Dizer o Direito

quinta-feira, 7 de novembro de 2024

As provas colhidas em inquérito civil possuem valor probatório, mesmo que produzidas unilateralmente pelo Ministério Público? Elas podem fundamentar uma condenação por improbidade administrativa?

Imagine a seguinte situação hipotética:

João era prefeito de um Município do interior do Estado.

Ele determinou a contatação, sem licitação, do escritório de advocacia de seu amigo íntimo Pedro para prestar serviços jurídicos à prefeitura.

Além disso, houve evidências de que o serviço contratado não foi completamente prestado, apesar de valores consideráveis terem sido pagos ao escritório.

O Ministério Público instaurou um inquérito civil para investigar as irregularidades e, diante dos diversos documentos e depoimentos coletados, ingressou com ação de improbidade administrativa contra João.

O juízo de primeiro grau condenou o réu utilizando, como fundamentação, as provas colhidas no inquérito civil. A defesa recorreu, mas a sentença foi mantida pelo Tribunal de Justiça.

Ainda inconformado, João interpôs recurso especial argumentando que:

• as provas colhidas durante o inquérito civil foram produzidas de maneira unilateral pelo Ministério Público, sem a participação direta do réu. Logo, não poderiam ser usadas como fundamento para condenação;

• as provas produzidas durante essa fase investigativa não respeitam o contraditório nem a ampla defesa. Diante disso, deveriam ser relativizadas ou desconsideradas.

 

Em resumo, o recorrente alegou violação à regra do ônus da prova, considerando que sua condenação ocorreu, exclusivamente, com base no inquérito civil, composto de documentos colhidos de modo informal e unilateral pelo Ministério Público, sem observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa.

 

O STJ concordou com os argumentos de João?

NÃO.

 

O que é um inquérito civil?

O inquérito civil é um procedimento administrativo, investigativo, de natureza inquisitorial, instaurado pelo membro do Ministério Público com a finalidade de apurar fatos que podem ser objeto de uma ação civil pública.

 

Características:

    procedimento administrativo;

    investigativo;

    inquisitorial (para a maioria, não existe contraditório e ampla defesa);

    unilateral;

    não obrigatório (facultativo);

    público; e

    exclusivo do Ministério Público (só ele pode instaurar).

 

Regulamentação

• Art. 129, III, da CF/88;

• Art. 8º da Lei nº 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública);

• Art. 6º da Lei nº 7.853/89 (pessoas com deficiência);

• Art. 201, V, da Lei nº 8.069/90 (ECA);

• Art. 6º, VII, da LC nº75/93 (Lei do MPU);

• Art. 25, IV, da Lei nº 8.625/93 (Lei orgânica do MP);

• Art. 74, I, da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso);

• Resolução nº 23/2007-CNMP.

 

Valor do inquérito civil

Conforme explica Hugo Nigro Mazzilli:

“O valor do inquérito civil como prova em juízo decorre de ser uma investigação pública e de caráter oficial. Quando regularmente realizado, o que nele se apurar tem validade e eficácia em juízo, como as perícias e inquirições. Ainda que sirva essencialmente o inquérito civil para preparar a propositura da ação civil pública, as informações nele contidas podem concorrer para formar ou reforçar a convicção do juiz, desde que não colidam com provas de maior hierarquia, como aquelas colhidas sob as garantias do contraditório” (MAZZILLI, Hugo Nigri. O Inquérito Civil. São Paulo: Saraiva, p. 53).

 

No caso concreto, João não produziu qualquer prova que desconstituísse as conclusões aferidas em sede de inquérito cível e corroboradas em juízo. Assim, não havendo contraprova que afaste a presunção relativa das provas produzidas no inquérito civil, elas devem ser preservadas.

 

Em suma:

As provas colhidas em inquérito civil têm valor probatório relativo, podendo o magistrado valer-se de suas informações para formar ou reforçar sua convicção, desde que não colidam com provas de hierarquia superior, como aquelas colhidas sob as garantias do contraditório.

STJ. 2ª Turma. AREsp 1.417.207-MG, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 17/9/2024 (Info 826).

 

No mesmo sentido:

As provas produzidas no inquérito civil público têm valor probatório relativo, mas só devem ser afastadas quando há contraprova produzida sob a vigilância do contraditório.

STJ. 3ª Turma. REsp n. 2.080.523/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/8/2023.


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