Sistema trifásico de
dosimetria da pena
A dosimetria da pena na sentença
obedece a um critério trifásico:
1ª fase (PENA-BASE): o juiz
calcula a pena-base de acordo com as circunstâncias judiciais do art. 59, CP;
2ª fase (PENA PROVISÓRIA): o juiz
aplica as agravantes e atenuantes;
3ª fase (PENA DEFINITIVA): o juiz
aplica as causas de aumento e de diminuição.
Segunda fase (agravantes e
atenuantes)
As agravantes estão previstas
taxativamente (exaustivamente) nos arts. 61, 62, 63 e 64 do Código Penal.
As atenuantes, por outro lado,
estão listadas em um rol exemplificativo no art. 65 do CP.
Qual é a fração de aumento
para cada agravante ou de diminuição para cada atenuante?
O Código Penal não estabelece. No
entanto, o STJ costuma aplicar a fração de 1/6, pois esse é o menor índice
previsto legalmente para causas de aumento ou diminuição de pena.
Na 2ª fase da dosimetria, a
pena não pode ficar abaixo nem acima do limite mínimo legal
Imagine a seguinte situação
hipotética:
João foi condenado por roubo
(art. 157 do CP), cuja pena varia de 4 a 10 anos.
Na 1ª fase da dosimetria da pena,
o magistrado entendeu que as circunstâncias judiciais eram favoráveis e fixou a
pena-base em 4 anos.
Na 2ª fase, o juiz identificou a
existência de uma atenuante, qual seja, o fato de o réu ter confessado
espontaneamente a autoria do crime (art. 65, III, “d”, do CP). Ocorre que a
pena já veio da 1ª fase no mínimo legal (4 anos).
Diante disso indaga-se: será
possível que o juiz, por reconhecer essa atenuante, reduza a pena para um
patamar mais baixo que o mínimo legalmente previsto? Será possível que o
magistrado fixe a pena em 3 anos e 4 meses? Não. O STJ possui o entendimento
sumulado de que:
Súmula 231-STJ: A incidência da circunstância atenuante não pode
conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal.
Aprovada em 22/09/1999, DJ 15/10/1999.
Críticas da doutrina a esse
entendimento
Diversos doutrinadores criticam
esse entendimento.
Argumentam que:
• a lei não proíbe que a as
atenuantes reduzam a pena abaixo do mínimo legal;
• o art. 65 do Código Penal
afirma que as circunstâncias descritas em seus incisos “sempre atenuam a pena”.
“Sempre” significa em todos os casos. Logo, o art. 65 deixaria claro que as
atenuantes reduzem a pena em qualquer situação, sem exceção;
• a súmula violaria o princípio
constitucional da individualização da pena (art. 5º, XLVI, da CF), que exige
que a pena seja adequada às particularidades do caso concreto. A proibição de
fixar pena abaixo do mínimo legal compromete essa individualização, ao impedir
que o juiz considere adequadamente as circunstâncias específicas do réu;
• ao impedir a redução da pena
por atenuantes, a súmula pode resultar em penas desproporcionais ao grau de
culpabilidade do agente;
• a aplicação inflexível da
súmula poderia gerar tratamentos desiguais, uma vez que réus em situações
distintas, mas sujeitos ao mesmo tipo penal, receberiam sanções idênticas;
• a súmula desincentiva
confissões e reparações de danos, que são circunstâncias atenuantes previstas
na legislação penal. A manutenção do enunciado esvazia políticas penais
colaborativas e impede reflexos positivos na dosimetria da pena.
A 3ª Seção do STJ concordou
com esses argumentos? A súmula 231 do STJ está superada?
NÃO.
A incidência de
circunstância atenuante não pode reduzir a pena abaixo do mínimo legal,
conforme o entendimento vinculante do STF no Tema 158
Inicialmente, cumpre esclarecer
que o STF já decidiu que o entendimento manifestado na súmula 231 do STJ é
válido:
Circunstância atenuante genérica não pode conduzir à redução da
pena abaixo do mínimo legal.
