Imagine a seguinte situação
hipotética:
João requereu administrativamente
sua aposentadoria do INSS.
A autarquia previdenciária
entendeu que o período de 01/07/2006 a 01/07/2008, que João alegava ter
trabalhado para a Alfa Ltda não estava comprovado. Isso porque no CNIS esse
período não aparecia.
“O Extrato de
Contribuição (CNIS), também conhecido como Extrato Previdenciário, é um
documento que apresenta o histórico de todas as contribuições à Previdência
Social brasileira do cidadão. Ele informa todos os vínculos, remunerações e
contribuições previdenciárias do cidadão.” (https://www.gov.br/pt-br/servicos-estaduais/emitir-extrato-de-contribuicao-cnis)
Inconformado, João ingressou com
ação contra o INSS pedindo que esse período fosse reconhecido para fins
previdenciários. Qual foi o documento que o autor apresentou para comprovar
esse tempo de contribuição? Uma sentença trabalhista homologatória de acordo
firmado entre João e a Alfa Ltda.
Explicando melhor isso:
- João ingressou com reclamação
trabalhista contra a Alfa Ltda dizendo que trabalhou na empresa entre 01/07/2006
a 01/07/2008;
- antes que fossem ouvidas
testemunhas ou produzidas provas, a Alfa fez um acordo com João reconhecendo
que ele teria trabalhado na empresa durante o período reclamado;
- com isso, a Alfa aceitou
assinar a CTPS de João retroativamente;
- o Juiz do Trabalho, sem
analisar provas, homologou esse acordo, ou seja, disse que não havia empecilhos
formais para a sua celebração e que ele poderia produzir efeitos para fins
trabalhistas;
- essa é a sentença trabalhista
homologatória de acordo.
O pedido de João deverá ser
obrigatoriamente acolhido já que existe essa sentença trabalhista homologatória
de acordo? A sentença trabalhista homologatória de acordo deve ser considerada,
por si só, como início válido de prova para comprovar o tempo de contribuição
para fins previdenciários?
NÃO.
A resposta para essa pergunta se encontra no § 3º do art. 55
da Lei nº 8.213/91:
Art. 55 (...)
§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os fins
desta Lei, inclusive mediante justificativa administrativa ou judicial,
observado o disposto no art. 108 desta Lei, só produzirá efeito quando for baseada em início de
prova material contemporânea dos fatos, não admitida a prova
exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou
caso fortuito, na forma prevista no regulamento. (Redação dada pela Lei nº
13.846, de 2019)
Com base nesse dispositivo, a
jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que:
A sentença trabalhista somente será admitida como início de
prova material caso ela tenha sido fundada em outros elementos de prova que
evidenciem o labor exercido na função e no período alegado pelo segurado.
STJ. 1ª Turma. AgInt no
AREsp 1.078.726/PE Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 01/10/2020.
Assim, se, no processo
trabalhista não houve instrução probatória, com início de prova material, e não
houve exame do mérito da demanda no qual o juiz tenha reconhecido que houve
exercício da atividade laboral, apontando o trabalho desempenhado, no período
correspondente etc., não se pode considerar exista início válido de prova
material apto à comprovação de tempo de serviço, na forma do art. 55, § 3º, da
Lei nº 8.213/91.
O STJ, a partir da interpretação
da legislação de regência, conclui que o início de prova material é aquele
realizado mediante documentos que comprovem o exercício de atividade nos
períodos a serem contados.
Na ausência de instrução
probatória adequada, incluindo início de prova material e exame de mérito da
demanda trabalhista, não é possível poderá considerar a existência de um início
válido de prova material que demonstre efetivamente o exercício da atividade
laboral no período correspondente. Isso significa que a sentença trabalhista
meramente homologatória do acordo não constitui início válido de prova
material, apto à comprovação do tempo de serviço, na forma do art. 55, § 3º, da
Lei nº 8.213/91, uma vez que, na prática, equivale à homologação de declaração
das partes, reduzida a termo, exceto na hipótese de ocorrência de motivo de
força maior ou caso fortuito devidamente comprovado.
Mutatis mutandis, foi o
raciocínio que inspirou a súmula 149 do STJ:
Súmula 149-STJ: A prova exclusivamente testemunhal não basta a
comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício
previdenciário.
A jurisprudência do STJ, embora
não exija que o documento apresentado como início de prova material abranja
todo o lapso controvertido, considera indispensável a sua contemporaneidade com os fatos alegados,
devendo, assim, corresponder, pelo menos, a uma fração do período alegado,
corroborado por idônea e robusta prova testemunhal, que amplie sua eficácia
probatória.
Em suma:
• Regra geral: a sentença
trabalhista homologatória de acordo, assim como a anotação na CTPS e demais
documentos dela decorrentes, somente poderão ser consideradas como início de
prova material válida quando houver elementos probatórios contemporâneos aos
fatos alegados e que sejam aptos a demonstrar o tempo de serviço no período.
• Exceção: em situações de caso
fortuito ou força maior, essa regra pode ser flexibilizada.
De acordo com a parte final do §
3º do art. 55 da Lei nº 8.213/91, em situações de caso fortuito ou força maior,
o tempo poderia ser comprovado com prova exclusivamente testemunhal.
Ex1: se os registros de uma
empresa foram destruídos em um incêndio (caso fortuito).
Ex:
se a empresa fechou suas portas ou faliu, sem deixar registros ou documentos
disponíveis (força maior).
Não houve no voto uma discussão
mais aprofundada sobre o que constituiria caso fortuito ou força maior nem como
essa flexibilização aconteceria. O relator parece ter incluído essa exceção na
tese para manter consistência com a legislação existente, que já prevê essa
possibilidade.
Tese fixada:
A sentença trabalhista homologatória de acordo, assim
como a anotação na CTPS e demais documentos dela decorrentes, somente será
considerada início de prova material válida, conforme o disposto no art. 55, §
3º, da Lei n. 8.213/91, quando houver nos autos elementos probatórios
contemporâneos aos fatos alegados e que sejam aptos a demonstrar o tempo de
serviço no período que se pretende reconhecer na ação previdenciária, exceto na
hipótese de caso fortuito ou força maior.
STJ. 1ª Seção.
REsps 1.938.265-MG e 2.056.866-SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em
11/9/2024 (Recurso Repetitivo – Tema 1.188) (Info 825).