Dizer o Direito

segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Pode a polícia revistar um motoqueiro só por ele usar capacete?

Imagine a seguinte situação adaptada:

Em Lagoa de Itaenga, Município do interior de Pernambuco, policiais militares realizavam rondas quando avistaram dois homens em uma motocicleta, fazendo uso de capacete.

Segundo argumentaram os policiais, utilizar capacete nesse Município, é uma prática incomum e seria mais comumente adotado por delinquentes, que buscam evitar a identificação pessoal.

Diante disso, a guarnição policial considerou a utilização do capacete como atitude suspeita, motivo pelo qual realizou a abordagem.

Durante a revista, os policiais encontraram drogas em posse de João, garupa da moto.

João foi preso em flagrante e, posteriormente, denunciado e condenado por tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006).

O condenado interpôs apelação, mas o Tribunal de Justiça manteve a sentença.

 

Habeas corpus

A defesa impetrou, então, habeas corpus dirigido ao STJ sustentando a nulidade da busca pessoal.

Argumentou que a busca pessoal depende de “fundada suspeita” e que o simples fato de o paciente estar sem capacete não pode ser considerado como “fundada suspeita”.

Logo, para a defesa, a revista pessoal foi ilícita e, portanto, nula. Da mesma forma, são nulos todas as provas decorrentes dessa revista pessoal.

 

O STJ concordou com os argumentos da defesa? Foi tudo anulado?

SIM.

A busca pessoal, à qual se equipara a busca veicular, é regida pelo art. 244 do CPP:

Art. 244.  A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.

 

A partir da leitura desse dispositivo, é possível extrair três hipóteses de busca pessoal sem mandado.

 

Hipóteses de busca pessoal sem mandado

A busca pessoal sem mandado judicial pode ser decretada nas seguintes hipóteses:

a) no caso de prisão (ex: o indivíduo é preso em flagrante, o que autoriza a realização de busca pessoal);

b) quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito; ou

c) quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.

 

A situação em tela se enquadraria, segundo a narrativa dos policiais, na hipótese da letra “b”.

Exige-se, neste caso, a fundada suspeita de que a pessoa abordada esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papeis que constituam corpo de delito.

 

Uso de capacete, por si só, não pode ser considerado como fundada suspeita

O uso de capacete possui previsão expressa

O Tribunal de Justiça entendeu que a fundada suspeita para a abordagem se deu pelo uso dos capacetes, algo incomum na região, e pelo nervosismo do paciente.

Contudo, art. 244 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/1997) prevê o uso obrigatório do capacete, sendo infração gravíssima andar em motocicleta sem ele.

 

Em suma:

Embora não usar capacete seja praxe no local da abordagem, não se pode extrair do uso do equipamento, exclusivamente, a existência de fundada suspeita para justificar busca pessoal. 

STJ. 5ª Turma. AgRg no AgRg no HC 889.619-PE, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 10/6/2024 (Info 823).


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