quarta-feira, 22 de janeiro de 2025
Se a arma for usada para proteger o tráfico de drogas, ela apenas aumenta a pena do tráfico (não será crime autônomo); se a arma era usada também para outras finalidades, o réu responde por dois crimes: tráfico e posse/porte ilegal de arma de fogo
Imagine a seguinte situação
hipotética:
João foi preso em flagrante com drogas e arma de fogo.
O Ministério Público ofereceu denúncia contra João pela
prática dos crimes de tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei nº
11.343/2006) e porte ilegal de arma de fogo (art. 14 da Lei nº 10.826/2003), em
concurso material (art. 69 do Código Penal).
A ação penal foi julgada procedente.
João recorreu alegando, dentre outros argumentos, que deveria
ter sido reconhecida a consunção entre os delitos imputados, pois o porte de
arma deveria ser reconhecido como mera majorante do crime de tráfico (art. 40,
IV, da Lei nº 11.343/2006), e não como crime autônomo. Argumentou que a pistola
apreendida era meio necessário para garantir a segurança da droga e impedir a
sua apreensão.
O crime de porte ou posse ilegal de arma de fogo
deve absorvido pelo tráfico de drogas?
Depende das circunstâncias do caso concreto.
1) Se há nexo finalístico entre o uso da arma e o
tráfico de drogas
Quando o uso da arma está diretamente ligado ao sucesso
dos crimes previstos nos arts. 33 a 37 da Lei de Drogas, ocorre a absorção do
crime de porte ou posse de arma de fogo.
Assim, sempre que houver um nexo finalístico entre a
conduta relacionada ao tráfico e a posse ou porte de arma de fogo, não se
aplicará o concurso material.
Esse entendimento parte da premissa de que a posse ou
porte de arma de fogo, nesses casos, é apenas um meio instrumental para
viabilizar ou facilitar a prática do crime de tráfico de drogas. A arma de
fogo, nesse contexto, não é considerada um delito autônomo, mas uma ferramenta
essencial para a execução do crime principal, ou seja, o tráfico. Dessa forma,
a conduta referente à arma de fogo é absorvida pela prática do outro delito,
evitando, assim, a duplicidade de punição. Essa interpretação busca garantir
uma aplicação mais coerente das penas, de modo a evitar a sobrecarga penal
injustificada quando os crimes estão intrinsecamente conectados.
Além disso, a decisão reflete uma visão pragmática sobre
o uso de armas no tráfico de drogas, reconhecendo que o porte ou posse é
comumente associado à proteção das atividades ilícitas, à intimidação de
terceiros ou à própria execução de delitos relacionados. Assim, ao estabelecer
o nexo finalístico, o Tribunal entende que a intenção do agente é voltada
primordialmente para o tráfico, e a arma serve apenas como um instrumento que
favorece esse crime, o que justifica a aplicação de um único tipo penal,
conforme a sistemática da absorção.
Assim, se ficar provado que a arma estava sendo usada para
proteger a atividade do tráfico, o crime de posse ou porte de arma de fogo será
absorvido pelo delito de tráfico de drogas. Não haverá concurso de crimes. A
arma será considerada uma majorante do tráfico, nos termos do art. 40, IV, da
Lei de Drogas:
Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta
Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se:
(...)
IV - o crime tiver sido praticado
com violência, grave ameaça, emprego de arma de fogo, ou qualquer processo de
intimidação difusa ou coletiva;
Ex: Pedro foi preso transportando droga em seu carro. Além
do entorpecente, foi encontrado um revólver. Ficou comprovado que Pedro recebeu
a arma juntamente com a droga, sendo ela usada para se proteger caso alguma
organização criminosa adversária tentasse interceptar o entorpecente.
2) Se não há esse nexo finalístico entre o uso da
arma e o tráfico de drogas
Se a arma não tinha relação direta com a atividade do
tráfico, neste caso, o porte da arma será considerado um crime autônomo.
O réu será condenado por dois delitos (tráfico + posse/porte
de arma) em concurso material (as penas são somadas).
Ex: Francisco é preso em
flagrante ao transportar 340 kg de maconha, além de possuir em sua residência
uma submetralhadora com dois carregadores e uma pistola com 12 munições.
Durante a investigação, ficou demonstrado que as armas eram usadas em outras
ações, como roubos e homicídios.
Tese fixada:
A majorante do art. 40, inciso IV,
da Lei n. 11.343/2006 aplica-se quando há nexo finalístico entre o uso da arma
e o tráfico de drogas, sendo a arma usada para garantir o sucesso da atividade
criminosa, hipótese em que o crime de porte ou posse ilegal de arma é absorvido
pelo tráfico. Do contrário, o delito previsto no Estatuto do Desarmamento é
considerado crime autônomo, em concurso material com o tráfico de drogas.
STJ. 3ª Seção.
REsp 1.994.424-RS e REsp 2.000.953-RS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca,
julgados em 27/11/2024 (Recurso Repetitivo - Tema 1259) (Info 835).