Dizer o Direito

terça-feira, 19 de novembro de 2024

A Lei 14.843/2024 restringiu a saída temporária. Essa mudança pode ser aplicada para crimes praticados antes da sua vigência (11/04/2024)?

Imagine a seguinte situação hipotética:

Em 2018, João praticou o crime de roubo.

Em 2020, João cometeu outro crime de roubo, desta vez com emprego de arma de fogo.

Ele foi condenado pelos dois crimes de roubo.

Atualmente, João cumpre pena pela prática dos dois crimes de roubo, estando em regime semiaberto.

Em 29/07/2024, o apenado pediu a concessão de saída temporária.

O juiz negou o benefício argumentando que o § 2º do art. 122 da LEP, depois da Lei nº 14.843/2024, proíbe a saída temporária para condenados por crimes hediondos ou cometidos com violência ou grave ameaça contra a pessoa:

Lei de Execução Penal

Da Saída Temporária

Art. 122. Os condenados que cumprem pena em regime semi-aberto poderão obter autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, nos seguintes casos:

(...)

§ 2º Não terá direito à saída temporária a que se refere o caput deste artigo o condenado que cumpre pena por praticar crime hediondo com resultado morte. (Redação antes da Lei nº 14.843, de 2024)

§ 2º Não terá direito à saída temporária de que trata o caput deste artigo ou a trabalho externo sem vigilância direta o condenado que cumpre pena por praticar crime hediondo ou com violência ou grave ameaça contra pessoa. (Redação dada pela Lei nº 14.843, de 2024)

 

Como João praticou roubo com emprego de arma de fogo, não poderia ter direito à saída temporária já que se trata de crime com grave ameaça contra pessoa.

O Tribunal de Justiça manteve a decisão argumentando que, por se tratar de norma processual penal, a alteração promovida pela Lei nº 14.843/2024 aplica-se imediatamente, em conformidade com o princípio do tempus regit actum (art. 2º do CPP).

A Defensoria Pública estadual impetrou habeas corpus alegando que houve constrangimento ilegal, pois o delito pelo qual o paciente cumpre pena foi cometido antes da vigência da Lei nº 14.843/2004. Nesse sentido, aponta a ofensa ao princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa.

 

O STJ concordou com os argumentos da defesa?

SIM.

A Lei nº 14.843/2024, ao modificar o § 2º do art. 122 da Lei de Execução Penal, recrudesce a execução da pena ao vedar a concessão de saídas temporárias para condenados por crimes hediondos ou cometidos com violência ou grave ameaça contra pessoa.

A aplicação retroativa dessa norma constitui novatio legis in pejus, vedada pela Constituição Federal (art. 5º, XL) e pelo Código Penal (art. 2º).

A jurisprudência do STJ e do STF firmou entendimento de que normas mais gravosas não podem retroagir para prejudicar o executado, conforme a Súmula 471/STJ e precedentes correlatos.

No caso concreto, os crimes pelos quais o paciente foi condenado ocorreram antes da vigência da Lei nº 14.843/2024, o que impede a aplicação retroativa das novas restrições à saída temporária.

 

Em suma:

O § 2º do art. 122 da Lei de Execução Penal, com a redação da Lei n. 14.843/2024, torna mais restritiva a execução da pena, restringindo o gozo das saídas temporárias aos condenados por crimes hediondos ou cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, não pode ser aplicado retroativamente a fatos ocorridos antes de sua vigência, em respeito ao princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa. 

STJ. 6ª Turma. HC 932.864-SC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 10/9/2024 (Info 827).


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