Dizer o Direito

quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Mesmo com autorização do Município e ocupação de boa-fé, quem utiliza área da União irregularmente deve pagar indenização pela posse ilícita.

Imagine a seguinte situação hipotética:

João é o proprietário do “Quiosque do João”, localizado na faixa de areia da Praia Grande, em Arraial do Cabo (RJ).

Durante uma vistoria no local realizada pela Gerência Regional do Patrimônio da União (GRPU), foi verificado que o quiosque estava situado em um terreno de marinha, caracterizando uma ocupação irregular, já que, segundo a Constituição Federal, os terrenos de marinha são considerados bem da União:

Art. 20. São bens da União:

(...)

VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos;

 

João foi notificado para desocupar a área, mas não atendeu à determinação.

Diante desse cenário, em 02/02/2009, a União ajuizou, contra João, ação reivindicatória cumulada com pedido de indenização, buscando imitir-se na posse de área pública indevidamente ocupada pelo réu.

A indenização foi pleiteada com base no parágrafo único do art. 10 da Lei nº 9.636/98, que prevê a imissão da União na posse de imóveis ocupados irregularmente e a devida indenização pela posse ilícita:

Lei nº 9.636/98 (dispõe sobre a regularização, administração, aforamento e alienação de bens imóveis de domínio da União)

(...)

Art. 10. Constatada a existência de posses ou ocupações em desacordo com o disposto nesta Lei, a União deverá imitir-se sumariamente na posse do imóvel, cancelando-se as inscrições eventualmente realizadas.

Parágrafo único. Até a efetiva desocupação, será devida à União indenização pela posse ou ocupação ilícita, correspondente a 10% (dez por cento) do valor atualizado do domínio pleno do terreno, por ano ou fração de ano em que a União tenha ficado privada da posse ou ocupação do imóvel, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.

 

O réu contestou, afirmando ter autorização municipal para o uso do espaço público. Argumentou, ainda, que o quiosque funciona no local há 30 anos.

O Juiz Federal julgou os pedidos parcialmente procedentes:

a) determinou a imissão definitiva da União na posse da área ocupada irregularmente;

b) rejeitou o pedido da indenização prevista no parágrafo único do art. 10 da Lei nº 9.636/98.

 

O TRF da 2ª Região manteve a sentença alegando que a indenização não era devida, pois foi comprovada a boa-fé do réu, que possuía autorização de uso concedida pelo município.

Inconformada, a União interpôs recurso especial, argumentando que a indenização prevista no art. 10 da Lei nº 9.636/98 é objetiva, não dependendo da análise do elemento subjetivo do causador do ilícito. Segundo a União, o fundamento para a indenização é a privação do uso público do bem, que foi inviabilizado pela ocupação irregular.

 

O STJ deu provimento ao recurso da União? João foi condenado a pagar a indenização?

SIM.

Veja novamente o que diz o parágrafo único do art. 10 da Lei nº 9.636/1998:

Art. 10. (...)

Parágrafo único. Até a efetiva desocupação, será devida à União indenização pela posse ou ocupação ilícita, correspondente a 10% (dez por cento) do valor atualizado do domínio pleno do terreno, por ano ou fração de ano em que a União tenha ficado privada da posse ou ocupação do imóvel, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.

 

Repare que esse dispositivo não condiciona o pagamento da indenização à presença de má-fé do ocupante irregular do bem público.

Justamente por causa disso, o STJ tem o entendimento no sentido de que quem ocupou irregularmente bem da União deverá pagar a indenização prevista no parágrafo único do art. 10 da Lei nº 9.636/1998, “independentemente se agiu ou não de boa-fé” (STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 2.108.652/PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 27/5/2024).

Portanto, constatada a existência de ocupação irregular, é devida a indenização prevista no parágrafo único do art. 10 da Lei nº 9.636/1998, pela posse ou ocupação ilícita, independentemente da comprovação de boa-fé do particular, inclusive quando detém autorização de uso outorgada por quem não detinha poderes para tanto.

 

O dispositivo fala que a indenização é devida “até a efetiva desocupação”. Esse é o termo final para se calcular a indenização. E qual é o termo inicial? A indenização do parágrafo único do art. 10 da Lei nº 9.636/1998 é devida desde quando?

O termo inicial da indenização deve corresponder à data em que o ente federal notificou o particular acerca da ilegalidade da ocupação ou do ajuizamento da ação reivindicatória.

 

Em suma:

Constatada a existência de posse ou ocupação ilegal em um bem da União, a lei impõe três consequências:

1) a União deverá imitir-se sumariamente na posse do imóvel (em outras palavras, a pessoa deverá desocupar a área e a União assumirá a posse);

2) deverá ser canceladas as inscrições eventualmente realizadas;

3) o possuidor ou ocupante irregular pagará uma indenização à União correspondente a 10% do valor do terreno, por ano (ou parte de ano) em que a União ficou sem poder usar o imóvel.

Isso está previsto no art. 10, caput e parágrafo único da Lei nº 9.636/1998.

Quem ocupou irregularmente bem da União deverá pagar a indenização prevista no parágrafo único do art. 10 da Lei nº 9.636/1998, independentemente se agiu ou não de boa-fé.

Assim, mesmo que o indivíduo tenha ocupado o imóvel da União com autorização do Município, ele deverá pagar a indenização.

O termo inicial da indenização deve corresponder à data em que o ente federal notificou o particular acerca da ilegalidade da ocupação ou do ajuizamento da ação reivindicatória.

STJ. 2ª Turma. REsp 1.898.029-RJ, Rel. Min. Afrânio Vilela, julgado em 17/9/2024 (Info 828).


Print Friendly and PDF