Imagine a seguinte situação
hipotética:
Pedro, 42 anos, estrangeiro, veio
para o Brasil a passeio.
Antes da viagem, ele se cadastrou
em um site de relacionamentos chamado “Seeking Arrangement”, voltado para
conectar “sugar daddies” (homens mais velhos e ricos) com “sugar babies”
(mulheres mais jovens em busca de benefícios financeiros).
Por intermédio desse site, Pedro
conheceu Letícia, uma adolescente de 14 anos. Letícia sonhava em se tornar uma
influenciadora digital.
Pedro, aproveitando-se disso,
ofereceu ajudá-la em sua carreira. Além disso, ele comprou bens para a
adolescente e pagou sua hospedagem em um hotel de luxo na praia.
Determinado dia, Pedro levou Letícia
sozinha para passear na praia, comprou roupas de banho para ela e beberam
champanhe juntos. Ao retornarem ao hotel, Pedro beijou Letícia no elevador e a apalpou,
sendo flagrado pelas câmeras de segurança.
Mais tarde, policiais foram até o
quarto de Pedro após receberem uma denúncia. Eles encontraram Pedro e Letícia
completamente nus na cama. Pedro foi preso em flagrante.
No processo criminal, Pedro foi denunciado e condenado pelo
crime de favorecimento da exploração sexual de adolescente (art. 218-B, §2º, I
do Código Penal):
Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou
outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por
enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática
do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a
10 (dez) anos.
(...)
§ 2º Incorre nas mesmas penas:
I - quem pratica conjunção carnal
ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14
(catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo;
(...)
A defesa recorreu alegando que
não houve crime, pois Letícia havia consentido com os atos e a relação era
apenas um acordo “sugar” normal.
A condenação foi mantida pelo
Tribunal de Justiça.
Ainda inconformado, Pedro
interpôs recurso especial.
Para o STJ, houve crime? A
condenação foi mantida?
SIM.
A dignidade sexual é um valor
moral, e o direito penal protege esse valor para garantir os princípios éticos
da sociedade. Ao criminalizar atos que violam a dignidade sexual, o legislador
reforça o compromisso de proteger os membros mais vulneráveis da sociedade.
O crime de exploração sexual de
menores, previsto no art. 218-B, §§ 1º e 2º, do Código Penal, é um exemplo
claro da ligação entre direito e moral. O § 1º desse artigo define como crime a
prática de conjunção carnal ou outro ato sexual com menor de 18 e maior de 14
anos nas situações descritas no caput. Já o § 2º responsabiliza o dono, gerente
ou responsável pelo local onde ocorrem tais práticas.
O crime previsto no art. 218-B, §
2º, I, do CP tem por objetivo tutelar adolescentes entre 14 e 18 anos.
Essa proteção decorre da ideia de
que, embora adolescentes possam expressar sua sexualidade, ainda estão em fase
de desenvolvimento e, por isso, precisam de cuidados extras para evitar
exploração e abuso. A adolescência, entre 14 e 18 anos, é uma fase crítica,
marcada por mudanças físicas, emocionais e psicológicas. Nessa etapa, os jovens
ainda não têm maturidade plena para tomar decisões complexas, como as que
envolvem a sexualidade. A vulnerabilidade pode ser aumentada por fatores como
pressão social e a influência de adultos que possam se aproveitar dessa
imaturidade.
O objetivo da lei é evitar que
adultos usem de poder econômico ou influência para envolver adolescentes em
práticas sexuais.
Ao tipificar a conduta de forma
clara, a lei busca desestimular comportamentos predatórios e garantir um
ambiente seguro para o desenvolvimento saudável dos jovens.
A lei protege a dignidade sexual
de adolescentes entre 14 e 18 anos, o que é tanto uma necessidade jurídica
quanto moral, especialmente em uma sociedade onde a sexualidade precoce é cada
vez mais comum.
O termo "sugar baby"
refere-se a um jovem que mantém uma relação com uma pessoa mais velha e
financeiramente estável, o "sugar daddy", em que a troca de
benefícios materiais é predominante.
Essas relações, geralmente, têm
mais a ver com interesses materiais do que com afeto, sendo um acordo
consensual entre adultos. A tipificação penal depende do contexto específico de
cada caso. Em princípio, nessa relação, mesmo com troca de benefícios materiais,
se não houver abuso ou vulnerabilidade, não há crime de exploração sexual, pois
as duas partes são adultas e consentem com os termos do relacionamento.
Por outro lado, induzir um
adolescente, entre 14 e 18 anos, a praticar ato sexual mediante benefícios
econômicos configura o crime previsto no art. 218-B, § 2º, inciso I, do Código
Penal. Essa prática, que substitui normas sociais afetivas por uma relação
puramente comercial, degrada as relações interpessoais, algo que a lei proíbe.
Assim, induzir adolescentes,
entre 14 e 18 anos, a relações sexuais por meio de vantagens econômicas, como
no caso de sugar babies, viola os princípios de proteção à dignidade e ao
desenvolvimento saudável dos jovens.
Em suma:
O relacionamento entre adolescente maior de 14 e
menor de 18 anos (sugar baby) e um adulto (sugar daddy ou sugar
mommy) que oferece vantagens econômicas configura o tipo penal previsto no
art. 218-B, § 2º, I, do Código Penal, porquanto essa relação se constrói a
partir de promessas de benefícios econômicos diretos e indiretos, induzindo o
menor à prática de conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso.
STJ. 5ª
Turma. AREsp 2.529.631-RJ, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 10/9/2024 (Info
825).