qual é o impacto da Lei nº 14.454/2022 na cobertura de tratamentos não elencados no rol da ANS?

A Lei nº 14.454/2022 acrescentou o § 13 ao art. 10 da Lei nº 9.656/1998, estabelecendo parâmetros para a cobertura de tratamentos não elencados no rol da ANS, desde que haja evidências científicas comprovadas e indicação médica.

 

Como o STJ trata a questão dos danos morais em casos de recusa indevida de cobertura por planos de saúde?

O STJ entende que a recusa indevida de cobertura médico-assistencial pode gerar danos morais indenizáveis. No entanto, se houver dúvida jurídica razoável na interpretação da cláusula contratual, a recusa pode ser justificada e não ensejar condenação por danos morais.


terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

INFORMATIVO Comentado 1163 STF (completo e resumido)

Olá, amigas e amigos do Dizer o Direito,

Já está disponível mais um INFORMATIVO COMENTADO.

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Confira abaixo o índice. Bons estudos.

ÍNDICE DO INFORMATIVO 1163 DO STF


Direito Constitucional

COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS

§  É inconstitucional lei estadual que obriga as instituições financeiras a efetivarem a prova de vida de seus clientes, para fins de cadastramento e/ou recebimento de benefícios previdenciários.

 

TRIBUNAL DE CONTAS

§  É constitucional norma estadual que preveja votação secreta para que a ALE escolha os indicados para o TCE;  por outro lado, é inconstitucional a fixação de prazo para o Governador nomear os indicados.

 

MINISTÉRIO PÚBLICO

§  É constitucional Resolução do Ministério Público estadual que disponha sobre a estrutura administrativa e as atribuições de Gaeco.

 

DIREITO ADMINISTRATIVO

SERVIDORES PÚBLICOS

§  O pagamento de prêmio por desempenho fiscal (uma espécie de gratificação) a servidores ativos é constitucional, pois se enquadra na exceção do art. 167, IV, da CF/88, mas sua extensão a aposentados e pensionistas é inconstitucional.

§  São inconstitucionais o conjunto de decisões judiciais que concederam estabilidade a empregados da OAB/RJ originalmente contratados sob o regime celetista.

§  São constitucionais os arts. 7º e 9º da Lei 9.717/98, que estabelecem sanções para os entes que descumprirem os critérios de equilíbrio atuarial dos regimes próprios de previdência social

 

DIREITO PENAL

LEI DE DROGAS

§  O histórico infracional é suficiente para afastar a causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006?

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL

BUSCA PESSOAL

§  A mudança repentina de direção ao avistar a viatura policial pode configurar fundada suspeita e justificar a busca pessoal sem ordem judicial.

 

DIREITO TRIBUTÁRIO

ICMS

§  É inconstitucional norma estadual que estabelece critérios de cálculo do valor adicionado para fins de partilha do produto arrecadado nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços realizadas em seus territórios.

 

ITCMD

§  Não incide ITCMD sobre valores de VGBL e PGBL repassados aos beneficiários em razão da morte do titular do plano.

 

PIS E COFINS

§  Incide PIS e COFINS sobre os rendimentos obtidos em aplicações financeiras das entidades fechadas de previdência complementar, excluindo-se as receitas oriundas de contribuições de participantes e patrocinadores, as quais possuem regramento específico.

 

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

OUTROS TEMAS

§  É inconstitucional lei estadual que obriga as instituições financeiras a efetivarem a prova de vida de seus clientes, para fins de cadastramento e/ou recebimento de benefícios previdenciários.

 

DIREITO DO TRABALHO

REFORMA TRABALHISTA

§  São constitucionais os dispositivos da Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017) que instituíram o contrato de trabalho intermitente.


A recusa de cobertura para antineoplásico oral é abusiva, mesmo que o medicamento não esteja no rol da ANS. Paciente tem direito ao tratamento prescrito! Saiba mais

Imagine a seguinte situação hipotética:

Regina foi diagnosticada com câncer de mama. Seu médico oncologista prescreveu um tratamento que incluía quimioterapia e o medicamento Abemaciclibe 150mg, um antineoplásico oral que age impedindo a proliferação das células cancerosas. Vale ressaltar que se trata de medicamento registrado na Anvisa.

Regina era beneficiária de um plano de saúde há vários anos e solicitou a cobertura do tratamento prescrito.

