Dizer o Direito

terça-feira, 15 de outubro de 2024

A realização do exame criminológico para a progressão de regime, nas condutas anteriores à edição da Lei 14.843/2024, exige decisão motivada, nos termos da Súmula 439/STJ

ENTENDENDO A SÚMULA 439 DO STJ

A súmula 439 do STJ foi aprovada em 28/04/2010 (DJe 13/05/2010) e possui a seguinte redação:

Súmula 439-STJ: Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada.

 

Vamos entender com calma a sua amplitude e o impacto que foi produzido pela Lei nº 11.843/2024:

 

O que é exame criminológico?

Trata-se de um exame

- feito no condenado

- por um profissional

- com o objetivo de verificar

- se este apenado tem aptidão física e psíquica para progredir de regime.

 

A doutrina afirma que se trata de um exame de cunho biopsicossocial do criminoso a fim de formar um diagnóstico de sua personalidade e, assim, obter um prognóstico criminal.

Desse modo, tem por objetivo detalhar a personalidade do delinquente, sua imputabilidade ou não, o teor de sua periculosidade, a sensibilidade à pena e a probabilidade de sua correção (PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual esquemático de criminologia. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012).

A partir disso, o exame criminológico fornece subsídios para o magistrado decidir se deve ou não conceder a progressão de regime.

 

Breve histórico do exame criminológico na legislação

Redação original da LEP:

O art. 112 da Lei de Execuções Penais, em sua redação original, mencionava expressamente o exame criminológico para a progressão de regime.

Veja a redação que perdurou de 1984 a 2003:

Art. 112. (...)

Parágrafo único. A decisão será motivada e precedida de parecer da Comissão Técnica de Classificação e do exame criminológico, quando necessário.

 

Lei 10.792/2003:

A Lei nº 10.792/2003 alterou esse art. 112 e deixou de mencionar a possibilidade de exigir exame criminológico. Veja como ficou a redação do art. 112 após a Lei nº 10.792/2003:

Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 2003)

 

Mesmo após a Lei nº 10.792/2003 continuou sendo possível exigir o exame criminológico?

SIM. A jurisprudência se firmou no sentido de que, mesmo após a Lei nº 10.792/2003, o exame criminológico ainda poderia ser realizado se o juiz, de forma fundamentada e excepcional, entendesse que a perícia era absolutamente necessária para a formação de seu convencimento.

Em suma, a Lei nº 10.792/2003 não dispensou, mas apenas tornou facultativa a realização do exame criminológico, que ainda poderia ser feito para a aferição da personalidade e do grau de periculosidade do sentenciado.

Nesse sentido, em 28/04/2010, o STJ aprovou o seguinte enunciado espelhando essa conclusão:

Súmula 439-STJ: Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada.

 

Há também uma súmula do STF, aprovada em 16/12/2009, que indica a possibilidade da realização do exame criminológico:

Súmula vinculante 26: Para efeito de progressão de regime de cumprimento de pena, por crime hediondo ou equiparado, praticado antes de 29 de marco de 2007, o juiz da execução, ante a inconstitucionalidade do artigo 2º, parágrafo 1º da Lei 8.072/90, aplicará o artigo 112 da Lei de Execuções Penais, na redação original, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche ou não os requisitos objetivos e subjetivos do benefício podendo determinar para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.

 

Assim, mesmo após a Lei nº 10.792/2003, continuou sendo possível que o juiz negasse a progressão de regime com base no exame criminológico:

Esta Corte possui o entendimento de que o resultado desfavorável de exame criminológico justifica a negativa de progressão de regime por falta de requisito subjetivo.

STJ. 5ª Turma. AgRg no HC n. 870.417/SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 5/12/2023.

STJ. 6ª Turma. AgRg no HC n. 848.737/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 2/10/2023.

 

Lei nº 14.843/2024

O exame criminológico passou a ser obrigatório para que o apenado tenha direito à progressão de regime.

 

LEP

Art. 112. (...)

§ 1º Em todos os casos, o apenado somente terá direito à progressão de regime se ostentar boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento, e pelos resultados do exame criminológico, respeitadas as normas que vedam a progressão. (redação dada Lei nº 14.843/2023)

 

Como fica agora a súmula 439 do STJ?

Fica superada, em parte.

A súmula dizia que o juiz somente poderia exigir o exame criminológico se houvesse necessidade diante das peculiaridades do caso concreto, devendo, para isso, prolatar decisão fundamentada.

