ENTENDENDO A SÚMULA 439 DO STJ
A súmula 439 do STJ foi aprovada
em 28/04/2010 (DJe 13/05/2010) e possui a seguinte
redação:
Súmula 439-STJ: Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do
caso, desde que em decisão motivada.
Vamos entender com calma a sua amplitude e o impacto que foi produzido
pela Lei nº 11.843/2024:
O que é exame criminológico?
Trata-se de um exame
- feito no condenado
- por um profissional
- com o objetivo de verificar
- se este apenado tem aptidão
física e psíquica para progredir de regime.
A doutrina afirma que se trata
de um exame de cunho biopsicossocial do criminoso a fim de formar um
diagnóstico de sua personalidade e, assim, obter um prognóstico criminal.
Desse modo, tem por objetivo
detalhar a personalidade do delinquente, sua imputabilidade ou não, o teor de
sua periculosidade, a sensibilidade à pena e a probabilidade de sua correção
(PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual
esquemático de criminologia. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012).
A partir disso, o exame
criminológico fornece subsídios para o magistrado decidir se deve ou não
conceder a progressão de regime.
Breve histórico do exame
criminológico na legislação
Redação original da LEP:
O art. 112 da Lei de Execuções
Penais, em sua redação original, mencionava expressamente o exame criminológico
para a progressão de regime.
Veja a redação que perdurou de 1984 a 2003:
Art. 112. (...)
Parágrafo único. A decisão será
motivada e precedida de parecer da Comissão Técnica de Classificação e do exame criminológico, quando
necessário.
Lei 10.792/2003:
A Lei nº 10.792/2003 alterou esse art. 112 e deixou de mencionar
a possibilidade de exigir exame criminológico. Veja como ficou a redação do
art. 112 após a Lei nº 10.792/2003:
Art. 112. A pena privativa de
liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime
menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao
menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento
carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas
que vedam a progressão. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 2003)
Mesmo após a Lei nº 10.792/2003
continuou sendo possível exigir o exame criminológico?
SIM. A jurisprudência se firmou
no sentido de que, mesmo após a Lei nº 10.792/2003, o exame criminológico ainda
poderia ser realizado se o juiz, de forma fundamentada e excepcional, entendesse
que a perícia era absolutamente necessária para a formação de seu
convencimento.
Em suma, a Lei nº 10.792/2003
não dispensou, mas apenas tornou facultativa a realização do exame
criminológico, que ainda poderia ser feito para a aferição da personalidade e
do grau de periculosidade do sentenciado.
Nesse sentido, em 28/04/2010, o
STJ aprovou o seguinte enunciado espelhando essa conclusão:
Súmula 439-STJ: Admite-se o exame criminológico pelas
peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada.
Há também uma súmula do STF, aprovada
em 16/12/2009, que indica a possibilidade da realização do exame criminológico:
Súmula vinculante 26: Para efeito de progressão de regime de
cumprimento de pena, por crime hediondo ou equiparado, praticado antes de 29 de
marco de 2007, o juiz da execução, ante a inconstitucionalidade do artigo 2º,
parágrafo 1º da Lei 8.072/90, aplicará o artigo 112 da Lei de Execuções Penais,
na redação original, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche ou não os
requisitos objetivos e subjetivos do benefício podendo determinar para tal fim,
de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.
Assim, mesmo após a Lei nº
10.792/2003, continuou sendo possível que o juiz negasse a progressão de regime
com base no exame criminológico:
Esta Corte possui o entendimento de que o resultado desfavorável
de exame criminológico justifica a negativa de progressão de regime por falta
de requisito subjetivo.
STJ. 5ª Turma. AgRg no HC n. 870.417/SP, Rel. Min. Joel Ilan
Paciornik, julgado em 5/12/2023.
STJ. 6ª Turma. AgRg no HC n. 848.737/SP, Rel. Min. Rogerio
Schietti Cruz, julgado em 2/10/2023.
Lei nº 14.843/2024
O exame criminológico passou a ser obrigatório para que o apenado
tenha direito à progressão de regime.
LEP
Art. 112. (...)
§ 1º Em todos os casos, o apenado
somente terá direito à progressão de regime se ostentar boa conduta carcerária,
comprovada pelo diretor do estabelecimento, e pelos
resultados do exame criminológico, respeitadas as normas que vedam a
progressão. (redação dada Lei nº 14.843/2023)
Como fica agora a súmula 439 do STJ?
