Dizer o Direito

domingo, 17 de novembro de 2024

Um réu ficou sentado de costas para os jurados durante toda a sessão de julgamento no Júri. Essa condenação foi mantida ou anulada pelo STJ?

Imagine a seguinte situação hipotética:

João estava sendo julgado pelo Tribunal do Júri, acusado de feminicídio contra sua ex-companheira.

Durante a sessão de julgamento, João foi posicionado de costas para os sete jurados que compunham o Conselho de Sentença.

Antes do interrogatório, o advogado do réu formulou requerimento ao juiz presidente do Tribunal do Júri pedindo que João pudesse ficar de frente para os jurados, argumentando que o contato visual era importante para um julgamento adequado. Isso porque assim os jurados poderiam avaliar as expressões faciais e reações do réu, essenciais para a compreensão completa de sua versão dos fatos.

O juiz indeferiu o pedido, alegando que não havia previsão legal sobre o posicionamento do réu e que a disposição física no plenário não influenciaria no julgamento.

Após várias horas de julgamento, João foi condenado pelo Conselho de Sentença a 18 anos e 8 meses de reclusão em regime fechado.

O réu recorreu ao Tribunal de Justiça de São Paulo alegando nulidade do julgamento por cerceamento de defesa e violação aos princípios da dignidade humana e plenitude de defesa, mas teve o recurso negado.

A defesa impetrou então habeas corpus no STJ insistindo na alegação de nulidade. Requereu,  a  anulação  do  julgamento, para que fosse determinada a realização de nova sessão plenária.

 

O STJ concordou com os argumentos da defesa?

SIM.

No caso, o paciente foi submetido a julgamento pelo Conselho de Sentença e ficou de costas, situação inadmissível devido ao tratamento oposto ao princípio da presunção de inocência.

O Ministro Ayres Britto já nos ensinou que “a palavra ‘sentença’ deriva do verbo ‘sentir’ e que o sentimento é anterior ao pensamento na vida intrauterina", ou seja, os jurados utilizam todos os seus sentidos para chegaram a um veredicto.

É inconcebível o argumento de que não existiria previsão legal para que o paciente seja julgado com dignidade, valor garantido pela Constituição Federal a todos os cidadãos brasileiros e estrangeiros, ignorando assim vários princípios e direitos assegurados pela Constituição da República e os tratados de Direitos Humanos dos quais o Brasil é signatário.

O julgamento do Tribunal do Júri pode se estender por muitas horas e, durante esse período, os jurados dedicam atenção a todos os ritos, aos advogados e, principalmente, ao acusado, que permanece exposto a análises até a decisão final. Desse modo, o local em que ele fica, a roupa que usa e a utilização de algemas, por exemplo, são fatores simbólicos observáveis e ponderados pelos jurados.

O prejuízo no caso concreto é constatado pelo desrespeito ao princípio da dignidade humana, uma vez que o Poder Judiciário tolheu do paciente a possibilidade de ser visto por seus julgadores, bem como pela condenação que suportou após a deliberação do Conselho de Sentença.

 

Em suma:

É possível a anulação de julgamento realizado pelo Tribunal do Júri quando o réu ficar sentado de costas para os jurados durante a sessão. 

STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 768.422-SP, Rel. Min. Daniela Teixeira, julgado em 10/9/2024 (Info 827).


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