Com a Lei nº 14.843/2024, o juiz deverá exigir o exame criminológico em todas as situações de progressão de regime e, somente se for dispensar o exame, é que deverá fundamentar essa excepcionalidade com base nas peculiaridades do caso.

A Lei nº 14.843/2024 entrou em vigor no dia 11/04/2024.

 

EXPLICAÇÃO DO JULGADO

Imagine a seguinte situação hipotética:

João possui duas condenações definitivas, que totalizam 22 anos, 11 meses e 12 dias de pena, em regime fechado.

Após diversos anos de cumprimento de pena, João cumpriu o requisito objetivo para a progressão de regime.

No dia 13/04/2024, João pleiteou a progressão de regime ao juízo da execução penal.

No dia 23/05/2024, o juízo da execução determinou a realização de exame criminológico para avaliar o requisito subjetivo para a progressão de regime, conforme determinação da Lei 14.843/2024, que entrou em vigor no dia 11/04/2024.

Confira a decisão do magistrado:

A transferência para regime menos rigoroso exige o cumprimento dos requisitos objetivo e subjetivo, conforme estabelece o art. 112 da Lei de Execução Penal.

A Lei nº 18.843/2024, de vigência imediata, acrescentou no § 1º do art. 112 da LEP a exigência de exame criminológico como condição obrigatória para avaliação do requisito subjetivo na progressão de regime.

Assim, considerando o disposto no art. 112, § 1º, da LEP, DETERMINO a realização de exame criminológico, a fim de aferir o preenchimento do requisito subjetivo para progredir de regime.

Após, oficie-se ao estabelecimento prisional onde o sentenciado encontra-se recolhido, para que viabilize a realização do exame criminológico, encaminhando relatório conclusivo a este Juízo no prazo de 15 (quinze) dias.

 

A defesa de João impetrou habeas corpus. Argumentou que os crimes foram cometidos pelo paciente em momento anterior ao da atual redação trazida pela Lei nº 14.843/2024, que é mais gravosa. Por isso, não poderia o paciente ser submetido e regido por lei prejudicial e posterior à data do cometimento dos crimes, conforme art. 5º, XL, da Constituição Federal, que estabelece o princípio da irretroatividade da lei penal.

No caso de João, a realização do exame criminológico somente poderia ser determinada de forma fundamentada, conforme a Súmula 439 do STJ: Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada.

 

O STJ concordou com os argumentos da defesa?

SIM.

A exigência de realização de exame criminológico para toda e qualquer progressão de regime, nos termos da Lei nº 14.843/2024, constitui novatio legis in pejus, pois incrementa requisito, tornando mais difícil alcançar regimes prisionais menos gravosos à liberdade.

Por essa razão, a retroatividade dessa norma se mostra inconstitucional, diante do art. 5º, XL, da Constituição Federal, e ilegal, nos termos do art. 2º do Código Penal.

Para situações anteriores à edição da nova lei permanece a possibilidade de exigência da realização do exame criminológico, desde que devidamente motivada, nos termos da Súmula 439/STJ.

No caso, todas as condenações do reeducando são anteriores à Lei nº 14.843/2024, não sendo aplicável a disposição legal de forma retroativa.

Note-se que nessa mesma linha, o STJ considerou inaplicável a Lei nº 11.464/2007 aos casos anteriores à sua publicação, pois incrementou requisitos para progressão dos condenados por crimes hediondos. Esse entendimento levou à edição da Súmula 471/STJ.

 

Em suma:

A realização do exame criminológico para a progressão de regime, nas condutas anteriores à edição da Lei nº 14.843/2024, exige decisão motivada, nos termos da Súmula 439/STJ. 

STJ. 6ª Turma. RHC 200.670-GO, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 20/8/2024 (Info 824).


segunda-feira, 14 de outubro de 2024

A ausência de vagas no sistema penitenciário, por si só, não justifica a substituição do regime fechado pelo regime aberto no cumprimento da prisão civil por dívida de pensão alimentícia

Imagine a seguinte situação hipotética:

Suzana e Pedro eram casados e tiveram um filho chamado de Tiago.

O casal se divorciou e ficou ajustado, na sentença, que:

- Tiago ficaria morando com Suzana; e que

- Pedro (o pai) pagaria pensão alimentícia em favor do filho (50% do salário-mínimo).

 

Pedro tornou-se inadimplente e Tiago, representado por sua mãe, ingressou com cumprimento de sentença.