A operadora do plano autorizou a quimioterapia, mas negou o fornecimento do Abemaciclibe, alegando que se trata de medicamento oral e que só seria indicado em casos de câncer metastático (quando a doença já se espalhou para outros órgãos), como tratamento paliativo.

 

A recusa da operadora foi legítima?

NÃO.

É abusiva a negativa de cobertura por planos de saúde de medicamentos antineoplásicos orais prescritos por médico assistente para tratamento de câncer.

O STJ já decidiu inúmeras vezes que a operadora de saúde não pode negar cobertura para tratamentos essenciais, especialmente aqueles registrados na Anvisa e indicados para a patologia do paciente.

É importante relembrar a função social dos contratos de plano de saúde, afastando-se cláusulas contratuais ou interpretações que possam restringir o direito do consumidor à assistência médica necessária.

No caso concreto, a operadora de plano de saúde sustentou que o Rol de Procedimentos e Eventos da ANS deveria ser interpretado de forma taxativa, ou seja, que somente os tratamentos expressamente previstos deveriam ser cobertos.

O STJ afirmou que, independentemente da natureza do rol da ANS, os planos de saúde não podem recusar a cobertura de tratamentos oncológicos essenciais.

Assim, a negativa da operadora de plano de saúde configura prática abusiva, contrariando normas do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e da Lei dos Planos de Saúde.

 

Em suma:

Considera-se abusiva a negativa, pela operadora de plano de saúde, de cobertura de medicamento antineoplásico oral indicado para o tratamento contra o câncer. 

STJ. 2ª Seção. AgInt nos EREsp 2.117.477-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 11/12/2024 (Info 23 - Edição Extraordinária).

 

No mesmo sentido:

A natureza taxativa ou exemplificativa do rol da ANS não importa para fins de análise do dever de cobertura de medicamentos para o tratamento de câncer.

STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 2.057.814-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 29/5/2023 (Info 12 – Edição Extraordinária).

STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 2.017.851-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 26/2/2024 (Info 808).


segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

A anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito que antecede a inscrição legítima caracteriza dano moral in re ipsa

Imagine a seguinte situação hipotética:

Em janeiro de 2024, Regina descobriu que seu nome foi incluído no SPC/Serasa por uma dívida de R$ 5.000,00 do Banco Verde - um banco com o qual ela nunca teve conta ou cartão.

Regina ficou muito chateada e tentou resolver administrativamente, mas o Banco Verde não reconheceu o erro.

Em março de 2024, Regina passou por dificuldades financeiras e atrasou realmente o pagamento de duas contas legítimas:

• uma conta de R$ 2.000,00 do Banco Amarelo (que foi para o SPC em junho/2024).

• uma conta de R$ 1.500,00 da Loja Alfa (que foi para o SPC em julho/2024).

 

Em agosto de 2024, Regina ingressou com ação contra o Banco Verde pedindo que:

• a dívida de R$ 5.000,00 fosse declarada inexistente;

• o banco pagasse indenização por danos morais pela sua inscrição indevida no cadastro de proteção ao crédito.

 

O Banco Verde apresentou contestação alegando que, como Regina tinha outras dívidas (mesmo que posteriores), ela não teria direito à indenização.

O réu afirmou que deveria ser aplicado, no caso, o raciocínio da Súmula 385 do STJ:

Súmula 385-STJ: Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento.

 

Os argumentos do Banco Verde foram acolhidos pelo STJ?

NÃO.

A inscrição indevida do nome do consumidor em cadastro de proteção ao crédito caracteriza dano moral in re ipsa.

Esse entendimento é mitigado pela Súmula 385/STJ, segundo a qual “da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento”.

Ao anotar, indevidamente, o nome do consumidor no SPC / Serasa, o fornecedor pratica ato ilícito cujo efeito é lhe impor o dever de compensar o dano moral in re ipsa, pois tal conduta acarreta profundo abalo à dignidade, à honra e ao respeito de que goza o consumidor no seio social.

Se, no momento da prática do ato ilícito (inscrição irregular), já existia prévia anotação legítima do nome do consumidor, afasta-se o dano moral, nos termos da Súmula 385/STJ. Isso porque “quem já é registrado como mau pagador não pode se sentir moralmente ofendido pela inscrição do seu nome como inadimplente em cadastros de proteção ao crédito" (STJ. 2ª Seção. REsp 1.002.985/RS, julgado em 14/5/2008, DJe de 27/8/2008).

