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segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Para que se aplique o princípio da fungibilidade no processo penal é necessário demonstrar que não houve um erro grosseiro?

Imagine a seguinte situação hipotética:

O Ministério Público ofereceu denúncia contra João pela prática de homicídio.

No final da 1ª fase do procedimento do júri (sumário da culpa), o juiz proferiu sentença de absolvição sumária (art. 415 do CPP).

Confira o que diz o CPP sobre a absolvição sumária:

Art. 415.  O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando:

I – provada a inexistência do fato;

II – provado não ser ele autor ou partícipe do fato;

III – o fato não constituir infração penal;

IV – demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime.

Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV do caput deste artigo ao caso de inimputabilidade prevista no caput do art. 26 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, salvo quando esta for a única tese defensiva.

 

Contra essa sentença, o Ministério Público interpôs recurso em sentido estrito (RESE).

 

Agiu corretamente o MP?

NÃO. Isso porque o recurso cabível era APELAÇÃO, conforme prevê expressamente o art. 416 do CPP:

Art. 416. Contra a sentença de impronúncia ou de absolvição sumária caberá apelação.

 

O Tribunal de Justiça poderia conhecer do RESE como se fosse apelação, aplicando, no caso, o princípio da fungibilidade?

SIM.

 

Princípio da fungibilidade

A ideia do princípio da fungibilidade é a de que parte recorrente não será prejudicada se interpôs o recurso errado, desde que esteja de boa-fé, não tenha sido um erro grosseiro e o recurso incorreto tenha sido manejado no prazo do recurso certo.

O princípio da fungibilidade recursal também é chamado de “teoria do recurso indiferente”, “teoria do tanto vale”, “princípio da permutabilidade dos recursos” ou “princípio da conversibilidade dos recursos”.

Esse princípio tem previsão expressa no art. 579 do CPP:

Art. 579. Salvo a hipótese de má-fé, a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro.

Parágrafo único. Se o juiz, desde logo, reconhecer a impropriedade do recurso interposto pela parte, mandará processá-lo de acordo com o rito do recurso cabível.

 

Aplicação da fungibilidade no processo penal:

1) Ausência de má-fé

Esse requisito está expressamente previsto no art. 579 do CPP.

Vale ressaltar que ausência de má-fé não é sinônimo de erro grosseiro.

Para se analisar se houve, ou não, má-fé, deve-se utilizar, por analogia (art. 3º do CPP), o art. 80 do CPC:

Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que:

I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;

II - alterar a verdade dos fatos;

III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal;

IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo;

V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;

VI - provocar incidente manifestamente infundado;

VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.

 

Nas hipóteses do art. 80 do CPC/2015, não se verifica como litigante de má-fé aquele que incide em erro grosseiro. Logo, o erro grosseiro somente implicará em litigância de má-fé se utilizado para justificar a incidência das hipóteses do art. 80 do CPC/2015.

Exemplo: será possível afastar a incidência do princípio da fungibilidade com base no erro grosseiro na escolha do recurso, desde que verificado o intuito manifestamente protelatório, tal como como ocorre no caso de interposição de agravo regimental em face de acórdão exarado por órgão julgador colegiado.

Conclui-se então que o erro grosseiro, por si só, não obsta a aplicação do princípio da fungibilidade.

 

Em atenção à análise histórica e da conjuntura atual do ordenamento vigente, o princípio da fungibilidade no processo penal deve ser aplicado quando ausente a má-fé e presente o preenchimento dos pressupostos do recurso cabível.

Má-fé não é sinônimo de erro grosseiro.

STJ. 3ª Seção. EDcl no AgRg nos EAREsp 1.240.307-MT, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 8/2/2023 (Info 13 – Edição Extraordinária).

 

O princípio da fungibilidade está previsto nos termos do art. 579, caput e parágrafo único, do CPP, “salvo a hipótese de má-fé, a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro. Se o juiz, desde logo, reconhecer a impropriedade do recurso interposto pela parte, mandará processá-lo de acordo com o rito do recurso cabível”.

