Imagine a seguinte situação
hipotética:
João é o proprietário do “Quiosque
do João”, localizado na faixa de areia da Praia Grande, em Arraial do Cabo (RJ).
Durante uma vistoria no local realizada pela Gerência
Regional do Patrimônio da União (GRPU), foi verificado que o quiosque estava
situado em um terreno de marinha, caracterizando uma ocupação irregular, já
que, segundo a Constituição Federal, os terrenos de marinha são considerados
bem da União:
João foi notificado para
desocupar a área, mas não atendeu à determinação.
Diante desse cenário, em
02/02/2009, a União ajuizou, contra João, ação reivindicatória cumulada com
pedido de indenização, buscando imitir-se na posse de área pública
indevidamente ocupada pelo réu.
A indenização foi pleiteada com base no parágrafo único do art.
10 da Lei nº 9.636/98, que prevê a imissão da União na posse de imóveis
ocupados irregularmente e a devida indenização pela posse ilícita:
Lei nº 9.636/98 (dispõe sobre a
regularização, administração, aforamento e alienação de bens imóveis de domínio
da União)
(...)
Art. 10. Constatada a existência de
posses ou ocupações em desacordo com o disposto nesta Lei, a União deverá
imitir-se sumariamente na posse do imóvel, cancelando-se as inscrições
eventualmente realizadas.
Parágrafo único. Até a efetiva
desocupação, será devida à União indenização pela posse ou ocupação ilícita,
correspondente a 10% (dez por cento) do valor atualizado do domínio pleno do
terreno, por ano ou fração de ano em que a União tenha ficado privada da posse
ou ocupação do imóvel, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.
O réu contestou, afirmando ter
autorização municipal para o uso do espaço público. Argumentou, ainda, que o
quiosque funciona no local há 30 anos.
O Juiz Federal julgou os pedidos
parcialmente procedentes:
a) determinou a imissão
definitiva da União na posse da área ocupada irregularmente;
b) rejeitou o pedido da
indenização prevista no parágrafo único do art. 10 da Lei nº 9.636/98.
O TRF da 2ª Região manteve a
sentença alegando que a indenização não era devida, pois foi comprovada a
boa-fé do réu, que possuía autorização de uso concedida pelo município.
Inconformada, a União interpôs
recurso especial, argumentando que a indenização prevista no art. 10 da Lei nº 9.636/98
é objetiva, não dependendo da análise do elemento subjetivo do causador do
ilícito. Segundo a União, o fundamento para a indenização é a privação do uso
público do bem, que foi inviabilizado pela ocupação irregular.
O STJ deu provimento ao
recurso da União? João foi condenado a pagar a indenização?
SIM.
Veja novamente o que diz o parágrafo único do art. 10 da Lei
nº 9.636/1998:
Art. 10. (...)
Parágrafo único. Até a efetiva desocupação,
será devida à União indenização pela posse ou ocupação ilícita, correspondente
a 10% (dez por cento) do valor atualizado do domínio pleno do terreno, por ano
ou fração de ano em que a União tenha ficado privada da posse ou ocupação do
imóvel, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.
Repare que esse dispositivo não
condiciona o pagamento da indenização à presença de má-fé do ocupante irregular
do bem público.
Justamente por causa disso, o STJ
tem o entendimento no sentido de que quem ocupou irregularmente bem da União
deverá pagar a indenização prevista no parágrafo único do art. 10 da Lei nº 9.636/1998,
“independentemente se agiu ou não de boa-fé” (STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp
2.108.652/PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 27/5/2024).
Portanto, constatada a existência
de ocupação irregular, é devida a indenização prevista no parágrafo único do
art. 10 da Lei nº 9.636/1998, pela posse ou ocupação ilícita, independentemente
da comprovação de boa-fé do particular, inclusive quando detém autorização de
uso outorgada por quem não detinha poderes para tanto.
O dispositivo fala que a
indenização é devida “até a efetiva desocupação”. Esse é o termo final para se
calcular a indenização. E qual é o termo inicial? A indenização do parágrafo
único do art. 10 da Lei nº 9.636/1998 é devida desde quando?
O termo inicial da indenização
deve corresponder à data em que o ente federal notificou o particular acerca da
ilegalidade da ocupação ou do ajuizamento da ação reivindicatória.
Em suma:
Constatada a existência de posse ou ocupação ilegal
em um bem da União, a lei impõe três consequências:
1) a União deverá imitir-se sumariamente na posse do
imóvel (em outras palavras, a pessoa deverá desocupar a área e a União assumirá
a posse);
2) deverá ser canceladas as inscrições eventualmente
realizadas;
3) o possuidor ou ocupante irregular pagará uma
indenização à União correspondente a 10% do valor do terreno, por ano (ou parte
de ano) em que a União ficou sem poder usar o imóvel.
Isso está previsto no art. 10, caput e parágrafo
único da Lei nº 9.636/1998.
Quem ocupou irregularmente bem da União deverá pagar
a indenização prevista no parágrafo único do art. 10 da Lei nº 9.636/1998,
independentemente se agiu ou não de boa-fé.
Assim, mesmo que o indivíduo tenha ocupado o imóvel
da União com autorização do Município, ele deverá pagar a indenização.
O termo inicial da indenização deve corresponder à
data em que o ente federal notificou o particular acerca da ilegalidade da
ocupação ou do ajuizamento da ação reivindicatória.
STJ. 2ª
Turma. REsp 1.898.029-RJ, Rel. Min. Afrânio Vilela, julgado em 17/9/2024 (Info
828).