O enunciado da Súmula 385/STJ funda-se na consideração de que “o dano decorre da imputação indevida de inadimplente a alguém que efetivamente não o é”. Assim, “o fato de existir registros anteriores por si só já configura o estado de inadimplemento. Mais um ou menos um [...] não pode causar mais dor do que o primeiro” (STJ. 2ª Seção. REsp 1.062.336/RS, julgado em 10/12/2008, DJe de 12/5/2009).

Em suma, aquele que já possui seu nome corretamente negativado não sofre abalo moral em virtude de nova inscrição em cadastro de proteção ao crédito, ainda que irregular.

No caso concreto, contudo, a situação é diferente. Primeiro houve uma inscrição irregular (ilegítima) feita pelo Banco Verde. Somente depois é que ocorreram inscrições legítimas feitas por outros fornecedores. Logo, não se aplica a Súmula 385 do STJ.

Se no momento da prática do ato ilícito (anotação irregular) não havia inscrição do nome do consumidor no cadastro de inadimplentes conclui-se que a dignidade, a honra e o respeito da consumidora foram maculadas nesse momento. Assim, ficou caracterizado o dano moral in re ipsa.

 

Em suma:

A anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito que antecede a inscrição legítima caracteriza dano moral in re ipsa.

STJ. 3ª Turma. REsp 2.160.941-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 5/11/2024 (Info 23 - Edição Extraordinária).

 

Treine o assunto estudado:

Banca: Centro de Seleção e de Promoção de Eventos UnB - CESPE CEBRASPE

Prova: CESPE/CEBRASPE - CAGEPA - Advogado - 2024

É cabível a indenização por dano moral em razão de anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, ainda que haja inscrição legítima preexistente. (Incorreto)

 

DOD Teste: revisão em perguntas

Qual é o entendimento da Súmula 385 do STJ em relação ao dano moral por inscrição indevida em cadastro de proteção ao crédito?

A Súmula 385 do STJ estabelece que não cabe indenização por dano moral quando há uma inscrição irregular em cadastro de proteção ao crédito, caso exista uma legítima inscrição anterior.

Assim, quem já possui uma anotação legítima como inadimplente não pode se sentir moralmente ofendido por uma nova inscrição irregular.

 

Por que a existência de uma anotação legítima anterior pode afastar o dano moral?

A existência de uma anotação legítima anterior indica que a pessoa já tinha sua condição de devedora conhecida e registrada. Assim, uma nova inscrição irregular não causaria um dano moral adicional, já que a reputação do consumidor já estaria abalada por registros anteriores.

 

Como a jurisprudência do STJ trata a questão da inscrição irregular em cadastro de proteção ao crédito quando há uma legítima inscrição posterior?

Se a inscrição irregular ocorre antes de uma legítima inscrição posterior, configura-se dano moral in re ipsa, ou seja, com prejuízo presumido. Isso porque, no momento da inscrição irregular, a pessoa ainda não tinha uma anotação legítima, o que caracteriza o abalo moral.

 

O que significa dano moral in re ipsa?

Dano moral in re ipsa é aquele que se presume pelo simples fato da ocorrência do ato ilícito, sem necessidade de prova específica do sofrimento.

Exemplo: a inscrição indevida em um cadastro de proteção ao crédito caracteriza dano moral in re ipsa.

domingo, 23 de fevereiro de 2025

Mesmo com medidas protetivas, a partilha de bens deve ser resolvida na Vara de Família, não na Vara de Violência Doméstica. Entenda a decisão do STJ

Imagine a seguinte situação hipotética:

João e Regina foram casados durante anos.

Em 2015, eles se divorciaram, mas não chegaram a um acordo definitivo sobre a partilha dos bens, deixando essa questão para um momento posterior.

 

Obs: o art. 1.581 do Código Civil prevê que o divórcio pode ser realizado independentemente da partilha de bens (Art. 1.581. O divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens).

 

Em 2018, João ajuizou ação de partilha de bens na 2ª Vara de Família da comarca com o objetivo de dividir os bens adquiridos durante o casamento.

Em 2019, durante a tramitação da ação de partilha, Regina registrou um boletim de ocorrência contra João em razão de estar sendo ameaçada por ele para abrir mão de alguns bens em disputa.

