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sexta-feira, 15 de novembro de 2024

Se o tribunal acolheu recurso da defesa e retirou circunstância judicial negativa, a pena deverá ser obrigatoriamente reduzida?

1) SE O TRIBUNAL ACOLHEU RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA E RETIROU CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL NEGATIVA, A PENA DEVERÁ SER REDUZIDA

Imagine a seguinte situação hipotética:

João foi denunciado por furto qualificado, nos termos do art. 155, § 4º, I, do Código Penal:

Art. 155 (...)

§ 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:

I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa;

(...)

 

O juiz prolatou sentença condenatória.

Na dosimetria da pena, o magistrado fixou a pena-base de João em 3 anos de reclusão (acima do mínimo legal de 2 anos), por ter reconhecido três circunstâncias judiciais negativas:

1. Culpabilidade (grau de reprovação da conduta);

2. Antecedentes criminais (outras condenações anteriores);

3. Conduta social (comportamento na sociedade).

 

O Ministério Público não recorreu.

João interpôs apelação alegando que a conduta social não poderia ter sido considerada negativa, pois não havia provas concretas nos autos que justificassem essa valoração. O juiz fez meras ilações.

O Tribunal de Justiça concordou com a defesa e afastou a conduta social como circunstância judicial negativa.

Apesar disso, mesmo afastando uma das três circunstâncias negativas, o Tribunal manteve a mesma pena de 3 anos, argumentando que as outras duas circunstâncias (culpabilidade e antecedentes) já seriam suficientes para manter a reprimenda naquele patamar.

 

Agiu corretamente o Tribunal de Justiça?

NÃO. No Tema 1214, o STJ fixou a seguinte regra geral:

É obrigatória a redução proporcional da pena-base quando o Tribunal de segunda instância, em recurso exclusivo da defesa, afastar circunstância judicial negativa reconhecida na sentença.

 

Ao não reduzir proporcionalmente a pena, o Tribunal violou o princípio ne reformatio in pejus, previsto no art. 617 do CPP:

Art. 617. O tribunal, câmara ou turma atenderá nas suas decisões ao disposto nos arts. 383, 386 e 387, no que for aplicável, não podendo, porém, ser agravada a pena, quando somente o réu houver apelado da sentença.

 

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de se debruçar sobre o tema adotando o seguinte entendimento:

É imperiosa a redução proporcional da pena-base quando o Tribunal de origem, em recurso exclusivo da defesa, afastar uma circunstância judicial negativa do art. 59 do CP reconhecida na sentença condenatória.

STJ. 3ª Seção. EREsp 1.826.799-RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Rel. Acd. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 08/09/2021, DJe 08/10/2021 (Info 713).

 

O Tribunal de Justiça manteve a pena no mesmo quantum. Ainda assim, houve reformatio in pejus?

SIM.

Conforme explica o Min. Rogério Schietti:

“Embora seja a sua expressão mais evidente e conhecida, a reformatio in pejus não deve ser vista apenas sob o prisma quantitativo, isto é, no sentido de que o tribunal pode fazer tudo no julgamento do recurso defensivo desde que não aumente a pena global fixada pela instância de origem.

Já há longa data é reconhecida a existência do que se poderia chamar de reformatio in pejus qualitativa, que pode ocorrer mesmo quando a pena final imposta ao acusado resulte igual ou até menor do que a anteriormente fixada.

(...)

Deveras, a reformatio in pejus não ocorre somente quando se ultrapassa, em recurso exclusivo da defesa, a pena geral estabelecida pela instância a quo, mas também quando se valora negativamente circunstância antes não considerada ou se dá peso maior a circunstância já considerada negativa pelo órgão a quo, ainda que a pena final se mantenha inalterada ou até mesmo fique em patamar inferior.”

 

 

2) O TRIBUNAL PODE FAZER A CORREÇÃO DA CLASSIFICAÇÃO DE UM FATO JÁ VALORADO NEGATIVAMENTE PELA SENTENÇA PARA ENQUADRÁ-LO COMO OUTRA CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL

Imagine a seguinte situação hipotética:

Pedro foi condenado em 1ª instância pela prática de roubo.