O juiz decretou a prisão civil de Pedro.

 

Quando o devedor de alimentos é preso, ele fica em uma unidade prisional como se estivesse em regime fechado?

Sim, no entanto, deverá ficar separado dos presos comuns.

É o que afirma expressamente o § 4º do art. 528 do CPC:

Art. 528 (...)

§ 4º A prisão será cumprida em regime fechado, devendo o preso ficar separado dos presos comuns.

 

Juiz determinou que Pedro deveria ficar em regime aberto

Como vimos acima, o juiz determinou a prisão civil de Pedro pelo prazo de 90 dias. No entanto, ele estabeleceu que a prisão fosse cumprida em regime aberto, permitindo que Pedro saísse para trabalhar durante o dia e retornasse à noite para dormir em casa de albergado.

A justificativa do magistrado foi a de que não havia vagas no sistema prisional da comarca. Além disso, afirmou que, se Pedro ficasse preso em regime fechado, não poderia trabalhar e, consequentemente, não teria como pagar a pensão atrasada.

 

Recurso de Tiago

Tiago recorreu contra a decisão, mas o Tribunal de Justiça negou provimento ao agravo de instrumento.

Ainda inconformado, Tiago interpôs recurso especial ao STJ pedindo que a prisão civil de Pedro fosse cumprida em regime fechado, conforme previsto no art. 528, § 4º do CPC.

 

Para o STJ, agiu corretamente o juiz? É possível a substituição do regime fechado pelo regime aberto no cumprimento da prisão civil decretada com base no art. 528 do CPC/2015, ante a ausência de vagas no sistema penitenciário?

NÃO.

O art. 528, § 4º, do CPC/2015 estabelece que a prisão do devedor será cumprida em regime fechado, devendo este ficar separado dos presos comuns, já que não se trata de uma prisão de natureza penal. Por isso, não se aplicam regras típicas do direito penal, como a progressão de regime ou a substituição da pena por outras formas.

O STJ consolidou o entendimento de que a prisão civil deve ocorrer em regime fechado, exceto em situações excepcionalíssimas, como a idade avançada do devedor ou problemas de saúde que demandem cuidados especiais.

A simples falta de vagas no sistema prisional não justifica a mudança de regime, sob pena de esvaziar a norma do art. 528, § 4º, do CPC/2015. Caso contrário, a prisão civil deixaria de ser efetiva, considerando que a maioria das unidades prisionais no Brasil sofre com superlotação.

A responsabilidade de lidar com a falta de vagas no sistema penitenciário cabe à autoridade judicial local, que, em cooperação com os demais Poderes, deve buscar soluções adequadas à realidade social. Ao fazer isso, é necessário manter o foco na função principal da prisão civil: coagir o devedor a pagar os alimentos essenciais à sobrevivência digna do alimentado, conforme recomendação do CNJ no Manual da Central de Regulação de Vagas.

O argumento de que a proibição de saída para atividades laborativas levaria inevitavelmente ao inadimplemento da obrigação alimentícia não deve prevalecer. A condição de presidiário não isenta o devedor do pagamento de alimentos, uma vez que ele ainda pode exercer atividades remuneradas, mesmo que de forma mais restrita, dentro ou fora do presídio.

 

Em suma:

A ausência de vagas no sistema penitenciário, por si só, não justifica a substituição do regime fechado pelo regime aberto no cumprimento da prisão civil decretada com base no art. 528 do CPC/2015. 

STJ. 3ª Turma. REsp 2.104.738-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 3/9/2024 (Info 824).


domingo, 13 de outubro de 2024

A tentativa de fuga após o acidente é posterior aos fatos e não permite concluir que o réu agiu com dolo

Imagine a seguinte situação hipotética:

João, embriagado, conduzia um automóvel em uma rodovia, em velocidade incompatível com o local.

Determinado momento, João entrou na contramão e atropelou Paulo, que andava de bicicleta no acostamento da via.

Após a colisão, João tentou fugir do local, mas não conseguiu por causa dos danos sofridos por seu veículo. Paulo faleceu.

O Ministério Público ofereceu denúncia contra João imputando-lhe a prática de homicídio doloso (art. 121 do Código Penal) em concurso com o crime de embriaguez ao volante (art. 306 do Código de Trânsito).

O MP sustentou ter havido dolo eventual por parte do denunciado baseado em quatro razões:

I) a embriaguez do acusado;

II) o excesso de velocidade do veículo no momento da colisão;

III) o fato de a colisão ter acontecido no acostamento; e

IV) a tentativa de fuga do réu após os fatos.

