Imagine a seguinte situação
hipotética:
Regina, aposentada da Caixa
Econômica Federal, ingressou com ação contra o FUNCEF, fundo de pensão
(previdência complementar) do qual fazia parte, alegando que seu benefício
mensal estava sendo pago em valor inferior ao devido.
Com os documentos juntados com a
petição inicial, ela conseguiu demonstrar que deveria receber R$ 3 mil
mensalmente, mas estava recebendo apenas R$ 2 mil.
Em março de 2019, o juiz deferiu
tutela provisória de urgência determinando que a FUNCEF:
• aumentasse imediatamente o
benefício para R$ 3 mil.
• fixou multa diária (astreintes)
de R$ 500,00 em caso de descumprimento.
A FUNCEF não cumpriu a
determinação judicial, mantendo o pagamento no valor anterior.
Tentativa de execução
provisória da multa
Após três meses de
descumprimento, em junho de 2019, Regina formulou pedido de execução provisória
das astreintes, que já somavam R$ 45.000,00 (90 dias x R$ 500,00).
Vale ressaltar que, neste
momento, ainda não havia sentença confirmando a tutela provisória.
O juiz autorizou a execução
provisória, mesmo sem haver sentença confirmando a tutela provisória.
Impugnação da FUNCEF
A FUNCEF apresentou impugnação ao
cumprimento provisório, alegando, dentre outros argumentos, que não é possível
executar provisoriamente multa fixada em decisão interlocutória.
A FUNCEF afirmou que essa decisão
do magistrado está em confronto com o Tema 743 do STJ, na qual ficou decidido
que:
A multa cominatória fixada em antecipação de tutela somente
poderá ser objeto de execução provisória:
• após a sua confirmação pela sentença de mérito e;
• desde que o recurso eventualmente interposto não seja recebido
com efeito suspensivo.
STJ. Corte Especial. REsp 1.200.856-RS, Rel. Min. Sidnei Beneti,
julgado em 1º/7/2014 (Recurso Repetitivo – Tema 743) (Info 546).
Contrarrazões à impugnação
Regina contra-argumentou alegando
que:
- passou a existir previsão expressa no CPC/2015 permitindo
essa execução provisória:
Art. 537 (...) § 3º A decisão que
fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em
juízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença
favorável à parte.
- desse modo, para Regina, com o
CPC/2015, para se iniciar a execução provisória não mais seria necessário
aguardar a prolação da sentença.
O STJ acolheu qual dos
argumentos: o da FUNCEF ou de Regina?
O da FUNCEF.
Tema 743/STJ
Conforme vimos acima, o STJ, em
2014, fixou o entendimento de que a multa diária, “devida desde o dia em que
configurado o descumprimento, quando fixada em antecipação de tutela, somente
poderá ser objeto de execução provisória após a sua confirmação pela sentença
de mérito e desde que o recurso eventualmente interposto não seja recebido com
efeito suspensivo” (STJ. Corte Especial. REsp 1.200.856-RS, Rel. Min. Sidnei
Beneti, julgado em 1º/7/2014. Recurso Repetitivo – Tema 743).
Vale ressaltar que o processo foi
julgado na vigência do CPC de 1973 e fez remissão ao inciso art. 475-N do
Código passado. O STJ, naquela época, afirmou que o termo “sentença”, previsto
no nos arts. 475-N, I, e 475-O do CPC/973, deveria ser interpretado de forma
estrita, não ampliativa, razão pela qual era inadmissível a execução provisória
de multa fixada por decisão interlocutória em antecipação dos efeitos da
tutela, ainda que ocorra a sua confirmação por acórdão.
Ocorre que o CPC/2015 não fala mais em “sentença”, e sim em
“decisão”. Compare:
CPC/1973 |
CPC/2015 |
Art. 475-N. São títulos
executivos judiciais: I – a sentença proferida no processo civil que
reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou
pagar quantia; (...) |
Art. 515. São títulos
executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos
previstos neste Título: I - as decisões proferidas no processo civil que
reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não
fazer ou de entregar coisa; (...) |
Por essa razão, alguns afirmaram
que o Tema 743/STJ teria ficado superado com o CPC/2015. O STJ, contudo, não
concordou com isso.
O entendimento firmado no
Tema 743/STJ não foi superado com o CPC/2015
O CPC/2015 não dispensou a
confirmação da multa (obrigação condicional) pelo provimento final (art. 515,
I). Não houve modificação desse entendimento da Corte Especial com o advento do
novo CPC.
Permitir a exigibilidade imediata
das astreintes (multas) independentemente da sentença faz com que o processo
foque nos valores acessórios, como as próprias astreintes, em vez da obrigação
principal. Isso acaba gerando mais impugnações e recursos, atrasando a
resolução do processo e causando tumulto processual. Assim, ao permitir o
cumprimento provisório da decisão, sacrifica-se a celeridade processual.
Cobrar a multa logo após o
descumprimento sobrecarrega indevidamente o patrimônio da parte, pois a multa
está pendente de condição resolutiva.
Impedir a execução provisória da
multa não prejudica o cumprimento da obrigação nem enfraquece a decisão
judicial, já que a multa está prevista na decisão e começa a valer a partir do
descumprimento. Além disso, se a parte insistir em não cumprir, o juiz pode até
aumentar o valor da multa.
Art. 537, § 3º do CPC/2015
não autoriza a execução provisória das astreintes
O art. 537, § 3º do CPC/2015 prevê:
Art. 537. A multa independe de
requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela
provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e
compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento
do preceito.
(...)
§ 3º A decisão que fixa a multa é
passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido
o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à
parte.
Esse dispositivo legal não acabou
com a obrigatoriedade de que se espere a sentença confirmando a decisão
liminar. Esse dispositivo tratou apenas de dizer que o levantamento do valor
somente pode ser feito após o trânsito em julgado.
Em suma:
O CPC/2015 não alterou o entendimento de que a multa
diária, quando fixada em antecipação de tutela, somente poderá ser objeto de
execução provisória após a sua confirmação pela sentença de mérito e desde que
o recurso eventualmente interposto não seja recebido com efeito
suspensivo.
STJ. Corte
Especial. EAREsp 1.883.876-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Min.
Luis Felipe Salomão, julgado em 23/11/2023 (Info 827).