Imagine a seguinte situação
hipotética:
João estava
sendo julgado pelo Tribunal do Júri, acusado de feminicídio contra sua
ex-companheira.
Durante a
sessão de julgamento, João foi posicionado de costas para os sete jurados que
compunham o Conselho de Sentença.
Antes do
interrogatório, o advogado do réu formulou requerimento ao juiz presidente do
Tribunal do Júri pedindo que João pudesse ficar de frente para os jurados,
argumentando que o contato visual era importante para um julgamento adequado. Isso
porque assim os jurados poderiam avaliar as expressões
faciais e reações do réu, essenciais para a compreensão completa de sua versão
dos fatos.
O juiz
indeferiu o pedido, alegando que não havia previsão legal sobre o
posicionamento do réu e que a disposição física no plenário não influenciaria no
julgamento.
Após várias
horas de julgamento, João foi condenado pelo Conselho de Sentença a 18 anos e 8
meses de reclusão em regime fechado.
O réu recorreu
ao Tribunal de Justiça de São Paulo alegando nulidade do julgamento por
cerceamento de defesa e violação aos princípios da dignidade humana e plenitude
de defesa, mas teve o recurso negado.
A defesa
impetrou então habeas corpus no STJ insistindo na alegação de nulidade.
Requereu, a anulação
do julgamento, para que fosse
determinada a realização de nova sessão plenária.
O STJ concordou com os
argumentos da defesa?
SIM.
No caso, o paciente foi submetido
a julgamento pelo Conselho de Sentença e ficou de costas, situação inadmissível
devido ao tratamento oposto ao princípio da presunção de inocência.
O Ministro Ayres Britto já nos
ensinou que “a palavra ‘sentença’ deriva do verbo ‘sentir’ e que o sentimento é
anterior ao pensamento na vida intrauterina", ou seja, os jurados utilizam
todos os seus sentidos para chegaram a um veredicto.
É inconcebível o argumento de que
não existiria previsão legal para que o paciente seja julgado com dignidade,
valor garantido pela Constituição Federal a todos os cidadãos brasileiros e
estrangeiros, ignorando assim vários princípios e direitos assegurados pela
Constituição da República e os tratados de Direitos Humanos dos quais o Brasil
é signatário.
O julgamento do Tribunal do Júri
pode se estender por muitas horas e, durante esse período, os jurados dedicam
atenção a todos os ritos, aos advogados e, principalmente, ao acusado, que
permanece exposto a análises até a decisão final. Desse modo, o local em que
ele fica, a roupa que usa e a utilização de algemas, por exemplo, são fatores
simbólicos observáveis e ponderados pelos jurados.
O prejuízo no caso concreto é
constatado pelo desrespeito ao princípio da dignidade humana, uma vez que o
Poder Judiciário tolheu do paciente a possibilidade de ser visto por seus
julgadores, bem como pela condenação que suportou após a deliberação do Conselho
de Sentença.
Em suma:
É possível a anulação de julgamento realizado pelo
Tribunal do Júri quando o réu ficar sentado de costas para os jurados durante a
sessão.
STJ. 5ª
Turma. AgRg no HC 768.422-SP, Rel. Min. Daniela Teixeira, julgado em 10/9/2024 (Info
827).