A juíza da Vara de Violência Doméstica deferiu medidas protetivas em favor de Regina.

Ao tomar conhecimento das medidas protetivas, o juiz da 2ª Vara de Família declinou sua competência para a Vara de Violência Doméstica.

 

Essa declinação foi correta?

NÃO.

O caput do art. 14-A na Lei Maria da Penha prevê que a vítima tem a opção de propor a ação de divórcio ou de dissolução de união estável:

• no juízo previsto pela lei de organização judiciária como sendo o competente para essas ações (normalmente, a vara de família); ou

• no próprio Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (se assim ela preferir).

 

Art. 14-A. A ofendida tem a opção de propor ação de divórcio ou de dissolução de união estável no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.

 

Vale ressaltar que, mesmo que a vítima opte por ajuizar a ação no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, a discussão quanto à partilha de bens deverá ser feita na Vara de Família. É o que determina o § 1º do art. 14-A:

Art. 14-A (...)

§ 1º Exclui-se da competência dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher a pretensão relacionada à partilha de bens.

 

Dessa forma, a competência para tratar dessa matéria permanece com o Juízo da Vara de Família.

 

Em suma:

A pretensão relacionada à partilha de bens em situação de violência doméstica e familiar exclui-se da competência dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher. 

STJ. 4ª Turma. REsp 2.106.115-BA, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 10/12/2024 (Info 23 - Edição Extraordinária).


sábado, 22 de fevereiro de 2025

A dívida oriunda do FIES possui natureza personalíssima e não deve ser objeto de partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal ou convivencial

Imagine a seguinte situação hipotética:

João e Regina mantiveram uma relação em regime de união estável.

Durante esse período, João contratou um financiamento de crédito estudantil (FIES – Fundo de Financiamento Estudantil) com o objetivo de custear o pagamento das parcelas da faculdade que estava cursando.

Após alguns anos, o casal decidiu se separar, e Regina ajuizou ação declaratória de reconhecimento e dissolução de união estável, cumulada com partilha de bens.

Na sentença, o juízo de primeira instância declarou a dissolução da união estável e determinou a partilha dos bens adquiridos durante uma união estável.

A dívida do financiamento estudantil (FIES) contraído por João não foi incluído na partilha.

Inconformado, João interpôs recurso alegando que o financiamento estudantil deveria ser incluído na partilha, considerando que se trata de dívida contraída durante a união.

Na prática, o recorrente queria que sua ex-companheira arcasse com metade da dívida do financiamento estudantil (FIES). Ele alegava que essa dívida deveria ser partilhada entre ambos, como ocorre com outras obrigações comuns contraídas durante a união estável.

 

A discussão chegou até o STJ. Os argumentos de João foram acolhidos?

NÃO.

O financiamento estudantil contraído por um dos cônjuges, como o FIES, possui natureza personalíssima e não deve ser objeto de partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal ou convivencial, na medida em que o investimento em educação realizado apenas por um dos cônjuges ou conviventes (e a respectiva dívida) apenas gera a perspectiva futura e eventual de que esse investimento poderia ser diretamente revertido em benefício da entidade familiar.

O financiamento estudantil é um meio para a obtenção de melhoria na vida de quem dele usufrui sob as óticas profissional, pessoal, social e cultural, de modo que o beneficiário do conhecimento adquirido na atividade de ensino financiada será exclusivamente o cônjuge ou convivente que efetivamente realizou a atividade educacional, que inclusive levará consigo o conhecimento adquirido após a dissolução do vínculo conjugal ou convivencial.

O benefício apenas mediato e hipotético causado pela atividade estudantil financiada, por não implicar em benefício direto e concreto à entidade familiar, não deve ser partilhado por ocasião do divórcio ou dissolução da união estável.

 

Em suma:

A dívida oriunda do FIES - Fundo de Financiamento Estudantil, possui natureza personalíssima e não deve ser objeto de partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal ou convivencial. 

STJ. 3ª Turma. REsp 2.062.166-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 5/11/2024 (Info 23 - Edição Extraordinária).


sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Os contratos antigos de cessão de direitos valem também para as novas tecnologias de streaming (ex: Spotify). Veja o que do STJ decidiu no caso Roberto e Erasmo Carlos

O caso concreto, com adaptações, foi o seguinte:

Roberto Carlos e Erasmo Carlos são dois dos maiores nomes da música brasileira. Eles tiveram o auge do sucesso na época da Jovem Guarda, mas até hoje possuem canções que encantam milhões de brasileiros.