O juiz, na primeira fase da dosimetria, fixou a pena em 4 anos e 6 meses argumentando que a personalidade de Pedro era uma circunstância judicial negativa considerando que o réu já tinha sido condenado antes por furto, o que demonstraria a sua “personalidade voltada para o crime”.

 

Agiu corretamente o juiz na dosimetria?

NÃO.

A existência de condenações definitivas anteriores não se presta a fundamentar a exasperação da pena-base como personalidade voltada para o crime.

Condenações transitadas em julgado não constituem fundamento idôneo para análise desfavorável da personalidade do agente.

STJ. 6ª Turma. HC 472.654-DF, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 21/02/2019 (Info 643).

 

O MP não recorreu.

O condenado, por sua vez, interpôs apelação para o Tribunal de Justiça.

No recurso, a defesa alegou justamente que a existência de condenação anterior não poderia ser considerada como personalidade negativa.

 

O Tribunal de Justiça concordou com o argumento do réu?

SIM.

O TJ afirmou que a condenação criminal do réu que não foi utilizada para caracterizar a reincidência não pode ser utilizada para desvalorar a personalidade do agente.

Ocorre que o TJ argumentou que essa condenação criminal do réu poderia ser enquadrada como “maus antecedentes” (art. 59 do CP).

Desse modo, o TJ corrigiu a classificação de um fato já valorado negativamente pela sentença (existência de condenação anterior) para enquadrá-lo como outra circunstância judicial (deixou de ser “personalidade” e passou a ser “maus antecedentes”).

Em razão disso, o TJ manteve a pena fixada, mas com fundamento diferente do que foi adotado na sentença.

 

O TJ poderia ter feito isso?

SIM.

No Tema 1214, o STJ decidiu que:

Não implica reformatio in pejus a mera correção da classificação de um fato já valorado negativamente pela sentença para enquadrá-lo como outra circunstância judicial.

 

3) O TRIBUNAL PODE REFORÇAR A FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE DO JUIZ PARA MANTER A VALORAÇÃO NEGATIVA DA CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL

Imagine a seguinte situação hipotética:

Ricardo foi condenado por evasão de divisas, tipificado no parágrafo único do art. 22 da Lei nº 7.492/86:

Art. 22. Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do País:

Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente.

 

Na sentença, o juiz aumentou a pena-base alegando que as circunstâncias eram negativas tendo em vista que o dinheiro foi remetido para o exterior por uma rede clandestina que não permitia a fiscalização pelo Banco Central.

O réu recorreu alegando que essa fundamentação foi deficiente considerando que a evasão de divisas sempre ocorre de forma clandestina, tanto que o tipo exige que os valores não sejam declarados à repartição federal competente.

O Tribunal Regional Federal afirmou que o aumento da pena-base foi correto porque, conforme comprovado nos autos, tratava-se de uma sofisticada rede clandestina, com engenharia financeira empregada e a participação de inúmeras pessoas, o que tornava especialmente difícil (ou quase impossível) a fiscalização.

Perceba que o TRF manteve a valoração negativa, reforçando a fundamentação do magistrado.

 

Isso é permitido?

SIM.

No Tema 1214, o STJ firmou entendimento no sentido de que:

Não implica reformatio in pejus o simples reforço de fundamentação para manter a valoração negativa de circunstância já reputada desfavorável na sentença. 

 

Em suma:

É obrigatória a redução proporcional da pena-base quando o Tribunal de segunda instância, em recurso exclusivo da defesa, afastar circunstância judicial negativa reconhecida na sentença.

Vale ressaltar, contudo, que não haverá reformatio in pejus se o Tribunal de segunda instância, mesmo em recurso exclusivo da defesa:

a) fizer a mera correção da classificação de um fato já valorado negativamente pela sentença para enquadrá-lo como outra circunstância judicial; ou

b) fizer o simples reforço de fundamentação para manter a valoração negativa de circunstância já reputada desfavorável na sentença. 

STJ. 3ª Seção. REsp 2.058.971-MG, REsp 2.058.976-MG e REsp 2.058.970-MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgados em 28/8/2024 (Recurso Repetitivo – Tema 1214) (Info 827).


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