 

João foi pronunciado e submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri.

O excesso de velocidade não foi comprovado pela perícia. Também não se conseguiu ter certeza que a vítima estaria no acostamento da via.

Mesmo assim, os jurados decidiram condenar o réu.

O Tribunal de Justiça manteve a decisão do Júri.

Ainda inconformado, João interpôs recurso especial no qual sustentou que o reconhecimento do dolo foi manifestamente contrário à prova dos autos.

 

O STJ concordou com o réu?

SIM.

O simples fato de o acusado encontrar-se embriagado  não justifica por si só a imputação de dolo eventual.

Além disso, a tentativa de fuga após a colisão é conduta posterior à consumação do crime, e por isso, obviamente, não influencia o que aconteceu antes dela.

Tentar fugir do local dos fatos é uma postura reprovável (e que pode configurar um crime autônomo, tipificado no art. 305 do CTB), mas nada diz sobre o elemento subjetivo na conduta anterior do acusado, quando da colisão.

Dessa forma, o único fato efetivamente comprovado, que é a embriaguez do acusado, é por si só insuficiente para comprovar o dolo em sua conduta.

Por todos esses fatores, conclui-se que não há prova suficiente para embasar o veredito condenatório quanto ao dolo eventual, sendo necessária a cassação da sentença e a submissão do réu a novo júri, nos termos do art. 593, III, “d”, e § 3º, do CPP:

Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias:

(...)

III - das decisões do Tribunal do Júri, quando:

(...)

d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos.

(...)

§ 3º Se a apelação se fundar no nº III, d, deste artigo, e o tribunal ad quem se convencer de que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, dar-lhe-á provimento para sujeitar o réu a novo julgamento; não se admite, porém, pelo mesmo motivo, segunda apelação.

 

Em suma:

A tentativa de fuga após o acidente é posterior aos fatos e não permite concluir que o réu agiu com dolo. 

STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 2.519.852-SC, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 3/9/2024 (Info 824).


sábado, 12 de outubro de 2024

Revisão para o Exame Nacional da Magistratura (ENAM II)

Olá, amigas e amigos do Dizer o Direito,

Já está disponível a Revisão para o Exame Nacional da Magistratura (ENAM II).

Bons estudos.



 

A imunidade musical somente se aplica para fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil; mídias importadas, mesmo que contenham obras de artistas nacionais, não gozam da imunidade tributária

IMUNIDADE MUSICAL

O que é imunidade tributária?

Imunidade tributária consiste na determinação de que certas atividades, rendas, bens ou pessoas não poderão sofrer a incidência de tributos.

Trata-se de uma dispensa constitucional de tributo.

A imunidade é uma limitação ao poder de tributar, sendo sempre prevista na própria CF.

 

Imunidade tributária musical

A EC 75/2013 inseriu a alínea “e” no inciso VI do art. 150 da CF/88, criando nova espécie de imunidade tributária. Veja:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

VI - instituir impostos sobre:

(...)

e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser.

 

Assim, os CDs e DVDs produzidos no Brasil com obras musicais ou literomusicais de autores nacionais passaram a gozar de imunidade tributária.

Também não pagam impostos as obras em geral interpretadas por artistas brasileiros e as mídias ou os arquivos digitais que as contenham. Isso faz com que igualmente sejam imunes as músicas comercializadas pela internet.

 

EXPLICAÇÃO DO JULGADO

Imagine a seguinte situação hipotética:

Sons Brasileiros Ltda é uma empresa brasileira que atua no mercado de produção e distribuição de CDs, DVDs e discos de vinil, contendo músicas de artistas nacionais.

A empresa decide importar uma grande quantidade de discos de vinil produzidos na Argentina, todos com gravações de músicos brasileiros.

Quando a carga chegou ao Brasil, foi exigido o pagamento do ICMS para liberar as mercadorias da alfândega.

A Sons Brasileiros Ltda acredita que, por serem obras de artistas brasileiros, esses discos de vinil deveriam estar isentos de tributação com base na Emenda Constitucional nº 75/2013, que concede imunidade tributária para fonogramas e videofonogramas de obras musicais de artistas brasileiros.

Diante disso, a empresa impetrou mandado de segurança para que os discos fossem liberados sem o recolhimento do ICMS.

