Dizer o Direito

terça-feira, 15 de outubro de 2024

A realização do exame criminológico para a progressão de regime, nas condutas anteriores à edição da Lei 14.843/2024, exige decisão motivada, nos termos da Súmula 439/STJ

ENTENDENDO A SÚMULA 439 DO STJ

A súmula 439 do STJ foi aprovada em 28/04/2010 (DJe 13/05/2010) e possui a seguinte redação:

Súmula 439-STJ: Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada.

 

Vamos entender com calma a sua amplitude e o impacto que foi produzido pela Lei nº 11.843/2024:

 

O que é exame criminológico?

Trata-se de um exame

- feito no condenado

- por um profissional

- com o objetivo de verificar

- se este apenado tem aptidão física e psíquica para progredir de regime.

 

A doutrina afirma que se trata de um exame de cunho biopsicossocial do criminoso a fim de formar um diagnóstico de sua personalidade e, assim, obter um prognóstico criminal.

Desse modo, tem por objetivo detalhar a personalidade do delinquente, sua imputabilidade ou não, o teor de sua periculosidade, a sensibilidade à pena e a probabilidade de sua correção (PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual esquemático de criminologia. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012).

A partir disso, o exame criminológico fornece subsídios para o magistrado decidir se deve ou não conceder a progressão de regime.

 

Breve histórico do exame criminológico na legislação

Redação original da LEP:

O art. 112 da Lei de Execuções Penais, em sua redação original, mencionava expressamente o exame criminológico para a progressão de regime.

Veja a redação que perdurou de 1984 a 2003:

Art. 112. (...)

Parágrafo único. A decisão será motivada e precedida de parecer da Comissão Técnica de Classificação e do exame criminológico, quando necessário.

 

Lei 10.792/2003:

A Lei nº 10.792/2003 alterou esse art. 112 e deixou de mencionar a possibilidade de exigir exame criminológico. Veja como ficou a redação do art. 112 após a Lei nº 10.792/2003:

Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 2003)

 

Mesmo após a Lei nº 10.792/2003 continuou sendo possível exigir o exame criminológico?

SIM. A jurisprudência se firmou no sentido de que, mesmo após a Lei nº 10.792/2003, o exame criminológico ainda poderia ser realizado se o juiz, de forma fundamentada e excepcional, entendesse que a perícia era absolutamente necessária para a formação de seu convencimento.

Em suma, a Lei nº 10.792/2003 não dispensou, mas apenas tornou facultativa a realização do exame criminológico, que ainda poderia ser feito para a aferição da personalidade e do grau de periculosidade do sentenciado.

Nesse sentido, em 28/04/2010, o STJ aprovou o seguinte enunciado espelhando essa conclusão:

Súmula 439-STJ: Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada.

 

Há também uma súmula do STF, aprovada em 16/12/2009, que indica a possibilidade da realização do exame criminológico:

Súmula vinculante 26: Para efeito de progressão de regime de cumprimento de pena, por crime hediondo ou equiparado, praticado antes de 29 de marco de 2007, o juiz da execução, ante a inconstitucionalidade do artigo 2º, parágrafo 1º da Lei 8.072/90, aplicará o artigo 112 da Lei de Execuções Penais, na redação original, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche ou não os requisitos objetivos e subjetivos do benefício podendo determinar para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.

 

Assim, mesmo após a Lei nº 10.792/2003, continuou sendo possível que o juiz negasse a progressão de regime com base no exame criminológico:

Esta Corte possui o entendimento de que o resultado desfavorável de exame criminológico justifica a negativa de progressão de regime por falta de requisito subjetivo.

STJ. 5ª Turma. AgRg no HC n. 870.417/SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 5/12/2023.

STJ. 6ª Turma. AgRg no HC n. 848.737/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 2/10/2023.

 

Lei nº 14.843/2024

O exame criminológico passou a ser obrigatório para que o apenado tenha direito à progressão de regime.

 

LEP

Art. 112. (...)

§ 1º Em todos os casos, o apenado somente terá direito à progressão de regime se ostentar boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento, e pelos resultados do exame criminológico, respeitadas as normas que vedam a progressão. (redação dada Lei nº 14.843/2023)

 

Como fica agora a súmula 439 do STJ?

