CAESB
A Companhia de Saneamento Ambiental do
Distrito Federal (CAESB) é uma sociedade de economia mista vinculada ao Governo
do Distrito Federal.
Sua principal finalidade é a gestão das
atividades de saneamento e do fornecimento de água, operando em um regime não
concorrencial e sem intuito lucrativo.
Usucapião
Usucapião é...
- um instituto jurídico por meio do qual a
pessoa que fica na posse de um bem (móvel ou imóvel)
- por determinados anos
- agindo como se fosse dono
- adquire a propriedade deste bem ou outros
direitos reais a ele relacionados (exs: usufruto, servidão)
- desde que cumpridos os requisitos legais.
Existem diversas modalidades de usucapião. Uma delas é a
usucapião extraordinária, prevista no art. 1.238 do Código Civil:
Art. 1.238. Aquele que, por
quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel,
adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo
requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título
para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O prazo
estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver
estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou
serviços de caráter produtivo.
Usucapião extraordinária
Prazos:
• 15 anos de posse (regra)
• 10 anos
O prazo da usucapião extraordinária será de 10
anos se:
a) o possuidor houver estabelecido no imóvel a
sua moradia habitual; OU
b) nele tiver realizado obras ou serviços de
caráter produtivo.
Não se exige que a pessoa prove que tinha um
justo título ou que estava de boa-fé.
Não importa o tamanho do imóvel.
O requisito temporal pode ser completado no
curso do processo (CESPE 2018 TJCE)
Feitos esses esclarecimentos, imagine
a seguinte situação hipotética:
João e sua família moram há mais
de 15 anos em uma área de 7.000 m² localizada nos fundos de um terreno onde
existe um reservatório de água da CAESB (Companhia de Saneamento Ambiental do
Distrito Federal).
Há muitos anos João construiu uma
casa no local e sempre cuidou da área como se fosse proprietário.
Ele ajuizou ação de usucapião
extraordinária contra a CAESB, alegando que preenchia todos os requisitos
legais: posse mansa, pacífica, ininterrupta, com animus domini (intenção
de ser dono) e por prazo superior a 15 anos.
Contestação
A CAESB apresentou contestação
alegando que o terreno em questão é bem público por ser de propriedade de uma
sociedade de economia mista que presta serviço público essencial (abastecimento
de água).
Além disso, a área pleiteada está
afetada à prestação de serviço público, considerando que:
• existe um reservatório de água
no local (Reservatório Catetinho);
• a área é estratégica para
expansão do sistema de abastecimento de água por estar próxima a 11 pontos de
captação;
• o terreno tem localização
topográfica favorável para as atividades da companhia.
O juiz julgou o pedido de
usucapião improcedente, sentença mantida pelo TJDFT.
Ainda inconformado, João interpôs
recurso especial.
O STJ deu provimento ao
recurso de João? É possível a usucapião neste caso?
NÃO.
Conforme já explicado, o imóvel
objeto da demanda é de propriedade da CAESB – sociedade de economia mista,
integrante da Administração Indireta do Distrito Federal, que presta serviço
público em regime não concorrencial na área de saneamento básico.
O art. 102 do CC prevê
expressamente que “os bens públicos não estão sujeitos a usucapião”.
O STJ possui o entendimento de
que:
Os bens integrantes do acervo patrimonial de sociedade de
economia mista sujeitos a uma destinação pública podem ser considerados bens
públicos, insuscetíveis, portanto, de usucapião.
STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 1.719.589/SP, DJe de 12/11/2018.
Os bens integrantes do acervo patrimonial de sociedade de
economia mista não são usucapíveis quando sujeitos a uma destinação pública.
STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 1.769.138/PR, DJe de 31/3/2022.
O que significa dizer que o
bem está sujeito a uma destinação pública?
O STJ tem interpretado amplamente
o conceito de “destinação pública” para afastar a possibilidade de usucapião de
bens pertencentes a empresas estatais.
Um exemplo disso é o julgamento
do REsp 1.874.632/AL, no qual o STJ afirmou que “mesmo o eventual abandono de
imóvel público não possui o condão de alterar a natureza jurídica que o
permeia, pois não é possível confundir a usucapião de bem público com a
responsabilidade da Administração pelo abandono de bem público. Com efeito,
regra geral, o bem público é indisponível [...]. Eventual inércia dos gestores
públicos, ao longo do tempo, não pode servir de justificativa para perpetuar a
ocupação ilícita de área pública, sob pena de se chancelar ilegais situações de
invasão de terras”.
Ainda nesse julgamento, o STJ
entendeu que “os imóveis públicos, mesmo desocupados, possuem finalidade
específica (atender a eventuais necessidades da Administração Pública) ou
genérica (realizar o planejamento urbano ou a reforma agrária). Significa dizer
que, aceitar a usucapião de imóveis públicos, com fundamento na dignidade
humana do usucapiente, é esquecer-se da dignidade dos destinatários da reforma
agrária, do planejamento urbano ou de eventuais beneficiários da utilização do
imóvel, segundo as necessidades da Administração Pública”.
Dessa forma,
quando há um conflito entre direitos fundamentais, como o direito à moradia e a
supremacia do interesse público, deve prevalecer, em regra, o interesse
público, priorizando o bem coletivo sobre os interesses individuais.
Portanto, ao avaliar a destinação
pública de um bem pertencente a uma empresa pública ou sociedade de economia
mista, deve-se considerar a supremacia do interesse público e o potencial uso
do bem para atender a alguma finalidade pública.
O bem está afeto à
prestação de um serviço essencial
O imóvel em questão possui uma
destinação específica voltada à prestação de serviço público de abastecimento.
Ele está vinculado ao fornecimento de água potável à população do Distrito
Federal, sendo parte integrante desse sistema.
A área ocupada pelo autor e sua
família é considerada estratégica para a expansão do sistema de abastecimento
de água, pois está próxima de 11 pontos de captação e apresenta características
topográficas favoráveis para esse fim.
Em suma:
Não há possibilidade de usucapião de imóvel afetado à
finalidade pública essencial pertencente à sociedade de economia mista que atua
em regime não concorrencial.
STJ. 3ª
Turma. REsp 2.173.088-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 8/10/2024 (Info
829).
Jurisprudência em Teses (Ed.
124):
1) Os bens integrantes do acervo patrimonial de sociedades de
economia mista sujeitos a uma destinação pública equiparam-se a bens públicos,
sendo, portanto, insuscetíveis de serem adquiridos por meio de usucapião.