Dizer o Direito

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

As astreintes podem ser cobradas em execução provisória?

Imagine a seguinte situação hipotética:

Regina, aposentada da Caixa Econômica Federal, ingressou com ação contra o FUNCEF, fundo de pensão (previdência complementar) do qual fazia parte, alegando que seu benefício mensal estava sendo pago em valor inferior ao devido.

Com os documentos juntados com a petição inicial, ela conseguiu demonstrar que deveria receber R$ 3 mil mensalmente, mas estava recebendo apenas R$ 2 mil.

Em março de 2019, o juiz deferiu tutela provisória de urgência determinando que a FUNCEF:

• aumentasse imediatamente o benefício para R$ 3 mil.

• fixou multa diária (astreintes) de R$ 500,00 em caso de descumprimento.

 

A FUNCEF não cumpriu a determinação judicial, mantendo o pagamento no valor anterior.

 

Tentativa de execução provisória da multa

Após três meses de descumprimento, em junho de 2019, Regina formulou pedido de execução provisória das astreintes, que já somavam R$ 45.000,00 (90 dias x R$ 500,00).

Vale ressaltar que, neste momento, ainda não havia sentença confirmando a tutela provisória.

O juiz autorizou a execução provisória, mesmo sem haver sentença confirmando a tutela provisória.

 

Impugnação da FUNCEF

A FUNCEF apresentou impugnação ao cumprimento provisório, alegando, dentre outros argumentos, que não é possível executar provisoriamente multa fixada em decisão interlocutória.

A FUNCEF afirmou que essa decisão do magistrado está em confronto com o Tema 743 do STJ, na qual ficou decidido que:

A multa cominatória fixada em antecipação de tutela somente poderá ser objeto de execução provisória:

• após a sua confirmação pela sentença de mérito e;

• desde que o recurso eventualmente interposto não seja recebido com efeito suspensivo.

STJ. Corte Especial. REsp 1.200.856-RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 1º/7/2014 (Recurso Repetitivo – Tema 743) (Info 546).

 

Contrarrazões à impugnação

Regina contra-argumentou alegando que:

- passou a existir previsão expressa no CPC/2015 permitindo essa execução provisória:

Art. 537 (...) § 3º A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte.

 

- desse modo, para Regina, com o CPC/2015, para se iniciar a execução provisória não mais seria necessário aguardar a prolação da sentença.

 

O STJ acolheu qual dos argumentos: o da FUNCEF ou de Regina?

O da FUNCEF.

 

Tema 743/STJ

Conforme vimos acima, o STJ, em 2014, fixou o entendimento de que a multa diária, “devida desde o dia em que configurado o descumprimento, quando fixada em antecipação de tutela, somente poderá ser objeto de execução provisória após a sua confirmação pela sentença de mérito e desde que o recurso eventualmente interposto não seja recebido com efeito suspensivo” (STJ. Corte Especial. REsp 1.200.856-RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 1º/7/2014. Recurso Repetitivo – Tema 743).

 

Vale ressaltar que o processo foi julgado na vigência do CPC de 1973 e fez remissão ao inciso art. 475-N do Código passado. O STJ, naquela época, afirmou que o termo “sentença”, previsto no nos arts. 475-N, I, e 475-O do CPC/973, deveria ser interpretado de forma estrita, não ampliativa, razão pela qual era inadmissível a execução provisória de multa fixada por decisão interlocutória em antecipação dos efeitos da tutela, ainda que ocorra a sua confirmação por acórdão.

Ocorre que o CPC/2015 não fala mais em “sentença”, e sim em “decisão”. Compare:

CPC/1973

CPC/2015

Art. 475-N. São títulos executivos judiciais:

I – a sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia;

(...)

Art. 515. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos neste Título:

I - as decisões proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa;

(...)

 

Por essa razão, alguns afirmaram que o Tema 743/STJ teria ficado superado com o CPC/2015. O STJ, contudo, não concordou com isso.

 

O entendimento firmado no Tema 743/STJ não foi superado com o CPC/2015

O CPC/2015 não dispensou a confirmação da multa (obrigação condicional) pelo provimento final (art. 515, I). Não houve modificação desse entendimento da Corte Especial com o advento do novo CPC.

Permitir a exigibilidade imediata das astreintes (multas) independentemente da sentença faz com que o processo foque nos valores acessórios, como as próprias astreintes, em vez da obrigação principal. Isso acaba gerando mais impugnações e recursos, atrasando a resolução do processo e causando tumulto processual. Assim, ao permitir o cumprimento provisório da decisão, sacrifica-se a celeridade processual.

Cobrar a multa logo após o descumprimento sobrecarrega indevidamente o patrimônio da parte, pois a multa está pendente de condição resolutiva.

Impedir a execução provisória da multa não prejudica o cumprimento da obrigação nem enfraquece a decisão judicial, já que a multa está prevista na decisão e começa a valer a partir do descumprimento. Além disso, se a parte insistir em não cumprir, o juiz pode até aumentar o valor da multa.

 

Art. 537, § 3º do CPC/2015 não autoriza a execução provisória das astreintes

O art. 537, § 3º do CPC/2015 prevê:

Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.

(...)

§ 3º A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte.

 

Esse dispositivo legal não acabou com a obrigatoriedade de que se espere a sentença confirmando a decisão liminar. Esse dispositivo tratou apenas de dizer que o levantamento do valor somente pode ser feito após o trânsito em julgado.

 

Em suma:

O CPC/2015 não alterou o entendimento de que a multa diária, quando fixada em antecipação de tutela, somente poderá ser objeto de execução provisória após a sua confirmação pela sentença de mérito e desde que o recurso eventualmente interposto não seja recebido com efeito suspensivo. 

STJ. Corte Especial. EAREsp 1.883.876-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 23/11/2023 (Info 827).


Dizer o Direito!