Imagine a seguinte situação
hipotética:
Pablo, criança de 8 anos, é uma
pessoa com síndrome de Down.
O médico que o atende prescreveu um
tratamento multidisciplinar contínuo, incluindo sessões de fonoaudiologia,
fisioterapia e terapia ocupacional para auxiliar em seu desenvolvimento.
O plano de saúde, contudo,
recusou-se a cobrir integralmente o tratamento, alegando que o contrato
limitava o número de sessões anuais para essas terapias.
Além disso, a operadora
argumentou que alguns dos métodos prescritos eram experimentais e envolviam o
uso de órteses e próteses, que estariam expressamente excluídos da cobertura
contratual.
Pablo, representado por seus pais,
ajuizou ação contra o plano pleiteando a cobertura integral do tratamento
prescrito.
O pedido de Pablo encontra
amparo na jurisprudência do STJ?
SIM.
A operadora de saúde tem o dever
de fornecer os tratamentos prescritos, sendo considerada abusiva qualquer limitação
imposta, especialmente quando a restrição do número de sessões de terapia é
incompatível com a função social dos contratos e com os princípios
constitucionais. Isso é ainda mais evidente em contratos de plano de saúde,
como no caso em questão, em que uma criança de apenas 8 (oito) anos de idade,
com deficiência física, tem suas interações sociais diretamente impactadas
pelas limitações de sua condição. Essa situação coloca o paciente em
desvantagem evidente frente ao prestador de serviço, caracterizando-o como um
consumidor vulnerável.
O STJ tem entendimento consolidado
no sentido de que, nos casos de pacientes com Síndrome de Down, o plano de
saúde tem a obrigação de cobrir, de forma ilimitada, as terapias prescritas.
Nesse sentido:
O STJ já concluiu ser abusiva a recusa de cobertura de
sessões de terapias especializadas prescritas para o tratamento de transtorno
do espectro autista (TEA).
Existem diversas manifestações da ANS, no sentido de
reafirmar a importância das terapias multidisciplinares para os portadores de
transtornos globais do desenvolvimento, e de favorecer, por conseguinte, o seu
tratamento integral e ilimitado.
Segundo a diretriz da ANS, o fato de a síndrome de Down não
estar enquadrada na CID F84 (transtornos globais do desenvolvimento) não afasta
a obrigação de a operadora cobrir o tratamento multidisciplinar e ilimitado
prescrito ao beneficiário com essa condição que apresente quaisquer dos
transtornos globais do desenvolvimento.
STJ. 3ª Turma. AgInt no AREsp 2.543.020/SP, Rel. Min. Nancy
Andrighi, julgado em 24/6/2024.
Jurisprudência em Teses (Ed.
213):
12) O fato de a Paralisia Cerebral e a Síndrome de Down não
estarem enquadradas na CID-10 F84 (transtornos globais do desenvolvimento) não
afasta a obrigação de as operadoras de planos de saúde fornecerem cobertura de
terapia multidisciplinar, sem limite de sessões, prescrita a beneficiário.
Em suma:
O plano de saúde é obrigado a cobrir, de forma
ilimitada, as terapias prescritas ao paciente com Síndrome de Down.
STJ. 3ª
Turma. AgInt no AREsp 2.511.984-MS, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em
26/8/2024 (Info 826).
DOD Plus –
informações complementares
Resolução Normativa
539/2022 da ANS
No dia 01/07/2022,
entrou em vigor a Resolução Normativa n. 539/2022, por meio da qual a ANS
ampliou as regras de cobertura para tratamentos de transtornos globais de
desenvolvimento.
Em suma, por meio
dessa RN ficou estabelecida a “cobertura obrigatória em número ilimitado de
sessões para pacientes com transtornos globais do desenvolvimento (CID F84)”.
Nesses casos, a
operadora deverá oferecer o atendimento indicado pelo médico assistente, sem
limitação de sessões.
Mas o que são os
“transtornos globais do desenvolvimento (CID F84)”?
Trata-se de uma
categoria da Classificação Internacional de Doenças e Transtornos Mentais que
inclui diversos transtornos e condições com sintomas semelhantes.
De acordo com a
Classificação Internacional de Doenças (CID-10) são considerados transtornos
globais do desenvolvimento:
• Autismo infantil
(CID 10 – F84.0)
• Autismo atípico
(CID 10 – F84.1)
• Síndrome de Rett
(CID 10 – F84.2)
• Outro transtorno
desintegrativo da infância (CID 10 – F84.3)
• Transtorno com
hipercinesia associada a retardo mental e a movimentos estereotipados (CID 10 –
F84.4)
• Síndrome de
Asperger (CID 10 – F84.5)
• Outros
transtornos globais do desenvolvimento (CID 10 – F84.8)
• Transtornos
globais não especificados do desenvolvimento (CID 10 – F84.9).
Note, portanto, que
a Síndrome de Down não está enquadrada na CID-10 F84.
O fato de a
Síndrome de Down não estar enquadrada na CID-10 F84 (transtornos globais do
desenvolvimento) não afasta a obrigação de as operadoras de planos de saúde
fornecerem cobertura de terapia multidisciplinar, sem limite de sessões,
prescrita a beneficiário
(…) 5. Segundo a
diretriz da ANS, o fato de a paralisia cerebral não estar enquadrada na CID-10
F84 (transtornos globais do desenvolvimento) não afasta a obrigação de a
operadora cobrir o tratamento multidisciplinar e ilimitado prescrito ao
beneficiário com essa condição que apresente quaisquer dos transtornos globais do desenvolvimento.
STJ. 3ª Turma. REsp
2.049.092/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 11/4/2023.
(…) 4. Segundo a
diretriz da ANS, o fato de a síndrome de Down não estar enquadrada na CID F84
(transtornos globais do desenvolvimento) não afasta a obrigação de a operadora
cobrir o tratamento multidisciplinar e ilimitado prescrito ao beneficiário com
essa condição que
apresente quaisquer dos transtornos globais do desenvolvimento.
STJ. 3ª Turma. REsp
2.008.283/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 11/4/2023.
A propósito, não é
outro o entendimento da ANS:
“Importante
esclarecer que as operadoras de planos de saúde não poderão negar atendimento a
pessoas com condições tais como paralisia cerebral e Síndrome de Down que
apresentem transtornos global do desenvolvimento.”
(<https://www.gov.br/ans/pt-br/assuntos/noticias/periodo-eleitoral/ans-amplia-regras-de-cobertura-para-tratamento-de-transtornos-globais-do-desenvolvimento).