sexta-feira, 29 de novembro de 2024
É nulo processo no qual o juiz, antes da audiência, fez a oitiva informal do adolescente infrator, no corredor do fórum, sem a presença da defesa
Imagine a seguinte situação
hipotética:
Um adolescente respondia ação socioeducativa por ato
infracional análogo ao crime de homicídio qualificado.
Ocorre que, antes de iniciada a audiência na qual as
provas judiciais orais seriam colhidas, o Juiz que conduziria o ato, fora da
sala de audiência, no corredor das dependências do fórum, realizou uma “oitiva
informal” do adolescente infrator, influenciando no depoimento oficial da parte
durante a audiência.
Na sentença, o magistrado aplicou a medida socioeducativa
de internação ao adolescente.
A defesa recorreu ao Tribunal de Justiça. Argumentou,
dentre outros pontos, a nulidade da prova colhida em audiência, que teria sido
influenciada pelo juiz por conta de uma “conversa informal” anterior ao ato.
O TJ, no entanto, afastou a nulidade, por entender que não
se demonstrou “eventual prejuízo processual às partes”:
(...)
II — A proemial de nulidade de prova não merece acolhimento, pois em sede
judicial o magistrado confirmou o relatado em oitiva informal com os réus.
Ademais, não se evidenciou, em nenhum momento, e sequer demonstrado pela
Defesa, eventual prejuízo processual às partes.
III
— In casu, os elementos probatórios reunidos durante todo o iter processual são
suficientes para demonstrar que os representados praticaram ato infracional
análogo ao crime de homicídio qualificado. A aplicação de medida socioeducativa
de internação é imperiosa e está em perfeita consonância com o disposto no
artigo 122, I, do Estatuto da Criança e do Adolescente.
IV
— Recurso conhecido e improvido.
A Defensoria Pública impetrou habeas corpus contra o
acórdão no STJ.
Argumentou, em síntese, que o processo é nulo devido à
obtenção de provas ilícitas.
Aduziu que o magistrado colheu depoimentos informais fora
do processo legal, sem a presença de advogados, violando o devido processo
legal e os direitos dos adolescentes.
O STJ concordou com a Defensoria Pública?
SIM.
No caso, o Tribunal de origem
entendeu não ter havido nulidade pelo motivo de o magistrado responsável pela
instrução realizar oitivas informais dos acusados acerca dos fatos antes da
audiência em continuação.
Contudo, tal entendimento vai de
encontro ao que vem sendo decidido pelo STJ.
Acerca da confissão informal, mutatis
mutandis, vale lembrar que recentemente a Terceira Seção do STJ firmou a
seguinte tese:
A confissão extrajudicial somente será admissível no processo
judicial se feita formalmente e de maneira documentada, dentro de um
estabelecimento estatal público e oficial. Tais garantias não podem ser
renunciadas pelo interrogado e, se alguma delas não for cumprida, a prova será
inadmissível. A inadmissibilidade permanece mesmo que a acusação tente
introduzir a confissão extrajudicial no processo por outros meios de prova
(como, por exemplo, o testemunho do policial que a colheu).
STJ. 3ª Seção. AREsp 2.123.334-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas,
julgado em 20/6/2024 (Info 819).
Ou seja, se a confissão informal
já merece profundo escrutínio quando suscitada em fase extrajudicial e para
acusado maior de idade, com maior razão há de se acautelar em garantia do
devido processo legal quando tais diálogos informais são travados pelo magistrado
que preside o ato e com menor acusado de ato infracional.
Na situação em análise, apurado
que o magistrado responsável por presidir a audiência em continuação, onde as
provas judiciais orais seriam colhidas sob contraditório, atuou de maneira
direta e fora da solenidade, “no corredor” das dependências do fórum, tendo
mencionado tal fato a pretexto de influenciar no depoimento da parte já durante
a audiência, observa-se flagrante descumprimento dos deveres de prudência,
imparcialidade e transparência, a indicar a nulidade do ato.
Portanto, verificada a atuação extra autos do magistrado
que influenciou no depoimento do adolescente infrator, não se pode cogitar da
validade do ato, nem sequer a pretexto de ausência de prejuízo, uma vez que o
entendimento pacífico do STJ é no sentido de que quebra de imparcialidade do
magistrado é causa de nulidade absoluta.
Em suma:
Verificada a atuação extra autos do magistrado que
influencia no depoimento do acusado, não se pode cogitar da validade do ato,
nem sequer a pretexto de ausência de prejuízo, visto que a quebra de
imparcialidade do juiz gera nulidade absoluta.
STJ. 5ª
Turma. AgRg no HC 924.332-MS, Rel. Min. Daniela Teixeira, julgado em 15/10/2024
(Info 830).