Erasmo Carlos, infelizmente, faleceu em novembro de 2022.

Entre 1964 e 1987, Roberto e Erasmo assinaram diversos contratos com Editora e Importadora Musical Fermata do Brasil LTDA. (“Fermata”), transferindo os direitos patrimoniais de suas composições.

Nos contratos, estava escrito claramente que os compositores “cediam e transferiam à editora, de forma total e definitiva, todos os seus direitos patrimoniais de autor sobre as obras musicais”. Por força do contrato, a editora poderia explorar as músicas de qualquer forma, incluindo “reprodução por qualquer processo ou meio”.

Em 2020, ou seja, cerca de quarenta e cinco anos depois, Roberto e Erasmo descobriram que suas músicas estavam disponíveis em plataformas de streaming como Spotify e Apple Music, e a Fermata estava recebendo os valores referentes a essas reproduções digitais.

Insatisfeitos com a situação, eles ingressaram com ação contra a editora alegando, em síntese, que:

• os contratos assinados não eram de cessão definitiva, mas sim contratos de edição com prazo determinado. Explicando melhor: no contrato de edição há transferência limitada dos direitos, permitindo-se, inclusive, a rescisão do contrato em determinadas hipóteses (não há uma cessão definitiva dos direitos patrimoniais);

• mesmo que fossem contratos de cessão, a editora não poderia disponibilizar as músicas em streaming sem autorização específica, já que essa tecnologia não existia na época da assinatura.

 

Argumentaram que os contratos, embora formalmente denominados como de cessão, tinham como essência o licenciamento para exploração comercial de suas obras musicais, configurando, assim, contratos de edição, os quais são denunciáveis a qualquer tempo.

 

Os autores pediram, em resumo:

• a declaração de que os contratos celebrados eram de edição – permitindo a rescisão unilateral e a desvinculação dos direitos patrimoniais cedidos – e, consequentemente, a rescisão do contrato;

• o reconhecimento de que a editora não detém direitos para explorar as obras em plataformas de streaming, por não ter obtido autorização específica para essa forma de utilização;

• indenização por supostos prejuízos decorrentes da exploração irregular.

 

A Fermata contestou afirmando que os contratos possuíam cláusulas que configuravam cessão definitiva de direitos patrimoniais. A editora defendeu que todos os contratos tinham como objeto a cessão integral dos direitos patrimoniais sobre as obras e que sua vigência era vinculada ao período de proteção das obras.

 

Sentença de improcedência, mantida pelo TJSP

O juízo de primeira instância entendeu que todos os contratos tinham natureza de cessão de direitos, julgando improcedentes os pedidos.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a sentença.

 

Recurso especial

Inconformados, os autores interpuseram recurso especial.

Os recorrentes alegaram, dentre outros argumentos, que a editora não tinha direito de explorar as obras musicais em plataformas de streaming, pois essa modalidade de exploração não existia na época da celebração dos contratos (décadas de 1960 a 1980).

Sustentaram que, para explorar as obras em formato digital, seria necessária uma autorização específica dos titulares dos direitos autorais.

Eles invocaram o art. 49, V, da Lei nº 9.610/1998 (Lei de Direitos Autorais), que estabelece que a cessão de direitos só se aplica às modalidades de utilização existentes na data do contrato. Como o streaming não existia na época, a editora não poderia explorar as obras nessa modalidade sem uma nova autorização. Veja a redação do dispositivo:

Art. 49. Os direitos de autor poderão ser total ou parcialmente transferidos a terceiros, por ele ou por seus sucessores, a título universal ou singular, pessoalmente ou por meio de representantes com poderes especiais, por meio de licenciamento, concessão, cessão ou por outros meios admitidos em Direito, obedecidas as seguintes limitações:

(...)

V - a cessão só se operará para modalidades de utilização já existentes à data do contrato;

 

O STJ concordou com os argumentos dos recorrentes? O art. 49, V, da Lei nº 9.610/1998 foi aplicado no caso concreto?

NÃO.

 

Qual é a diferença entre contrato de cessão e de edição?

Os contratos usualmente celebrados por titulares de direitos autorais são os de cessão e os de edição.

