quinta-feira, 12 de dezembro de 2024
Em caso de grave sofrimento causado por lesão a um ente querido, os familiares também podem ser indenizados?
Imagine a seguinte situação adaptada:
João, 12 anos de idade, estudava em um colégio
particular.
Certo dia, parte de um muro de azulejos do colégio desabou
e atingiu o pé esquerdo de João, que sofreu fraturas nos dedos e rompimento de
vasos sanguíneos.
Em decorrência das lesões, a criança ficou internada por
29 dias, foi submetida a nove cirurgias e teve quatro dedos do pé amputados.
João, em litisconsórcio com os seus pais, ajuizou ação de
indenização contra a escola.
Na petição inicial, os autores requereram, dentre outros,
o “pagamento de danos morais à vítima e aos seus pais”.
O juiz prolatou sentença julgando os pedidos procedentes.
Especificamente no que tange aos danos morais, o magistrado acolheu a tese dos
autores e arbitrou indenização tanto em favor do autor (aluno) quanto para seus
genitores. O juiz afirmou que os pais do garoto deveriam ser indenizados porque
sofreram dano moral reflexo (dano por ricochete).
Dano moral por ricochete
O dano moral por ricochete é
aquele sofrido por um terceiro (vítima indireta) em consequência de um dano
inicial sofrido por outrem (vítima direta), podendo ser de natureza patrimonial
ou extrapatrimonial. Trata-se de relação triangular em que o agente prejudica
uma vítima direta que, em sua esfera jurídica própria, sofre um prejuízo que
resultará em um segundo dano, próprio e independente, observado na esfera
jurídica da vítima reflexa.
São características do dano
moral por ricochete a pessoalidade e a autonomia em relação ao dano sofrido
pela vítima direta do evento danoso, assim como a independência quanto à
natureza do incidente, conferindo, desse modo, aos sujeitos prejudicados reflexamente
o direito à indenização por terem sido atingidos em um de seus direitos
fundamentais.
STJ. 4ª Turma. REsp
1734536/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 06/08/2019.
O Tribunal de Justiça manteve a sentença.
O colégio interpôs recurso especial pedindo que fosse
afastada a condenação por danos morais em favor dos pais do autor.
O STJ manteve a condenação? Os pais do aluno podem
ser indenizados por dano moral por ricochete?
SIM.
A controvérsia consiste em definir
se o dano moral reflexo (dano por ricochete) pode se caracterizar ainda que a
vítima direta do evento danoso sobreviva.
No caso em apreço, ficou evidente
que houve dano em ricochete em favor dos pais da vítima, menor de idade, que,
em razão do acidente, teve seu pé esquerdo parcialmente amputado. Isso porque,
de forma reflexa, os pais também suportaram toda angústia e sofrimento.
A vítima precisa morrer
para que ocorra o dano moral em ricochete?
NÃO.
O evento morte não é
exclusivamente o que dá ensejo ao dano por ricochete. Tendo em vista a
existência da cláusula geral de responsabilidade civil, todo aquele que tem seu
direito violado por dano causado por outrem, de forma direta ou reflexa, ainda
que exclusivamente moral, titulariza interesse juridicamente tutelado.
Em outras palavras, o dano moral
reflexo pode se caracterizar ainda que a vítima direta do evento danoso
sobreviva. É que o dano moral em ricochete não significa o pagamento da
indenização aos indiretamente lesados por não ser mais possível, devido ao falecimento,
indenizar a vítima direta. É indenização autônoma, por isso devida
independentemente do falecimento da vítima direta.
Assim, não é apenas o evento
morte que pode justificar o dano por ricochete. Esse tipo de dano não se limita
a compensar os indiretamente lesados pela impossibilidade de indenizar a vítima
direta devido ao falecimento. Trata-se de uma indenização autônoma, cabível
independentemente da morte da vítima direta.
Em suma:
O dano moral reflexo (dano por ricochete) pode se
caracterizar ainda que a vítima direta do evento danoso sobreviva.
STJ. 4ª
Turma. REsp 1.697.723-RJ, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 1/10/2024 (Info
832).
Treine o assunto estudado:
Banca: Fundação para o Vestibular da Universidade
Estadual Paulista - VUNESP - Prova: VUNESP - Prefeitura de Sorocaba -
Procurador - 2024
Karina estava voltando para casa após um dia de trabalho
quando Maurício, embriagado, colidiu com o seu carro. Em razão do acidente,
Karina perdeu os movimentos em ambas as pernas, de forma permanente. Rafael,
marido de Karina, e Cleusa, mãe de Karina, muito abalados, consultam um
advogado acerca da possibilidade de propositura, em nome próprio, de uma ação
de indenização por danos morais em face de Maurício. Diante da situação
hipotética, considerando o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça,
é correto afirmar que:
É possível que Rafael e Cleusa proponham ações autônomas de
indenização por danos morais em ricochete em face de Maurício. (Correto)