Imagine a seguinte situação
hipotética:
Em 2018, João praticou o crime de
roubo.
Em 2020, João cometeu outro crime
de roubo, desta vez com emprego de arma de fogo.
Ele foi condenado pelos dois
crimes de roubo.
Atualmente, João cumpre pena pela
prática dos dois crimes de roubo, estando em regime semiaberto.
Em 29/07/2024, o apenado pediu a concessão
de saída temporária.
O juiz negou o benefício argumentando que o § 2º do art. 122
da LEP, depois da Lei nº 14.843/2024, proíbe a saída temporária para condenados
por crimes hediondos ou cometidos com violência ou grave ameaça contra a pessoa:
Lei de Execução Penal
Da Saída Temporária
Art. 122.
Os condenados que cumprem pena em regime semi-aberto poderão obter autorização para
saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, nos seguintes casos:
(...)
§ 2º Não terá direito à saída
temporária a que se refere o caput deste artigo o condenado que cumpre pena por
praticar crime hediondo com resultado morte. (Redação antes da Lei nº 14.843, de
2024)
§ 2º Não terá
direito à saída temporária de que trata o caput deste artigo ou a trabalho externo
sem vigilância direta o condenado que cumpre pena por praticar crime hediondo
ou com violência ou grave ameaça contra pessoa. (Redação dada pela Lei nº 14.843,
de 2024)
Como João praticou roubo com
emprego de arma de fogo, não poderia ter direito à saída temporária já que se
trata de crime com grave ameaça contra pessoa.
O Tribunal de Justiça manteve a
decisão argumentando que, por se tratar de norma processual penal, a alteração
promovida pela Lei nº 14.843/2024 aplica-se imediatamente, em conformidade com o
princípio do tempus regit actum (art. 2º do CPP).
A Defensoria Pública estadual
impetrou habeas corpus alegando que houve constrangimento ilegal, pois o delito
pelo qual o paciente cumpre pena foi cometido antes da vigência da Lei nº 14.843/2004.
Nesse sentido, aponta a ofensa ao princípio da irretroatividade da lei penal mais
gravosa.
O STJ concordou com os argumentos
da defesa?
SIM.
A Lei nº 14.843/2024, ao
modificar o § 2º do art. 122 da Lei de Execução Penal, recrudesce a execução da
pena ao vedar a concessão de saídas temporárias para condenados por crimes
hediondos ou cometidos com violência ou grave ameaça contra pessoa.
A aplicação retroativa dessa
norma constitui novatio legis in pejus, vedada pela Constituição Federal
(art. 5º, XL) e pelo Código Penal (art. 2º).
A jurisprudência do STJ e do STF
firmou entendimento de que normas mais gravosas não podem retroagir para
prejudicar o executado, conforme a Súmula 471/STJ e precedentes correlatos.
No caso concreto, os crimes pelos
quais o paciente foi condenado ocorreram antes da vigência da Lei nº
14.843/2024, o que impede a aplicação retroativa das novas restrições à saída
temporária.
Em suma:
O § 2º do art. 122 da Lei de Execução Penal, com a
redação da Lei n. 14.843/2024, torna mais restritiva a execução da pena,
restringindo o gozo das saídas temporárias aos condenados por crimes hediondos
ou cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, não pode ser aplicado
retroativamente a fatos ocorridos antes de sua vigência, em respeito ao
princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa.
STJ. 6ª Turma. HC 932.864-SC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior,
julgado em 10/9/2024 (Info 827).