Dizer o Direito

sábado, 12 de outubro de 2024

A imunidade musical somente se aplica para fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil; mídias importadas, mesmo que contenham obras de artistas nacionais, não gozam da imunidade tributária

IMUNIDADE MUSICAL

O que é imunidade tributária?

Imunidade tributária consiste na determinação de que certas atividades, rendas, bens ou pessoas não poderão sofrer a incidência de tributos.

Trata-se de uma dispensa constitucional de tributo.

A imunidade é uma limitação ao poder de tributar, sendo sempre prevista na própria CF.

 

Imunidade tributária musical

A EC 75/2013 inseriu a alínea “e” no inciso VI do art. 150 da CF/88, criando nova espécie de imunidade tributária. Veja:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

VI - instituir impostos sobre:

(...)

e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser.

 

Assim, os CDs e DVDs produzidos no Brasil com obras musicais ou literomusicais de autores nacionais passaram a gozar de imunidade tributária.

Também não pagam impostos as obras em geral interpretadas por artistas brasileiros e as mídias ou os arquivos digitais que as contenham. Isso faz com que igualmente sejam imunes as músicas comercializadas pela internet.

 

EXPLICAÇÃO DO JULGADO

Imagine a seguinte situação hipotética:

Sons Brasileiros Ltda é uma empresa brasileira que atua no mercado de produção e distribuição de CDs, DVDs e discos de vinil, contendo músicas de artistas nacionais.

A empresa decide importar uma grande quantidade de discos de vinil produzidos na Argentina, todos com gravações de músicos brasileiros.

Quando a carga chegou ao Brasil, foi exigido o pagamento do ICMS para liberar as mercadorias da alfândega.

A Sons Brasileiros Ltda acredita que, por serem obras de artistas brasileiros, esses discos de vinil deveriam estar isentos de tributação com base na Emenda Constitucional nº 75/2013, que concede imunidade tributária para fonogramas e videofonogramas de obras musicais de artistas brasileiros.

Diante disso, a empresa impetrou mandado de segurança para que os discos fossem liberados sem o recolhimento do ICMS.

O Tribunal de Justiça de São Paulo rejeitou o pedido sob o argumento de que a imunidade tributária não se aplica a esses discos porque eles foram produzidos fora do Brasil, mesmo contendo músicas de artistas nacionais.

Inconformada, a empresa interpôs recurso extraordinário alegando que o objetivo da imunidade é promover a cultura brasileira, independentemente de onde o disco foi fabricado.

 

O STF concordou com os argumentos da empresa? A imunidade tributária se aplica neste caso?

NÃO.

Não se estende a imunidade tributária do art. 150, VI, “e”, da CF/88 à importação de suportes materiais produzidos fora do território nacional gravados com obras musicais de artistas brasileiros.

STF. Plenário. ARE 1.244.302/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 16/09/2024 (Repercussão Geral – tema 1083) (Info 1149).

 

Inicialmente, é importante fixar os conceitos de fonogramas e videofonogramas, mencionados no texto constitucional

Fonograma pode ser definido como “toda fixação de sons de uma execução ou interpretação ou de outros sons, ou de uma representação de sons que não seja uma fixação incluída em uma obra audiovisual” (art. 5º, IX, da Lei nº 9.610/1998).

O conceito de videofonograma, por sua vez, pode ser extraído da definição de obra audiovisual, que significa “a que resulta da fixação de imagens com ou sem som, que tenha a finalidade de criar, por meio de sua reprodução, a impressão de movimento, independentemente dos processos de sua captação, do suporte usado inicial ou posteriormente para fixá-lo, bem como dos meios utilizados para sua veiculação” (art. 5º, inciso VIII, alínea “i”, da Lei nº 9.610/1998).

A Medida Provisória nº 2.228-1/2001, que estabelece princípios gerais da Política Nacional do Cinema, dispõe que “obra videofonográfica” é a “obra audiovisual cuja matriz original de captação é um meio magnético com capacidade de armazenamento de informações que se traduzem em imagens em movimento, com ou sem som” (art. 1º, inciso III).

Com isso, concluímos que as obras musicais são constituídas a partir de tais fixações de sons e imagens em suportes materiais, que podem ser, por exemplo, CDs, DVDs, Blu-rays ou, como no caso concreto, discos de vinil (Long Plays – LPs).

 

Âmbito da imunidade tributária (art. 150, VI, “e” da CF/88):

A alínea “e” no inciso VI do art. 150 da CF/88 afirma expressamente que a imunidade se aplica para “fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil”, estabelecendo um limite espacial/geográfico para a sua incidência. Reveja:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

VI - instituir impostos sobre:

(...)

e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser.

 

Se adotarmos uma interpretação finalística dessa previsão, será possível atender o pedido da empresa?

NÃO. Ao fazer uma intepretação teleológica (finalística) da norma, a conclusão que se chega é que a tese da recorrente não pode ser aceita porque a intenção do legislador constituinte foi a de proteger a cultura nacional e a indústria musical interna. É essa conclusão que se extrai da justificativa da PEC nº 98/2007, conhecida como “PEC da Música”, que originou a referida EC nº 75/2013.

A justificativa da “PEC da Música” (PEC nº 98/2007) foi a de equilibrar, em relação aos produtos piratas, as etapas de comercialização de obras musicais e de produção, a fim de combater o comércio ilegal e tornar o produto brasileiro original mais atrativo.

Trata-se de imunidade voltada à proteção tributária de fonogramas e videogramas musicais, bem como aos suportes materiais e arquivos digitais que os contêm.

A norma constitucional implementou um limite espacial para proteger a cultura e salvaguardar a indústria musical interna, ou seja, a imunidade foi direcionada tão somente para o contexto da produção nacional.

Ampliar a regra para suportes materiais importados e produzidos fora do País que contenham obras musicais de artistas brasileiros criaria, indevidamente, uma imunidade por analogia.

 

Tese fixada pelo STF:

A imunidade tributária prevista no art. 150, inciso VI, alínea e, da Constituição Federal não se aplica às importações de suportes materiais produzidos fora do Brasil, ainda que contenham obra musical de artista brasileiro.

STF. Plenário. ARE 1.244.302/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 16/09/2024 (Repercussão Geral – tema 1083) (Info 1149).


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