quarta-feira, 13 de novembro de 2024
Um imóvel abandonado e usado para o armazenamento de drogas e armas é considerado domicílio e possui a proteção constitucional de inviolabilidade?
Imagine a seguinte situação
hipotética:
A Polícia Militar recebeu uma
“denúncia anônima” (notícia crime apócrifa) indicando que em uma área rural há
um imóvel suspeito de ser usado para armazenamento de drogas e armas.
A denúncia descreve que o local
tem características semelhantes a um “bunker”, um espaço subterrâneo usado para
esconder materiais ilícitos, controlado por uma organização criminosa.
Após monitoramento e investigação
preliminar, os policiais militares decidem ir até o local. Ao chegarem,
percebem que o imóvel está desabitado, sem sinais de moradores, e constatam que
ele não tem móveis ou qualquer indício de ser uma residência. No entanto, o
local está em reforma e possui uma estrutura robusta. A polícia, sem um mandado
judicial, decide entrar no imóvel, pois há fundadas suspeitas de que ali estão
armazenadas drogas e armas.
Ao inspecionar o imóvel, eles
descobrem uma entrada oculta no piso, coberta por uma tampa de concreto que é
levantada com o auxílio de uma retroescavadeira. Abaixo, encontram um depósito
subterrâneo com mais de 450 kg de cocaína, 8 kg de maconha, e uma vasta coleção
de armas de fogo, incluindo fuzis, pistolas e submetralhadoras.
Os responsáveis pelo local são
presos e condenados por tráfico de drogas, posse ilegal de armas e organização
criminosa.
A defesa de um dos condenados impetrou
habeas corpus alegando que as provas obtidas deveriam ser anuladas, pois houve
uma invasão ilegal do “domicílio”, sem um mandado judicial, o que violaria o
direito constitucional à inviolabilidade do lar.
O STJ concordou com os
argumentos da defesa?
NÃO.
O STJ entende que:
A casa abandonada, utilizada com o único propósito de
tráfico de drogas, não é hipótese contemplada pela proteção constitucional da
inviolabilidade de domicílio, prevista no art. 5º, XI, da Constituição da
República.
STJ. 5ª Turma. AgRg no RHC 158.301/RS, Rel. Min. Ribeiro
Dantas, julgado em 29/3/2022.
No caso, não se verifica violação ao art. 5º, XI, da CF/88
nem ao art. 157 do CPP, considerando que a diligência policial ocorreu no
interior de imóvel desabitado, o que afasta deste a proteção constitucional
conferida ao domicílio:
Art. 5º (...)
XI - a casa é asilo inviolável do
indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em
caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o
dia, por determinação judicial;
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas
do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a
normas constitucionais ou legais.
Ficou constatado que o imóvel não
era uma residência. Ao contrário, tratava-se de um “bunker”, ou seja, uma
estrutura fortificada e subterrânea, construída para fins exclusivos de
armazenamento e refino de drogas ilícitas, bem como para guarda de armas de
grosso calibre.
Não há, nos autos, elementos
suficientes para caracterizar o imóvel em questão como um domicílio. Assim, não
é necessário analisar a existência de razões fundadas que justifiquem o
ingresso policial, já que o referido sítio não está protegido pela Constituição.
Além disso, o imóvel estava desabitado e era utilizado para o armazenamento de
grande quantidade de drogas e armamentos.
Em suma:
São lícitas as provas oriundas de diligência
policial, sem mandado de busca e apreensão, realizada no interior de imóvel desabitado,
caracterizado como bunker, e destinado ao armazenamento de drogas e
armas.
STJ. 6ª Turma. HC 860.929-SP, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro,
julgado em 27/8/2024 (Info 826).