O Tribunal de Justiça de São Paulo rejeitou o pedido sob o argumento de que a imunidade tributária não se aplica a esses discos porque eles foram produzidos fora do Brasil, mesmo contendo músicas de artistas nacionais.

Inconformada, a empresa interpôs recurso extraordinário alegando que o objetivo da imunidade é promover a cultura brasileira, independentemente de onde o disco foi fabricado.

 

O STF concordou com os argumentos da empresa? A imunidade tributária se aplica neste caso?

NÃO.

Não se estende a imunidade tributária do art. 150, VI, “e”, da CF/88 à importação de suportes materiais produzidos fora do território nacional gravados com obras musicais de artistas brasileiros.

STF. Plenário. ARE 1.244.302/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 16/09/2024 (Repercussão Geral – tema 1083) (Info 1149).

 

Inicialmente, é importante fixar os conceitos de fonogramas e videofonogramas, mencionados no texto constitucional

Fonograma pode ser definido como “toda fixação de sons de uma execução ou interpretação ou de outros sons, ou de uma representação de sons que não seja uma fixação incluída em uma obra audiovisual” (art. 5º, IX, da Lei nº 9.610/1998).

O conceito de videofonograma, por sua vez, pode ser extraído da definição de obra audiovisual, que significa “a que resulta da fixação de imagens com ou sem som, que tenha a finalidade de criar, por meio de sua reprodução, a impressão de movimento, independentemente dos processos de sua captação, do suporte usado inicial ou posteriormente para fixá-lo, bem como dos meios utilizados para sua veiculação” (art. 5º, inciso VIII, alínea “i”, da Lei nº 9.610/1998).

A Medida Provisória nº 2.228-1/2001, que estabelece princípios gerais da Política Nacional do Cinema, dispõe que “obra videofonográfica” é a “obra audiovisual cuja matriz original de captação é um meio magnético com capacidade de armazenamento de informações que se traduzem em imagens em movimento, com ou sem som” (art. 1º, inciso III).

Com isso, concluímos que as obras musicais são constituídas a partir de tais fixações de sons e imagens em suportes materiais, que podem ser, por exemplo, CDs, DVDs, Blu-rays ou, como no caso concreto, discos de vinil (Long Plays – LPs).

 

Âmbito da imunidade tributária (art. 150, VI, “e” da CF/88):

A alínea “e” no inciso VI do art. 150 da CF/88 afirma expressamente que a imunidade se aplica para “fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil”, estabelecendo um limite espacial/geográfico para a sua incidência. Reveja:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

VI - instituir impostos sobre:

(...)

e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser.

 

Se adotarmos uma interpretação finalística dessa previsão, será possível atender o pedido da empresa?

NÃO. Ao fazer uma intepretação teleológica (finalística) da norma, a conclusão que se chega é que a tese da recorrente não pode ser aceita porque a intenção do legislador constituinte foi a de proteger a cultura nacional e a indústria musical interna. É essa conclusão que se extrai da justificativa da PEC nº 98/2007, conhecida como “PEC da Música”, que originou a referida EC nº 75/2013.

A justificativa da “PEC da Música” (PEC nº 98/2007) foi a de equilibrar, em relação aos produtos piratas, as etapas de comercialização de obras musicais e de produção, a fim de combater o comércio ilegal e tornar o produto brasileiro original mais atrativo.

Trata-se de imunidade voltada à proteção tributária de fonogramas e videogramas musicais, bem como aos suportes materiais e arquivos digitais que os contêm.

A norma constitucional implementou um limite espacial para proteger a cultura e salvaguardar a indústria musical interna, ou seja, a imunidade foi direcionada tão somente para o contexto da produção nacional.

Ampliar a regra para suportes materiais importados e produzidos fora do País que contenham obras musicais de artistas brasileiros criaria, indevidamente, uma imunidade por analogia.

 

Tese fixada pelo STF:

A imunidade tributária prevista no art. 150, inciso VI, alínea e, da Constituição Federal não se aplica às importações de suportes materiais produzidos fora do Brasil, ainda que contenham obra musical de artista brasileiro.

STF. Plenário. ARE 1.244.302/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 16/09/2024 (Repercussão Geral – tema 1083) (Info 1149).


quinta-feira, 10 de outubro de 2024

INFORMATIVO Comentado 824 STJ (completo e resumido)

Olá, amigas e amigos do Dizer o Direito,

Já está disponível mais um INFORMATIVO COMENTADO.

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Confira abaixo o índice. Bons estudos.

