Imagine a seguinte situação
hipotética:
João e sua esposa Regina foram
parados em uma blitz da Polícia Rodoviária Federal.
João, que conduzia o veículo,
apresentava sinais de embriaguez.
Os policiais solicitaram que João
fizesse o teste do bafômetro.
Regina, que era Policial
Rodoviária Federal, mas estava de folga, decide interferir, dizendo ao marido
para se recusar a realizar o teste. Em seguida, ela entrou no posto policial e,
exaltada, apresentou sua identidade funcional, exigindo que seu marido fosse
liberado sem que o bafômetro fosse realizado. Ela falou que, como colega,
merecia um tratamento diferenciado e chega a ofender os policiais, tentando
utilizar seu cargo para obter vantagem pessoal.
Os policiais reportaram o
episódio à corregedoria, que instaurou um Processo Administrativo Disciplinar
(PAD) para apurar a conduta de Regina.
A comissão processante apurou os fatos e emitiu um relatório
sugerindo a aplicação de uma suspensão de 60 dias contra Regina. Isso porque a
comissão processante entendeu que a servidora descumpriu os devedores
capitulados nos arts. 116, II, III e IX, da Lei 8.112/90:
Art. 116. São deveres do
servidor:
(...)
II - ser leal às instituições a
que servir;
III - observar as normas legais e
regulamentares;
(...)
IX - manter conduta compatível
com a moralidade administrativa;
Essa foi a capitulação legal
feita pela comissão.
O Ministro da Justiça, contudo, discordou e alterou a
capitulação legal, aplicando, por consequência, uma penalidade mais severa,
qual seja, a demissão, com base no art. 132, V e XIII da Lei nº 8.112/1990:
Art. 132. A demissão será
aplicada nos seguintes casos:
(...)
V - incontinência pública e
conduta escandalosa, na repartição;
(...)
XIII - transgressão dos incisos
IX a XVI do art. 117.
Art. 117. Ao servidor é proibido:
(...)
IX - valer-se do cargo para
lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função
pública;
Inconformada, Regina impetrou mandado
de segurança alegando que a alteração da classificação jurídica da conduta violou seu direito ao contraditório e à
ampla defesa, e que o PAD deveria ser anulado.
O STJ concordou com os argumentos da impetrante?
NÃO.
O indiciado se defende dos fatos que lhe são imputados e não de sua
classificação legal, de sorte que a posterior alteração da capitulação legal da
conduta não tem o condão de inquinar de nulidade o PAD. A descrição dos fatos
ocorridos, desde que feita de modo a viabilizar a defesa do acusado, afasta a
alegação de ofensa ao princípio da ampla defesa. Nesse sentido:
A ampliação da acusação ou mesmo mudança da tipificação da
conduta infracional não determina a invalidade do procedimento porquanto, como
cediço, o indiciado se defende dos fatos que lhe são imputados e não de sua
classificação legal. A descrição dos fatos ocorridos, desde que feita de modo a
viabilizar a defesa do acusado, afasta a alegação de ofensa ao princípio da
ampla defesa.
STJ. 1ª Seção. MS n.
22.200/DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 28/8/2019.
Jurisprudência em Teses (Ed. 154):
8) No PAD, a alteração da capitulação legal imputada ao acusado
não enseja nulidade, uma vez que o indiciado se defende dos fatos nele
descritos e não dos enquadramentos legais.
Esse é também o entendimento do STF:
Processo administrativo-disciplinar: congruência entre a
indiciação e o fundamento da punição aplicada, que se verifica a partir dos
fatos imputados e não de sua capitulação legal.
STF. Plenário. MS 23.299,
Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgado em 6/3/2002.
STF. 2ª Turma. RMS 24536, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 2/12/2003.
STF. 1ª Turma. RMS 25300 AgR, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 12/11/2018.
Em suma:
Súmula 672-STJ: A alteração da capitulação legal da
conduta do servidor, por si só, não enseja a nulidade do processo
administrativo disciplinar.
STJ. 1ª Seção.
Aprovada em 11/9/2024 (Info 825).