A existência de erro grosseiro, por si só, não é fator impeditivo para a aplicação do princípio da fungibilidade. O erro grosseiro obsta a aplicação do referido princípio caso sinalize má-fé ou inviabilize o preenchimento dos pressupostos de admissibilidade do recurso cabível, o que não ocorreu na hipótese.

STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 2.108.099/MG, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 22/8/2023.

 

2) Tempestividade

Trata-se de requisito implícito, que pode ser extraído do parágrafo único do art. 579 do CPP.

Apresentado o pedido após o transcurso do prazo recursal do recurso cabível, inaplicável o princípio da fungibilidade recursal (STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1.059.732/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 6/11/2017).

Nesse sentido:

A jurisprudência desta Corte assinala que é possível a aplicação da fungibilidade no uso do recurso de apelação em detrimento do recurso em sentido estrito, desde que demonstradas a ausência de má-fé e a tempestividade do instrumento processual.

STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 1.541.008/MG, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe de 12/11/2020.

 

É possível a aplicação da fungibilidade no uso do recurso de apelação em detrimento do recurso em sentido estrito, desde que demonstradas a ausência de má-fé e a tempestividade do instrumento processual.

STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 2.011.577-GO, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 27/9/2022 (Info Especial 10).

 

Em suma:

Em sede processual penal, caso verificado que o recurso interposto, embora flagrantemente inadequado (erro grosseiro), foi interposto dentro do prazo do recurso cabível e ostenta os requisitos de admissibilidade daquele reclamo, sendo possível processá-lo de acordo com o rito do recurso cabível, é possível receber tal reclamo no lugar daquele que seria o adequado por força do princípio da fungibilidade recursal, desde que não se verifique intuito manifestamente protelatório, condição apta a caracterizar a má-fé (art. 80 do CPC, c/c o art. 3º do CPP) e a obstar a incidência da norma processual em comento (art. 579 do CPP).

 

Tese fixada:

É adequada a aplicação do princípio da fungibilidade recursal aos casos em que, embora cabível recurso em sentido estrito, a parte impugna a decisão mediante apelação ou vice-versa, desde que observada a tempestividade e os demais pressupostos de admissibilidade do recurso cabível, na forma do art. 579, caput e parágrafo único, do Código de Processo Penal. 

STJ. 3ª Seção. REsp 2.082.481-MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 11/9/2024 (Recurso Repetitivo – Tema 1.219) (Info 825).

 

Voltando ao caso concreto:

No caso concreto, a apelação foi interposta dentro do prazo legal e não foi constatada má-fé por parte do Ministério Público, sendo viável, desse modo, a aplicação do princípio da fungibilidade recursal.

 

DOD Plus – princípio da fungibilidade no processo civil

O princípio da fungibilidade não está previsto de forma específica nem genérica no CPC. Apesar disso, a doutrina admite a sua existência. Nesse sentido:

Enunciado 104-FPPC: O princípio da fungibilidade recursal é compatível com o CPC e alcança todos os recursos, sendo aplicável de ofício.

 

Alguns autores afirmam que o CPC/2015 previu o princípio da fungibilidade de forma específica em dois casos:

• recebimento de embargos de declaração contra decisão monocrática em tribunal como agravo interno (art. 1.024, § 3º);

• recebimento de REsp como RE e vice-versa (arts. 1.032 e 1.033).

 

Com base na jurisprudência do STJ, para a aplicação do princípio da fungibilidade, é necessário o preenchimento dos seguintes requisitos:

a) dúvida objetiva a respeito do recurso cabível;

b) inexistência de erro grosseiro;

c) que o recurso interposto erroneamente tenha sido apresentado no prazo daquele que seria o correto.

 

Nesse sentido:

Como dito na decisão agravada, o recurso cabível na hipótese era o agravo em recurso especial, previsto art. 1.042 do CPC. Por isso, determinou-se a baixa dos autos à origem para exame do agravo , em razão do manifesto erro grosseiro na interposição de agravo interno em recurso especial, o que tornou inaplicável o princípio da fungibilidade, que pressupõe dúvida objetiva a respeito do recurso a ser interposto, inexistência de erro grosseiro e observância do prazo do recurso correto, o que não ocorre na espécie.

STJ. 1ª Turma. AgInt no AREsp 1.985.294/DF, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, julgado em 26/6/2023.


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