Dizer o Direito

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Comentários à Súmula 672 do STJ

Imagine a seguinte situação hipotética:

João e sua esposa Regina foram parados em uma blitz da Polícia Rodoviária Federal.

João, que conduzia o veículo, apresentava sinais de embriaguez.

Os policiais solicitaram que João fizesse o teste do bafômetro.

Regina, que era Policial Rodoviária Federal, mas estava de folga, decide interferir, dizendo ao marido para se recusar a realizar o teste. Em seguida, ela entrou no posto policial e, exaltada, apresentou sua identidade funcional, exigindo que seu marido fosse liberado sem que o bafômetro fosse realizado. Ela falou que, como colega, merecia um tratamento diferenciado e chega a ofender os policiais, tentando utilizar seu cargo para obter vantagem pessoal.

Os policiais reportaram o episódio à corregedoria, que instaurou um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) para apurar a conduta de Regina.

A comissão processante apurou os fatos e emitiu um relatório sugerindo a aplicação de uma suspensão de 60 dias contra Regina. Isso porque a comissão processante entendeu que a servidora descumpriu os devedores capitulados nos arts. 116, II, III e IX, da Lei 8.112/90:

Art. 116. São deveres do servidor:

(...)

II - ser leal às instituições a que servir;

III - observar as normas legais e regulamentares;

(...)

IX - manter conduta compatível com a moralidade administrativa;

 

Essa foi a capitulação legal feita pela comissão.

O Ministro da Justiça, contudo, discordou e alterou a capitulação legal, aplicando, por consequência, uma penalidade mais severa, qual seja, a demissão, com base no art. 132, V e XIII da Lei nº 8.112/1990:

Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:

(...)

V - incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição;

(...)

XIII - transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117.

 

Art. 117. Ao servidor é proibido:

(...)

IX - valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública;

 

Inconformada, Regina impetrou mandado de segurança alegando que a alteração da classificação jurídica da conduta violou seu direito ao contraditório e à ampla defesa, e que o PAD deveria ser anulado.

 

O STJ concordou com os argumentos da impetrante?

NÃO.

O indiciado se defende dos fatos que lhe são imputados e não de sua classificação legal, de sorte que a posterior alteração da capitulação legal da conduta não tem o condão de inquinar de nulidade o PAD. A descrição dos fatos ocorridos, desde que feita de modo a viabilizar a defesa do acusado, afasta a alegação de ofensa ao princípio da ampla defesa. Nesse sentido:

A ampliação da acusação ou mesmo mudança da tipificação da conduta infracional não determina a invalidade do procedimento porquanto, como cediço, o indiciado se defende dos fatos que lhe são imputados e não de sua classificação legal. A descrição dos fatos ocorridos, desde que feita de modo a viabilizar a defesa do acusado, afasta a alegação de ofensa ao princípio da ampla defesa.

STJ. 1ª Seção. MS n. 22.200/DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 28/8/2019.

 

Jurisprudência em Teses (Ed. 154):

8) No PAD, a alteração da capitulação legal imputada ao acusado não enseja nulidade, uma vez que o indiciado se defende dos fatos nele descritos e não dos enquadramentos legais.

 

Esse é também o entendimento do STF:

Processo administrativo-disciplinar: congruência entre a indiciação e o fundamento da punição aplicada, que se verifica a partir dos fatos imputados e não de sua capitulação legal. 

STF. Plenário. MS 23.299, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgado em 6/3/2002.

STF. 2ª Turma. RMS 24536, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 2/12/2003.

STF. 1ª Turma. RMS 25300 AgR, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 12/11/2018.

 

Em suma:

Súmula 672-STJ: A alteração da capitulação legal da conduta do servidor, por si só, não enseja a nulidade do processo administrativo disciplinar.

STJ. 1ª Seção. Aprovada em 11/9/2024 (Info 825).


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