Dizer o Direito

segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

Comentários à Súmula 675 do STJ

Súmula 675-STJ: É legítima a atuação dos órgãos de defesa do consumidor na aplicação de sanções administrativas previstas no CDC quando a conduta praticada ofender direito consumerista, o que não exclui nem inviabiliza a atuação do órgão ou entidade de controle quando a atividade é regulada.

STJ. 1ª Seção. Aprovada em 13/11/2024, DJe de 25/11/2024 (Info 835).

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

Regina pediu o cancelamento de sua linha telefônica.

Ocorre que, mesmo após esperar por mais de 30 dias, não teve seu pedido atendido.

Inconformada, a consumidora procurou o PROCON para registrar uma reclamação.

Na audiência de conciliação realizada no PROCON, o preposto da companhia assumiu o compromisso de efetuar o cancelamento no prazo de 10 dias. No entanto, mesmo após esse compromisso firmado, a empresa não realizou a instalação dentro do prazo estabelecido.

Diante do descumprimento, o PROCON aplicou uma multa administrativa à companhia telefônica.

A empresa, insatisfeita, ajuizou ação pedindo a anulação da multa sob o argumento e que o PROCON não teria competência para aplicar multas para empresas de telefonia, pois essa atribuição seria exclusiva da ANATEL, que é a agência reguladora do setor.

 

Esse argumento da empresa de telefonia é aceito pelo STJ?

NÃO.

 

Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC)

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) criou um microssistema normativo que abrange normas gerais e abstratas, incorporando preceitos de diversas áreas do direito: civil, administrativo, processual e penal.

A proteção ao consumidor é organizada no Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), que reúne órgãos públicos e entidades privadas responsáveis, de forma direta ou indireta, pela defesa dos consumidores.

Os Procons são órgãos estaduais e municipais de proteção ao consumidor, criados pelas legislações locais. Suas funções incluem:

• Fiscalizar condutas infrativas;

• Aplicar penalidades administrativas;

• Orientar consumidores sobre seus direitos;

• Planejar e executar políticas de defesa do consumidor em suas áreas de atuação.

 

Poder de Polícia Administrativa

O exercício do poder de polícia administrativa é compartilhado entre órgãos das diferentes esferas federativas. Quem infringe as normas de consumo está sujeito às sanções previstas no art. 56 do CDC, regulamentadas pelo Decreto nº 2.181/97.

As sanções podem incluir:

• Multa;

• Apreensão de produtos;

• Cassação de registro de produtos;

• Suspensão de fornecimento de produtos ou serviços;

• Suspensão temporária de atividades;

• Interdição parcial ou total de estabelecimentos, obras ou atividades;

• Imposição de contrapropaganda.

 

Conforme o § 1º do art. 18 do Decreto nº 2.181/97, pode ser penalizado quem, por ação ou omissão, der causa à infração, concorrer para sua prática ou dela se beneficiar.

 

Atuação do Procon e das agências reguladoras

O Procon tem legitimidade para aplicar sanções administrativas quando condutas no mercado de consumo violam os interesses dos consumidores, exercendo o poder de polícia conferido no âmbito do SNDC.

A atuação do Procon, porém, não substitui nem se confunde com as atividades regulatórias setoriais realizadas por agências reguladoras. Estas têm objetivos mais amplos, como:

• Garantir a continuidade e universalização dos serviços públicos;

• Preservar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão;

• Assegurar a modicidade tarifária.

 

O § 2º do art. 18 do Decreto nº 2.181/97 reforça essa compreensão:

Art. 18 (...)

§ 2º As penalidades previstas neste artigo serão aplicadas pelos órgãos oficiais integrantes do SNDC, sem prejuízo das atribuições do órgão normativo ou regulador da atividade, na forma da legislação vigente.

 

Vale ressaltar que determinadas sanções, como a revogação de concessão ou a intervenção administrativa, precisam de confirmação do órgão normativo ou regulador da atividade, não podendo ser aplicadas unicamente pelos órgãos de defesa do consumidor. É o que prevê o § 3º do art. 18 do Decreto nº 2.181/97:

Art. 18. A inobservância das normas contidas na Lei nº 8.078, de 1990, e das demais normas de defesa do consumidor constituirá prática infrativa e sujeitará o fornecedor às seguintes penalidades, que poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, inclusive de forma cautelar, antecedente ou incidente no processo administrativo, sem prejuízo das de natureza cível, penal e das definidas em normas específicas:

I - multa;

II - apreensão do produto;

III - inutilização do produto;

IV - cassação do registro do produto junto ao órgão competente;

V - proibição de fabricação do produto;

VI - suspensão de fornecimento de produtos ou serviços;

VII - suspensão temporária de atividade;

VIII - revogação de concessão ou permissão de uso;

IX - cassação de licença do estabelecimento ou de atividade;

X - interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de atividade;

XI - intervenção administrativa;

XII - imposição de contrapropaganda.

