segunda-feira, 14 de outubro de 2024
A ausência de vagas no sistema penitenciário, por si só, não justifica a substituição do regime fechado pelo regime aberto no cumprimento da prisão civil por dívida de pensão alimentícia
Imagine a seguinte situação
hipotética:
Suzana e Pedro eram casados e
tiveram um filho chamado de Tiago.
O casal se divorciou e ficou
ajustado, na sentença, que:
- Tiago ficaria morando com
Suzana; e que
- Pedro (o pai) pagaria pensão
alimentícia em favor do filho (50% do salário-mínimo).
Pedro tornou-se inadimplente e
Tiago, representado por sua mãe, ingressou com cumprimento de sentença.
O juiz decretou a prisão civil de
Pedro.
Quando o devedor de
alimentos é preso, ele fica em uma unidade prisional como se estivesse em
regime fechado?
Sim, no entanto, deverá ficar
separado dos presos comuns.
É o que afirma expressamente o § 4º do art. 528 do CPC:
Art. 528 (...)
§ 4º A prisão será cumprida em
regime fechado, devendo o preso ficar separado dos presos comuns.
Juiz determinou que Pedro
deveria ficar em regime aberto
Como vimos acima, o juiz
determinou a prisão civil de Pedro pelo prazo de 90 dias. No entanto, ele estabeleceu
que a prisão fosse cumprida em regime aberto, permitindo que Pedro saísse para
trabalhar durante o dia e retornasse à noite para dormir em casa de albergado.
A justificativa do magistrado foi
a de que não havia vagas no sistema prisional da comarca. Além disso, afirmou
que, se Pedro ficasse preso em regime fechado, não poderia trabalhar e,
consequentemente, não teria como pagar a pensão atrasada.
Recurso de Tiago
Tiago recorreu contra a decisão,
mas o Tribunal de Justiça negou provimento ao agravo de instrumento.
Ainda inconformado, Tiago
interpôs recurso especial ao STJ pedindo que a prisão civil de Pedro fosse
cumprida em regime fechado, conforme previsto no art. 528, § 4º do CPC.
Para o STJ, agiu
corretamente o juiz? É possível a substituição do regime fechado pelo regime
aberto no cumprimento da prisão civil decretada com base no art. 528 do
CPC/2015, ante a ausência de vagas no sistema penitenciário?
NÃO.
O art. 528, § 4º, do CPC/2015
estabelece que a prisão do devedor será cumprida em regime fechado, devendo
este ficar separado dos presos comuns, já que não se trata de uma prisão de
natureza penal. Por isso, não se aplicam regras típicas do direito penal, como
a progressão de regime ou a substituição da pena por outras formas.
O STJ consolidou o entendimento
de que a prisão civil deve ocorrer em regime fechado, exceto em situações
excepcionalíssimas, como a idade avançada do devedor ou problemas de saúde que
demandem cuidados especiais.
A simples falta de vagas no
sistema prisional não justifica a mudança de regime, sob pena de esvaziar a
norma do art. 528, § 4º, do CPC/2015. Caso contrário, a prisão civil deixaria
de ser efetiva, considerando que a maioria das unidades prisionais no Brasil
sofre com superlotação.
A responsabilidade de lidar com a
falta de vagas no sistema penitenciário cabe à autoridade judicial local, que,
em cooperação com os demais Poderes, deve buscar soluções adequadas à realidade
social. Ao fazer isso, é necessário manter o foco na função principal da prisão
civil: coagir o devedor a pagar os alimentos essenciais à sobrevivência digna
do alimentado, conforme recomendação do CNJ no Manual da Central de Regulação
de Vagas.
O argumento de que a proibição de
saída para atividades laborativas levaria inevitavelmente ao inadimplemento da
obrigação alimentícia não deve prevalecer. A condição de presidiário não isenta
o devedor do pagamento de alimentos, uma vez que ele ainda pode exercer
atividades remuneradas, mesmo que de forma mais restrita, dentro ou fora do
presídio.
Em suma:
A ausência de vagas no sistema penitenciário, por si
só, não justifica a substituição do regime fechado pelo regime aberto no
cumprimento da prisão civil decretada com base no art. 528 do CPC/2015.
STJ. 3ª
Turma. REsp 2.104.738-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 3/9/2024
(Info 824).