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terça-feira, 5 de novembro de 2024

Interrupção programada de energia: quando e como a concessionária deve avisar o consumidor?

Imagine a seguinte situação hipotética:

João é um pequeno produtor rural. Ele possui um pequeno imóvel onde cria vacas leiteiras.

Em 15 de março de 2023, a empresa responsável pelo fornecimento de energia elétrica na região, realizou uma interrupção programada no fornecimento de energia por 12 horas para fazer manutenção na rede.

A empresa divulgou a informação sobre o corte programado por meio de anúncios em duas rádios locais nos três dias anteriores à interrupção. Ocorre que João não ouviu os anúncios.

Sem energia elétrica, o resfriador de leite da propriedade de João ficou desligado durante as 12 horas de interrupção, o que causou a perda de 300 litros de leite que estavam armazenados.

Inconformado, João ingressou com ação de indenização por danos contra a empresa, alegando que não foi devidamente notificado sobre a interrupção programada conforme exige a Resolução Normativa nº 1.000/2021, da ANEEL.

O juiz julgou o pedido procedente, sentença mantida pelo Tribunal de Justiça.

A empresa interpôs recurso especial argumentando que o aviso por rádio atendia ao previsto no art. 6º, §3º da Lei nº 8.987/1995, que exige apenas “prévio aviso” sem especificar a forma:

Lei nº 8.987/95 (dispõe sobre as concessões e permissões de serviços públicos):

Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.

(...)

§ 3º Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando:

I - motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e,

II - por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.

 

O STJ concordou com os argumentos da fornecedora?

NÃO.

A interrupção no fornecimento de energia, por motivos técnicos ou de segurança, deve ser precedida de uma notificação à unidade consumidora. O art. 6º, § 3º, I, da Lei nº 8.987/95 estabelece que deve haver um “prévio aviso”, sem especificar o meio pelo qual isso deve ser feito.

Nesse contexto, tanto a Lei de Concessões quanto o Código de Defesa do Consumidor devem ser interpretados no sentido de que o aviso prévio sobre a interrupção programada dos serviços essenciais deve seguir a forma determinada pelo órgão regulador competente. Isso ocorre porque a concessionária cumpre sua obrigação legal ao observar as normas estabelecidas pelo órgão regulador, cujo poder normativo é reconhecido, inclusive, pelo Supremo Tribunal Federal:

As disposições emanadas da Resolução ANTT 233/2003 obedecem às diretrizes legais, na medida em que protegem os interesses dos usuários, relativamente ao zelo pela qualidade e pela oferta de serviços de transportes que atendam a padrões de eficiência, segurança, conforto, regularidade, pontualidade e modicidade das tarifas, assim como a cominação das penas não desborda da parâmetros estabelecidos em lei.

STF. Plenário. ADI 5906, Relator p/ acórdão Min. Alexandre de Moraes, julgado em 6/3/2023.

 

Atualmente, a Resolução Normativa nº 1.000/2021 da ANEEL regula o tema, exigindo que a notificação seja feita por escrito ou de maneira destacada na fatura:

Art. 360. A notificação ao consumidor e demais usuários sobre a suspensão do fornecimento de energia elétrica deve conter:

I - o dia a partir do qual poderá ser realizada a suspensão do fornecimento, exceto no caso de suspensão imediata;

II - o prazo para o encerramento das relações contratuais, conforme art. 140;

III - a informação da cobrança do custo de disponibilidade, conforme art. 322; e

IV - no caso de impedimento de acesso para fins de leitura, as informações do inciso IV do art. 278.

 

§ 1º  A notificação deve ser realizada com antecedência de pelo menos:

I - 3 dias úteis: por razões de ordem técnica ou de segurança; ou

II - 15 dias: nos casos de inadimplemento.

 

§ 2º  A critério da distribuidora, a notificação pode ser:

I - escrita, específica e com entrega comprovada; ou

II - impressa em destaque na fatura.

 

§ 3º  A notificação escrita, específica e com entrega comprovada é obrigatória para:

I - serviço público ou essencial à população e que seja prejudicado com a suspensão do fornecimento, com a notificação devendo ser feita ao poder público competente;

II - unidade consumidora em que existam pessoas usuárias de equipamentos de autonomia limitada, vitais à preservação da vida humana e dependentes de energia elétrica, desde que tenha sido cadastrada previamente junto à distribuidora; e

III - suspensão imediata do fornecimento decorrente da caracterização de situação emergencial.

 

§ 4º Em se tratando de consumidores livres e especiais, inclusive os representados por agentes varejistas, a distribuidora deverá encaminhar notificação a respeito da suspensão do fornecimento de energia elétrica à CCEE, a qual informará ao respectivo agente varejista, se for o caso.

 

É necessária uma interpretação conjunta dos arts. 14 e 22 do Código de Defesa do Consumidor (que tratam da responsabilidade do fornecedor por danos causados ao consumidor por defeitos na prestação dos serviços) e do art. 6º, § 3º, I, da Lei nº 8.987/1995, no sentido de que "o aviso prévio da interrupção programada dos serviços essenciais precisa ser feito na forma determinada pelo órgão regulador".

As Agências Reguladoras, criadas por lei, possuem delegação para exercer poder normativo e regular as áreas de sua competência. No caso em questão, esse poder foi exercido por meio da expedição de Resoluções. Embora esses atos normativos infralegais não possam criar novas normas ou contrariar a legislação vigente, eles expressam o exercício legítimo do poder regulamentar concedido às Agências Reguladoras, ao qual as concessionárias e permissionárias de serviços públicos devem se submeter.

 

Em suma:

Em caso de interrupção programada dos serviços, cabe ao fornecedor de serviços essenciais a obrigação de avisar previamente os consumidores pela forma definida pelo respectivo órgão regulador. 

STJ. 1ª Turma. REsp 1.812.140-RS, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, julgado em 10/9/2024 (Info 826).


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