Fica superada, em parte.

A súmula dizia que o juiz somente poderia exigir o exame criminológico se houvesse necessidade diante das peculiaridades do caso concreto, devendo, para isso, prolatar decisão fundamentada.

Com a Lei nº 14.843/2024, o juiz deverá exigir o exame criminológico em todas as situações de progressão de regime e, somente se for dispensar o exame, é que deverá fundamentar essa excepcionalidade com base nas peculiaridades do caso.

A Lei nº 14.843/2024 entrou em vigor no dia 11/04/2024.

 

EXPLICAÇÃO DO JULGADO

Imagine a seguinte situação hipotética:

João possui duas condenações definitivas, que totalizam 22 anos, 11 meses e 12 dias de pena, em regime fechado.

Após diversos anos de cumprimento de pena, João cumpriu o requisito objetivo para a progressão de regime.

No dia 13/04/2024, João pleiteou a progressão de regime ao juízo da execução penal.

No dia 23/05/2024, o juízo da execução determinou a realização de exame criminológico para avaliar o requisito subjetivo para a progressão de regime, conforme determinação da Lei 14.843/2024, que entrou em vigor no dia 11/04/2024.

Confira a decisão do magistrado:

A transferência para regime menos rigoroso exige o cumprimento dos requisitos objetivo e subjetivo, conforme estabelece o art. 112 da Lei de Execução Penal.

A Lei nº 18.843/2024, de vigência imediata, acrescentou no § 1º do art. 112 da LEP a exigência de exame criminológico como condição obrigatória para avaliação do requisito subjetivo na progressão de regime.

Assim, considerando o disposto no art. 112, § 1º, da LEP, DETERMINO a realização de exame criminológico, a fim de aferir o preenchimento do requisito subjetivo para progredir de regime.

Após, oficie-se ao estabelecimento prisional onde o sentenciado encontra-se recolhido, para que viabilize a realização do exame criminológico, encaminhando relatório conclusivo a este Juízo no prazo de 15 (quinze) dias.

 

A defesa de João impetrou habeas corpus. Argumentou que os crimes foram cometidos pelo paciente em momento anterior ao da atual redação trazida pela Lei nº 14.843/2024, que é mais gravosa. Por isso, não poderia o paciente ser submetido e regido por lei prejudicial e posterior à data do cometimento dos crimes, conforme art. 5º, XL, da Constituição Federal, que estabelece o princípio da irretroatividade da lei penal.

No caso de João, a realização do exame criminológico somente poderia ser determinada de forma fundamentada, conforme a Súmula 439 do STJ: Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada.

 

O STJ concordou com os argumentos da defesa?

SIM.

A exigência de realização de exame criminológico para toda e qualquer progressão de regime, nos termos da Lei nº 14.843/2024, constitui novatio legis in pejus, pois incrementa requisito, tornando mais difícil alcançar regimes prisionais menos gravosos à liberdade.

Por essa razão, a retroatividade dessa norma se mostra inconstitucional, diante do art. 5º, XL, da Constituição Federal, e ilegal, nos termos do art. 2º do Código Penal.

Para situações anteriores à edição da nova lei permanece a possibilidade de exigência da realização do exame criminológico, desde que devidamente motivada, nos termos da Súmula 439/STJ.

No caso, todas as condenações do reeducando são anteriores à Lei nº 14.843/2024, não sendo aplicável a disposição legal de forma retroativa.

Note-se que nessa mesma linha, o STJ considerou inaplicável a Lei nº 11.464/2007 aos casos anteriores à sua publicação, pois incrementou requisitos para progressão dos condenados por crimes hediondos. Esse entendimento levou à edição da Súmula 471/STJ.

 

Em suma:

A realização do exame criminológico para a progressão de regime, nas condutas anteriores à edição da Lei nº 14.843/2024, exige decisão motivada, nos termos da Súmula 439/STJ. 

STJ. 6ª Turma. RHC 200.670-GO, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 20/8/2024 (Info 824).


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