Fica superada, em parte.
A súmula dizia que o juiz
somente poderia exigir o exame criminológico se houvesse necessidade diante das
peculiaridades do caso concreto, devendo, para isso, prolatar decisão
fundamentada.
Com a Lei nº 14.843/2024, o
juiz deverá exigir o exame criminológico em todas as situações de progressão de
regime e, somente se for dispensar o exame, é que deverá fundamentar essa
excepcionalidade com base nas peculiaridades do caso.
A
Lei nº 14.843/2024 entrou em vigor no dia 11/04/2024.
EXPLICAÇÃO DO
JULGADO
Imagine a seguinte situação hipotética:
João possui duas condenações
definitivas, que totalizam 22 anos, 11 meses e 12 dias de pena, em regime
fechado.
Após diversos anos de cumprimento
de pena, João cumpriu o requisito objetivo para a progressão de regime.
No dia 13/04/2024, João pleiteou
a progressão de regime ao juízo da execução penal.
No dia 23/05/2024, o juízo da
execução determinou a realização de exame criminológico para avaliar o
requisito subjetivo para a progressão de regime, conforme determinação da Lei 14.843/2024,
que entrou em vigor no dia 11/04/2024.
Confira a decisão do magistrado:
A
transferência para regime menos rigoroso exige o cumprimento dos requisitos
objetivo e subjetivo, conforme estabelece o art. 112 da Lei de Execução Penal.
A
Lei nº 18.843/2024, de vigência imediata, acrescentou no § 1º do art. 112 da
LEP a exigência de exame criminológico como condição obrigatória para avaliação
do requisito subjetivo na progressão de regime.
Assim,
considerando o disposto no art. 112, § 1º, da LEP, DETERMINO a realização de
exame criminológico, a fim de aferir o preenchimento do requisito subjetivo
para progredir de regime.
Após,
oficie-se ao estabelecimento prisional onde o sentenciado encontra-se
recolhido, para que viabilize a realização do exame criminológico, encaminhando
relatório conclusivo a este Juízo no prazo de 15 (quinze) dias.
A defesa de João impetrou habeas
corpus. Argumentou que os crimes foram cometidos pelo paciente em momento
anterior ao da atual redação trazida pela Lei nº 14.843/2024, que é mais
gravosa. Por isso, não poderia o paciente ser submetido e regido por lei
prejudicial e posterior à data do cometimento dos crimes, conforme art. 5º, XL,
da Constituição Federal, que estabelece o princípio da irretroatividade da lei
penal.
No caso de João, a realização do
exame criminológico somente poderia ser determinada de forma fundamentada,
conforme a Súmula 439 do STJ: Admite-se o exame criminológico pelas
peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada.
O STJ concordou com os
argumentos da defesa?
SIM.
A exigência de realização de
exame criminológico para toda e qualquer progressão de regime, nos termos da
Lei nº 14.843/2024, constitui novatio legis in pejus, pois incrementa
requisito, tornando mais difícil alcançar regimes prisionais menos gravosos à
liberdade.
Por essa razão, a retroatividade
dessa norma se mostra inconstitucional, diante do art. 5º, XL, da Constituição
Federal, e ilegal, nos termos do art. 2º do Código Penal.
Para situações anteriores à
edição da nova lei permanece a possibilidade de exigência da realização do
exame criminológico, desde que devidamente motivada, nos termos da Súmula
439/STJ.
No caso, todas as condenações do
reeducando são anteriores à Lei nº 14.843/2024, não sendo aplicável a
disposição legal de forma retroativa.
Note-se que nessa mesma linha, o
STJ considerou inaplicável a Lei nº 11.464/2007 aos casos anteriores à sua
publicação, pois incrementou requisitos para progressão dos condenados por
crimes hediondos. Esse entendimento levou à edição da Súmula 471/STJ.
Em suma:
A realização do exame criminológico para a progressão
de regime, nas condutas anteriores à edição da Lei nº 14.843/2024, exige
decisão motivada, nos termos da Súmula 439/STJ.
STJ. 6ª Turma. RHC 200.670-GO, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior,
julgado em 20/8/2024 (Info 824).