Dizer o Direito

domingo, 27 de outubro de 2024

O relacionamento entre adolescente maior de 14 e menor de 18 anos (sugar baby) e um adulto (sugar daddy ou sugar mommy) configura crime?

Imagine a seguinte situação hipotética:

Pedro, 42 anos, estrangeiro, veio para o Brasil a passeio.

Antes da viagem, ele se cadastrou em um site de relacionamentos chamado “Seeking Arrangement”, voltado para conectar “sugar daddies” (homens mais velhos e ricos) com “sugar babies” (mulheres mais jovens em busca de benefícios financeiros).

Por intermédio desse site, Pedro conheceu Letícia, uma adolescente de 14 anos. Letícia sonhava em se tornar uma influenciadora digital.

Pedro, aproveitando-se disso, ofereceu ajudá-la em sua carreira. Além disso, ele comprou bens para a adolescente e pagou sua hospedagem em um hotel de luxo na praia.

Determinado dia, Pedro levou Letícia sozinha para passear na praia, comprou roupas de banho para ela e beberam champanhe juntos. Ao retornarem ao hotel, Pedro beijou Letícia no elevador e a apalpou, sendo flagrado pelas câmeras de segurança.

Mais tarde, policiais foram até o quarto de Pedro após receberem uma denúncia. Eles encontraram Pedro e Letícia completamente nus na cama. Pedro foi preso em flagrante.

No processo criminal, Pedro foi denunciado e condenado pelo crime de favorecimento da exploração sexual de adolescente (art. 218-B, §2º, I do Código Penal):

Art. 218-B.  Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone:

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos.

(...)

§ 2º Incorre nas mesmas penas:

I - quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo;

(...)

 

A defesa recorreu alegando que não houve crime, pois Letícia havia consentido com os atos e a relação era apenas um acordo “sugar” normal.

A condenação foi mantida pelo Tribunal de Justiça.

Ainda inconformado, Pedro interpôs recurso especial.

 

Para o STJ, houve crime? A condenação foi mantida?

SIM.

A dignidade sexual é um valor moral, e o direito penal protege esse valor para garantir os princípios éticos da sociedade. Ao criminalizar atos que violam a dignidade sexual, o legislador reforça o compromisso de proteger os membros mais vulneráveis da sociedade.

O crime de exploração sexual de menores, previsto no art. 218-B, §§ 1º e 2º, do Código Penal, é um exemplo claro da ligação entre direito e moral. O § 1º desse artigo define como crime a prática de conjunção carnal ou outro ato sexual com menor de 18 e maior de 14 anos nas situações descritas no caput. Já o § 2º responsabiliza o dono, gerente ou responsável pelo local onde ocorrem tais práticas.

O crime previsto no art. 218-B, § 2º, I, do CP tem por objetivo tutelar adolescentes entre 14 e 18 anos.

Essa proteção decorre da ideia de que, embora adolescentes possam expressar sua sexualidade, ainda estão em fase de desenvolvimento e, por isso, precisam de cuidados extras para evitar exploração e abuso. A adolescência, entre 14 e 18 anos, é uma fase crítica, marcada por mudanças físicas, emocionais e psicológicas. Nessa etapa, os jovens ainda não têm maturidade plena para tomar decisões complexas, como as que envolvem a sexualidade. A vulnerabilidade pode ser aumentada por fatores como pressão social e a influência de adultos que possam se aproveitar dessa imaturidade.

O objetivo da lei é evitar que adultos usem de poder econômico ou influência para envolver adolescentes em práticas sexuais.

Ao tipificar a conduta de forma clara, a lei busca desestimular comportamentos predatórios e garantir um ambiente seguro para o desenvolvimento saudável dos jovens.

A lei protege a dignidade sexual de adolescentes entre 14 e 18 anos, o que é tanto uma necessidade jurídica quanto moral, especialmente em uma sociedade onde a sexualidade precoce é cada vez mais comum.

O termo "sugar baby" refere-se a um jovem que mantém uma relação com uma pessoa mais velha e financeiramente estável, o "sugar daddy", em que a troca de benefícios materiais é predominante.

Essas relações, geralmente, têm mais a ver com interesses materiais do que com afeto, sendo um acordo consensual entre adultos. A tipificação penal depende do contexto específico de cada caso. Em princípio, nessa relação, mesmo com troca de benefícios materiais, se não houver abuso ou vulnerabilidade, não há crime de exploração sexual, pois as duas partes são adultas e consentem com os termos do relacionamento.

Por outro lado, induzir um adolescente, entre 14 e 18 anos, a praticar ato sexual mediante benefícios econômicos configura o crime previsto no art. 218-B, § 2º, inciso I, do Código Penal. Essa prática, que substitui normas sociais afetivas por uma relação puramente comercial, degrada as relações interpessoais, algo que a lei proíbe.

Assim, induzir adolescentes, entre 14 e 18 anos, a relações sexuais por meio de vantagens econômicas, como no caso de sugar babies, viola os princípios de proteção à dignidade e ao desenvolvimento saudável dos jovens.

 

Em suma:

O relacionamento entre adolescente maior de 14 e menor de 18 anos (sugar baby) e um adulto (sugar daddy ou sugar mommy) que oferece vantagens econômicas configura o tipo penal previsto no art. 218-B, § 2º, I, do Código Penal, porquanto essa relação se constrói a partir de promessas de benefícios econômicos diretos e indiretos, induzindo o menor à prática de conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso. 

STJ. 5ª Turma. AREsp 2.529.631-RJ, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 10/9/2024 (Info 825).


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