Dizer o Direito

terça-feira, 29 de outubro de 2024

A sentença trabalhista meramente homologatória de acordo serve como início de prova material para fins previdenciários?

Imagine a seguinte situação hipotética:

João requereu administrativamente sua aposentadoria do INSS.

A autarquia previdenciária entendeu que o período de 01/07/2006 a 01/07/2008, que João alegava ter trabalhado para a Alfa Ltda não estava comprovado. Isso porque no CNIS esse período não aparecia.

 

“O Extrato de Contribuição (CNIS), também conhecido como Extrato Previdenciário, é um documento que apresenta o histórico de todas as contribuições à Previdência Social brasileira do cidadão. Ele informa todos os vínculos, remunerações e contribuições previdenciárias do cidadão.” (https://www.gov.br/pt-br/servicos-estaduais/emitir-extrato-de-contribuicao-cnis)

 

Inconformado, João ingressou com ação contra o INSS pedindo que esse período fosse reconhecido para fins previdenciários. Qual foi o documento que o autor apresentou para comprovar esse tempo de contribuição? Uma sentença trabalhista homologatória de acordo firmado entre João e a Alfa Ltda.

Explicando melhor isso:

- João ingressou com reclamação trabalhista contra a Alfa Ltda dizendo que trabalhou na empresa entre 01/07/2006 a 01/07/2008;

- antes que fossem ouvidas testemunhas ou produzidas provas, a Alfa fez um acordo com João reconhecendo que ele teria trabalhado na empresa durante o período reclamado;

- com isso, a Alfa aceitou assinar a CTPS de João retroativamente;

- o Juiz do Trabalho, sem analisar provas, homologou esse acordo, ou seja, disse que não havia empecilhos formais para a sua celebração e que ele poderia produzir efeitos para fins trabalhistas;

- essa é a sentença trabalhista homologatória de acordo.

 

O pedido de João deverá ser obrigatoriamente acolhido já que existe essa sentença trabalhista homologatória de acordo? A sentença trabalhista homologatória de acordo deve ser considerada, por si só, como início válido de prova para comprovar o tempo de contribuição para fins previdenciários?

NÃO.

A resposta para essa pergunta se encontra no § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/91:

Art. 55 (...)

§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os fins desta Lei, inclusive mediante justificativa administrativa ou judicial, observado o disposto no art. 108 desta Lei, só produzirá efeito quando for baseada em início de prova material contemporânea dos fatos, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, na forma prevista no regulamento. (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)

 

Com base nesse dispositivo, a jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que:

A sentença trabalhista somente será admitida como início de prova material caso ela tenha sido fundada em outros elementos de prova que evidenciem o labor exercido na função e no período alegado pelo segurado.

STJ. 1ª Turma.  AgInt no AREsp 1.078.726/PE Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 01/10/2020.

 

Assim, se, no processo trabalhista não houve instrução probatória, com início de prova material, e não houve exame do mérito da demanda no qual o juiz tenha reconhecido que houve exercício da atividade laboral, apontando o trabalho desempenhado, no período correspondente etc., não se pode considerar exista início válido de prova material apto à comprovação de tempo de serviço, na forma do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91.

O STJ, a partir da interpretação da legislação de regência, conclui que o início de prova material é aquele realizado mediante documentos que comprovem o exercício de atividade nos períodos a serem contados.

Na ausência de instrução probatória adequada, incluindo início de prova material e exame de mérito da demanda trabalhista, não é possível poderá considerar a existência de um início válido de prova material que demonstre efetivamente o exercício da atividade laboral no período correspondente. Isso significa que a sentença trabalhista meramente homologatória do acordo não constitui início válido de prova material, apto à comprovação do tempo de serviço, na forma do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91, uma vez que, na prática, equivale à homologação de declaração das partes, reduzida a termo, exceto na hipótese de ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito devidamente comprovado.

Mutatis mutandis, foi o raciocínio que inspirou a súmula 149 do STJ:

Súmula 149-STJ: A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário.

 

A jurisprudência do STJ, embora não exija que o documento apresentado como início de prova material abranja todo o lapso controvertido, considera indispensável a sua contemporaneidade com os fatos alegados, devendo, assim, corresponder, pelo menos, a uma fração do período alegado, corroborado por idônea e robusta prova testemunhal, que amplie sua eficácia probatória.

 

Em suma:

• Regra geral: a sentença trabalhista homologatória de acordo, assim como a anotação na CTPS e demais documentos dela decorrentes, somente poderão ser consideradas como início de prova material válida quando houver elementos probatórios contemporâneos aos fatos alegados e que sejam aptos a demonstrar o tempo de serviço no período.

• Exceção: em situações de caso fortuito ou força maior, essa regra pode ser flexibilizada.

 

De acordo com a parte final do § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/91, em situações de caso fortuito ou força maior, o tempo poderia ser comprovado com prova exclusivamente testemunhal.

Ex1: se os registros de uma empresa foram destruídos em um incêndio (caso fortuito).

Ex: se a empresa fechou suas portas ou faliu, sem deixar registros ou documentos disponíveis (força maior).

 

Não houve no voto uma discussão mais aprofundada sobre o que constituiria caso fortuito ou força maior nem como essa flexibilização aconteceria. O relator parece ter incluído essa exceção na tese para manter consistência com a legislação existente, que já prevê essa possibilidade.

 

Tese fixada:

A sentença trabalhista homologatória de acordo, assim como a anotação na CTPS e demais documentos dela decorrentes, somente será considerada início de prova material válida, conforme o disposto no art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/91, quando houver nos autos elementos probatórios contemporâneos aos fatos alegados e que sejam aptos a demonstrar o tempo de serviço no período que se pretende reconhecer na ação previdenciária, exceto na hipótese de caso fortuito ou força maior. 

STJ. 1ª Seção. REsps 1.938.265-MG e 2.056.866-SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 11/9/2024 (Recurso Repetitivo – Tema 1.188) (Info 825).


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