(...)

§ 3º As penalidades previstas nos incisos III a XI deste artigo sujeitam-se a posterior confirmação pelo órgão normativo ou regulador da atividade, nos limites de sua competência.

 

Assim, enquanto a ANATEL regula o setor de telecomunicações no tocante a aspectos técnicos e operacionais (Lei 9.472/1997 - Lei Geral de Telecomunicações), o PROCON tem legitimidade para fiscalizar e punir violações de direitos do consumidor (Lei nº 8.078/1990). Essa divisão de atribuições permite a atuação respectiva de cada órgão administrativo, como a ANATEL e o PROCON, atuando em suas respectivas áreas:

O entendimento do Tribunal recorrido, no sentido de que o Procon tem poder de polícia para impor multas decorrentes de transgressão às regras ditadas pela Lei n. 8.078/90, está em sintonia com a jurisprudência do STJ, pois sempre que condutas praticadas no mercado de consumo atingirem diretamente os consumidores, é legítima a atuação do Procon para aplicar as sanções administrativas previstas em lei, decorrentes do poder de polícia que lhe é conferido. Acresça-se, para melhor esclarecimento, que a atuação do Procon não inviabiliza, nem exclui, a atuação da Agência reguladora, pois esta procura resguardar em sentido amplo a regular execução do serviço público prestado.

STJ. 2ª Turma. REsp n. 1.178.786/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 16/12/2010.

 

A atuação do PROCON não exclui nem se confunde com o exercício da atividade regulatória setorial realizada pelas agências criadas por lei, cuja preocupação não se restringe à tutela particular do consumidor, mas abrange a execução do serviço público em seus vários aspectos, a exemplo, da continuidade e universalização do serviço, da preservação do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão e da modicidade tarifária.

STJ. 1ª Turma. AgRg no REsp n. 1.112.893/RJ, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 2/10/2014.

 

O ato administrativo de aplicação de penalidade pelo PROCON à instituição financeira por infração às normas que protegem o Direito do Consumidor não se encontra eivado de ilegalidade porquanto inocorrente a usurpação de competência do BACEN, autarquia que possui competência privativa para fiscalizar e punir as instituições bancárias quando agirem em descompasso com a Lei n.º 4.565/64, que dispõe sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias.

Raciocínio inverso conspiraria contra a ratio essendi dos dispositivos questionados porquanto inviabilizaria o acesso do consumidor-correntista à satisfação dos seus direitos haja vista que inexiste no ordenamento jurídico pátrio a descentralização nos Estados das atividades desempenhadas pelo BACEN.  8. Recurso especial desprovido.

STJ. 1ª Turma. REsp n. 1.122.368/AL, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 3/9/2009.

 

O exemplo não se restringe à ANATEL, pois existem outros órgãos que exercem poder de fiscalização em áreas diversas, mas que afetam os fornecedores (ex.: Anatel, Aneel, Anvisa, Banco Central - BACEN, ANS etc.).

 

Não há bis in idem neste caso fundamento?

O PROCON possui legitimidade para aplicar multas administrativas às companhias de seguro em face de infração praticada em relação de consumo de comercialização de título de capitalização e de que não há falar em bis in idem em virtude da inexistência da cumulação de competência para a aplicação da referida multa entre o órgão de proteção ao consumidor e a SUSEP.

STJ. 1ª Turma. RMS n. 24.921/BA, Rel. Min. Denise Arruda, julgado em 21/10/2008.

 

Veja como o assunto foi cobrado em concurso:

þ (Juiz Federal TRF5R 2015 Cespe correta) Por ter violado norma de proteção ao consumidor, a instituição financeira XYZ foi punida com penalidade de multa imposta pelo PROCON. Tal violação também configurou descumprimento a norma regulatória setorial, razão pela qual a empresa XYZ foi novamente punida com pena de multa, dessa vez pelo BCB. Em ambos os casos, foram observadas as normas processuais administrativas. A referida empresa ingressou com ação judicial em que questionou a legalidade das penalidades aplicadas. Com referência a essa situação hipotética, assinale a opção correta. Não houve ilegalidade na aplicação das duas multas pelo mesmo ato, tendo em vista que se verificou violação concomitante de norma do CDC e de norma regulatória do setor.

 

Em suma:

Súmula 675-STJ: É legítima a atuação dos órgãos de defesa do consumidor na aplicação de sanções administrativas previstas no CDC quando a conduta praticada ofender direito consumerista, o que não exclui nem inviabiliza a atuação do órgão ou entidade de controle quando a atividade é regulada.

STJ. 1ª Seção. Aprovada em 13/11/2024, DJe de 25/11/2024 (Info 835).


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