Dizer o Direito

domingo, 6 de outubro de 2024

A Súmula 231 do STJ estabelece que “A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”. Essa súmula ainda é válida?

Sistema trifásico de dosimetria da pena

A dosimetria da pena na sentença obedece a um critério trifásico:

1ª fase (PENA-BASE): o juiz calcula a pena-base de acordo com as circunstâncias judiciais do art. 59, CP;

2ª fase (PENA PROVISÓRIA): o juiz aplica as agravantes e atenuantes;

3ª fase (PENA DEFINITIVA): o juiz aplica as causas de aumento e de diminuição.

 

Segunda fase (agravantes e atenuantes)

As agravantes estão previstas taxativamente (exaustivamente) nos arts. 61, 62, 63 e 64 do Código Penal.

As atenuantes, por outro lado, estão listadas em um rol exemplificativo no art. 65 do CP.

 

Qual é a fração de aumento para cada agravante ou de diminuição para cada atenuante?

O Código Penal não estabelece. No entanto, o STJ costuma aplicar a fração de 1/6, pois esse é o menor índice previsto legalmente para causas de aumento ou diminuição de pena.

 

Na 2ª fase da dosimetria, a pena não pode ficar abaixo nem acima do limite mínimo legal

Imagine a seguinte situação hipotética:

João foi condenado por roubo (art. 157 do CP), cuja pena varia de 4 a 10 anos.

Na 1ª fase da dosimetria da pena, o magistrado entendeu que as circunstâncias judiciais eram favoráveis e fixou a pena-base em 4 anos.

Na 2ª fase, o juiz identificou a existência de uma atenuante, qual seja, o fato de o réu ter confessado espontaneamente a autoria do crime (art. 65, III, “d”, do CP). Ocorre que a pena já veio da 1ª fase no mínimo legal (4 anos).

Diante disso indaga-se: será possível que o juiz, por reconhecer essa atenuante, reduza a pena para um patamar mais baixo que o mínimo legalmente previsto? Será possível que o magistrado fixe a pena em 3 anos e 4 meses? Não. O STJ possui o entendimento sumulado de que:

Súmula 231-STJ: A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal.

Aprovada em 22/09/1999, DJ 15/10/1999.

 

Críticas da doutrina a esse entendimento

Diversos doutrinadores criticam esse entendimento.

Argumentam que:

• a lei não proíbe que a as atenuantes reduzam a pena abaixo do mínimo legal;

• o art. 65 do Código Penal afirma que as circunstâncias descritas em seus incisos “sempre atenuam a pena”. “Sempre” significa em todos os casos. Logo, o art. 65 deixaria claro que as atenuantes reduzem a pena em qualquer situação, sem exceção;

• a súmula violaria o princípio constitucional da individualização da pena (art. 5º, XLVI, da CF), que exige que a pena seja adequada às particularidades do caso concreto. A proibição de fixar pena abaixo do mínimo legal compromete essa individualização, ao impedir que o juiz considere adequadamente as circunstâncias específicas do réu;

• ao impedir a redução da pena por atenuantes, a súmula pode resultar em penas desproporcionais ao grau de culpabilidade do agente;

• a aplicação inflexível da súmula poderia gerar tratamentos desiguais, uma vez que réus em situações distintas, mas sujeitos ao mesmo tipo penal, receberiam sanções idênticas;

• a súmula desincentiva confissões e reparações de danos, que são circunstâncias atenuantes previstas na legislação penal. A manutenção do enunciado esvazia políticas penais colaborativas e impede reflexos positivos na dosimetria da pena.

 

A 3ª Seção do STJ concordou com esses argumentos? A súmula 231 do STJ está superada?

NÃO.

 

A incidência de circunstância atenuante não pode reduzir a pena abaixo do mínimo legal, conforme o entendimento vinculante do STF no Tema 158

Inicialmente, cumpre esclarecer que o STF já decidiu que o entendimento manifestado na súmula 231 do STJ é válido:

Circunstância atenuante genérica não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal.

STF. Plenário. RE 597270 QO-RG, Rel. Min. CEZAR PELUSO, julgado em 26/03/2009 (Repercussão Geral – Tema 158).

 

Vale ressaltar que o recurso extraordinário acima discutia justamente a validade da Súmula nº 231 do STJ. O recorrente alegava que esse entendimento contrariava a Constituição Federal, mas o recurso foi desprovido.

Logo, deve o STJ seguir o mesmo entendimento firmado pelo STF.

 

O STJ não possui competência para revisar precedentes vinculantes fixados pelo STF

Ante a existência de tese em repercussão geral com redação coincidente com o enunciado de Súmula 231, é inviável a revisão da temática pelo STJ, em respeito à eficácia vinculante do precedente e à estabilidade, à integridade e à coerência do sistema de uniformização instituído pelo legislador.

 

Além do que foi explicado acima, não há motivos para se modificar o entendimento da Súmula 231

Além disso, não há razões para modificar o entendimento consolidado na súmula, uma vez que os fundamentos e o contexto econômico, político, cultural e social relacionados ao tema não sofreram alterações significativas.

A individualização da pena possui três planos. O legal, em que o legislador dispõe, abstratamente, sobre os parâmetros da pena. O Judicial, em que o magistrado concretiza, a partir de seu livre convencimento motivado, a pena a ser imposta. E o executivo, também de competência de um juiz, em que a pena é efetivamente aplicada.

Se o juiz, na segunda fase de dosimetria, fixar a pena fora dos limites previstos na lei, o magistrado estaria violando o princípio da legalidade. Isso seria uma indevida interferência na função legislativa, pois criaria parâmetros distintos daqueles estabelecidos pelo Poder Legislativo para cada delito.

 

Como interpretar a expressão sempre atenuam a pena prevista no art. 65 do CP?

Os termos “sempre agravam a pena” e “sempre atenuam a pena”, contidos nos arts. 61 e 65 do Código Penal, devem ser entendidos como obrigando o julgador a aplicar as circunstâncias agravantes ou atenuantes, não sendo possível afastá-las, ainda que com fundamentação. No entanto, isso não significa que a pena possa ser reduzida abaixo do mínimo legal ou aumentada além do máximo.

Assim, a atenuante sempre reduz a pena, desde que respeitado o limite mínimo.

 

Proibição da proteção insuficiente

Outro ponto relevante é que permitir a redução da pena abaixo do mínimo legal poderia resultar em uma proteção insuficiente dos bens jurídicos penalmente tutelados. Isso porque, ao tentar garantir um direito ou evitar um excesso, tal entendimento poderia, de forma indireta, enfraquecer a resposta estatal na proteção desses bens.

 

Interpretação sistemática e teleológica

Dessa maneira, à luz de uma interpretação sistemática e teleológica, a tentativa de superação da Súmula nº 231 do STJ não encontra amparo jurídico, pois desconsidera a metodologia do Código Penal e os limites constitucionais estabelecidos pela separação dos poderes.

 

Em suma:

A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal. 

STJ. 3ª Seção. REsp 1.869.764-MS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Rel. para acórdão Min. Messod Azulay Neto, julgado em 14/8/2024 (Info 823).

 

Não confundir:

• Na 1ª fase da dosimetria da pena (circunstâncias judiciais): a pena não pode ficar abaixo nem acima dos limites legais.

• Na 2ª fase da dosimetria (agravantes e atenuantes): a pena também não pode ficar abaixo nem acima dos limites legais.

• Na 3ª fase da dosimetria (causas de aumento e de diminuição): aqui é diferente. Na 3ª fase da dosimetria, a pena pode ficar abaixo do limite mínimo legal ou acima do limite máximo.


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