STF. Plenário. RE 597270 QO-RG, Rel. Min. CEZAR PELUSO, julgado
em 26/03/2009 (Repercussão Geral – Tema 158).
Vale ressaltar que o recurso
extraordinário acima discutia justamente a validade da Súmula nº 231 do STJ. O
recorrente alegava que esse entendimento contrariava a Constituição Federal,
mas o recurso foi desprovido.
Logo, deve o STJ seguir o mesmo
entendimento firmado pelo STF.
O STJ não possui
competência para revisar precedentes vinculantes fixados pelo STF
Ante a existência de tese em
repercussão geral com redação coincidente com o enunciado de Súmula 231, é inviável
a revisão da temática pelo STJ, em respeito à eficácia vinculante do precedente
e à estabilidade, à integridade e à coerência do sistema de uniformização
instituído pelo legislador.
Além do que foi explicado
acima, não há motivos para se modificar o entendimento da Súmula 231
Além disso, não há razões para modificar
o entendimento consolidado na súmula, uma vez que os fundamentos e o contexto
econômico, político, cultural e social relacionados ao tema não sofreram
alterações significativas.
A individualização da pena possui
três planos. O legal, em que o legislador dispõe, abstratamente, sobre os
parâmetros da pena. O Judicial, em que o magistrado concretiza, a partir de seu
livre convencimento motivado, a pena a ser imposta. E o executivo, também de
competência de um juiz, em que a pena é efetivamente aplicada.
Se o juiz, na segunda fase de
dosimetria, fixar a pena fora dos limites previstos na lei, o magistrado
estaria violando o princípio da legalidade. Isso seria uma indevida
interferência na função legislativa, pois criaria parâmetros distintos daqueles
estabelecidos pelo Poder Legislativo para cada delito.
Como interpretar a
expressão sempre atenuam a pena prevista no art. 65 do CP?
Os termos “sempre agravam a pena”
e “sempre atenuam a pena”, contidos nos arts. 61 e 65 do Código Penal, devem
ser entendidos como obrigando o julgador a aplicar as circunstâncias agravantes
ou atenuantes, não sendo possível afastá-las, ainda que com fundamentação. No
entanto, isso não significa que a pena possa ser reduzida abaixo do mínimo
legal ou aumentada além do máximo.
Assim, a atenuante sempre reduz a
pena, desde que respeitado o limite mínimo.
Proibição da proteção
insuficiente
Outro ponto relevante é que
permitir a redução da pena abaixo do mínimo legal poderia resultar em uma
proteção insuficiente dos bens jurídicos penalmente tutelados. Isso porque, ao
tentar garantir um direito ou evitar um excesso, tal entendimento poderia, de
forma indireta, enfraquecer a resposta estatal na proteção desses bens.
Interpretação sistemática e
teleológica
Dessa maneira, à luz de uma
interpretação sistemática e teleológica, a tentativa de superação da Súmula nº
231 do STJ não encontra amparo jurídico, pois desconsidera a metodologia do
Código Penal e os limites constitucionais estabelecidos pela separação dos
poderes.
Em suma:
A incidência da circunstância atenuante não pode
conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal.
STJ. 3ª Seção.
REsp 1.869.764-MS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Rel. para acórdão Min.
Messod Azulay Neto, julgado em 14/8/2024 (Info 823).
Não confundir:
• Na 1ª fase da dosimetria da
pena (circunstâncias judiciais): a pena não pode ficar abaixo nem acima dos
limites legais.
• Na 2ª fase da dosimetria
(agravantes e atenuantes): a pena também não pode ficar abaixo nem acima dos
limites legais.
• Na 3ª fase da dosimetria
(causas de aumento e de diminuição): aqui é diferente. Na 3ª fase da
dosimetria, a pena pode ficar abaixo do limite mínimo legal ou acima do limite
máximo.