Contratos de cessão: caracterizam-se por implicar a transferência dos direitos patrimoniais do autor (definitiva ou temporária, total ou parcial). Os direitos patrimoniais do autor são transferidos com poucas reservas.

Contratos de edição: são aqueles pelos quais o contratante (editor) assume a obrigação de publicar ou fazer publicar obra artística, tendo como principal característica a sua duração limitada (seja quanto ao tempo de vigência seja quanto ao número de edições que serão objeto de publicação). O autor autoriza o editor a publicar a obra com tiragem de exemplares e tempo definidos no contrato.

 

No caso concreto, os autores celebraram contrato de cessão com a editora

As instâncias ordinárias e o STJ entenderam que ficou provado que, nos contratos celebrados, houve a transferência dos direitos autorais de forma definitiva, considerando que haja a cessão compreendeu todo o período de proteção legal das obras.

Em outras palavras, o STJ entendeu que os autores celebraram contratos de cessão com a editora.

 

De acordo com a atual lei de direitos autorais, para a utilização das obras musicais via internet (tecnologia streaming) é necessária autorização específica do titular dos direitos de autor

A jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que a tecnologia streaming enquadra-se nas disposições normativas do art. 29, VII, VIII, “i”, IX e X, da Lei nº 9.610/98, configurando, portanto, modalidade de exploração econômica das obras musicais a demandar autorização prévia e expressa pelos titulares dos direitos autorais. Desse modo, tal forma de utilização das obras musicais dos recorrentes, em princípio, necessitaria de sua autorização específica.

Nesse sentido:

A transmissão de músicas por meio da rede mundial de computadores mediante o emprego da tecnologia streaming (webcasting e simulcasting) demanda autorização prévia e expressa pelo titular dos direitos de autor e caracteriza fato gerador de cobrança pelo ECAD relativa à exploração econômica desses direitos.

STJ. 2ª Seção. REsp 1559264/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 08/02/2017 (Info 597).

 

De acordo com o art. 49, V, da atual Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/1998), a cessão a terceiros “só se operará para modalidades de utilização já existentes à data do contrato”. Eis o teor do dispositivo legal:

Art.  49.  Os  direitos  de  autor  poderão  ser  total  ou  parcialmente transferidos a terceiros, por ele ou por seus sucessores, a título universal ou singular, pessoalmente ou por meio de representantes com poderes especiais, por meio de licenciamento, concessão, cessão ou por outros meios admitidos em Direito, obedecidas as seguintes limitações:

[...]

V - a cessão só se operará para modalidades de utilização já existentes à data do contrato;

[...]

 

Na época da assinatura dos contratos, a legislação não exigia autorização específica

Essa proteção específica conferida aos autores (art. 49, V) não estava presente no ordenamento jurídico anteriormente à edição da Lei nº 9.610/1998.

Antes da Lei nº 9.610/1998 se o compositor de uma música assinasse um contrato de cessão de direitos autorais, essa cessão abrangia também as modalidades de utilização que viessem a surgir após a data do contrato.

 

No caso concreto, os contratos firmados por Roberto e Erasmo foram celebrados antes da Lei nº 9.610/1998. Mesmo assim, é possível aplicar o art. 49, V, da Lei nº 9.610/1998 para impedir que, atualmente, essas músicas sejam exploradas nas plataformas de streaming?

NÃO. Essa exigência imposta pelo art. 49, V, da Lei nº 9.610/1998 não pode ser aplicada para esses contratos porque senão isso seria uma aplicação retroativa da Lei nº 9.610/1998, o que é vedado em razão do princípio da irretroatividade da lei.

O art. 49, V, da Lei nº 9.610/1998 somente pode ser aplicado para contratos celebrados depois de sua vigência.

 

A proteção conferida pelo art. 49, V, da Lei n. 9.610/1998, no sentido de que “a cessão só se operará para modalidades de utilização já existentes à data do contrato”, não se aplica a contratos celebrados antes de sua vigência.

STJ. 3ª Turma. REsp 2.029.976-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/11/2024 (Info 23 - Edição Extraordinária).

 

Em suma:

Como no momento da celebração dos contratos, não existia, no ordenamento jurídico, um dispositivo semelhante ao art. 49, V, da Lei nº 9.610/1998, entende-se que os autores, ao cederem seus direitos autorais, autorizaram que a editora explorasse essas obras em outras tecnologias que viriam a surgir depois, como é o caso do streaming.


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