ÍNDICE DO INFORMATIVO 824 DO STJ


DIREITO ADMINISTRATIVO

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

§  A suspensão dos direitos políticos pode ser aplicada ao particular que tenha praticado a improbidade com o agente público; a proibição de contratar com o Poder Público pode ser aplicada ao agente público mesmo que ele não exerça atividade empresarial.

 

DIREITO CIVIL

CONTRATO DE SEGURO

§  Nas demandas de indenização securitária deve-se aplicar a regra geral de distribuição estática do ônus da prova, recaindo sobre a seguradora o ônus de comprovar as causas excludentes da cobertura.

 

CASAMENTO

§  A partilha de bens é direito potestativo que não se sujeita à prescrição ou à decadência, podendo ser requerida a qualquer tempo por um dos ex-cônjuges, sem que o outro possa se opor.

 

ALIMENTOS

§  A ausência de vagas no sistema penitenciário, por si só, não justifica a substituição do regime fechado pelo regime aberto no cumprimento da prisão civil decretada com base no art. 528 do CPC/2015.

 

DIREITO EMPRESARIAL

FALÊNCIA

§  O art. 82-A da Lei nº 11.101/2005 não confere ao Juízo falimentar competência exclusiva para desconsiderar a personalidade jurídica.

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

§  Se a plataforma de comércio eletrônico cumprir a tutela de urgência sem ofertar oposição à pretensão do autor, ela não deverá ser condenada a pagar honorários advocatícios.

§  Se o juiz proferiu decisão interlocutória excluindo um dos litisconsortes por ilegitimidade, os honorários serão fixados de forma proporcional, podendo ser inferiores ao limite mínimo do art. 85, § 2º, do CPC.

 

RECURSOS

§  O rejulgamento do recurso de apelação na mesma sessão que acolhe os embargos de declaração - sem a devida notificação prévia para sustentação oral - configura cerceamento ao direito de defesa e ao contraditório, ocasionando a nulidade do julgamento.

 

EXECUÇÃO > IMPENHORABILIDADE

§  São impenhoráveis os valores depositados em instituição bancária até o limite de 40 salários mínimos, ainda que não se trate especificamente de conta-poupança.

  

DIREITO PENAL

CRIMES CONTRA A VIDA

§  A tentativa de fuga após o acidente é posterior aos fatos e não permite concluir que o réu agiu com dolo.

 

LEI MARIA DA PENHA

§  O fato de não haver relação duradoura de afeto não afasta a incidência do sistema protetivo da Lei Maria da Penha.

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL

EXECUÇÃO PENAL

§  A realização do exame criminológico para a progressão de regime, nas condutas anteriores à edição da Lei 14.843/2024, exige decisão motivada, nos termos da Súmula 439/STJ.

 

DIREITO TRIBUTÁRIO

PIS/COFINS

§  A determinação de suspensão do pagamento da contribuição PIS e da COFINS prevista no art. 54, III, da Lei 12.350/2010 restringe-se às operações de vendas efetuadas a pessoas jurídicas, não abrangendo vendas feitas a pessoas físicas.


INFORMATIVO Comentado 1149 STF (completo e resumido)

Olá, amigas e amigos do Dizer o Direito,

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Confira abaixo o índice. Bons estudos.

ÍNDICE DO INFORMATIVO 1149 DO STF


Direito Constitucional

COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS

§  É inconstitucional lei distrital (ou estadual) que proíba as empresas de TV por assinatura de cobrarem pela instalação e utilização de pontos adicionais.

 

TRIBUNAL DE CONTAS

§  Lei estadual previu que os Conselheiros do TCE não podem exercer comércio ou participar de sociedade comercial, inclusive de economia mista, exceto como acionista ou quotista sem poder de voto ou participação majoritária; essa previsão é constitucional.

 

AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA

§  A autonomia de gestão financeira e patrimonial das universidades públicas não impõe a adoção de um modelo (duodécimos ou caixa único); no entanto, qualquer que seja o modelo adotado, deve ser assegurado um mínimo de recursos e patrimônio para gerir.

 

DIREITO ADMINISTRATIVO

SERVIDORES PÚBLICOS

§  Servidores públicos que sejam eleitos para cargos de Deputado Federal ou de Senador podem ingressar e se manter no Plano de Seguridade Social dos Congressistas (PSSC) caso tenham feito a opção antes da EC 103/2019.

 

LICITAÇÕES

§  Análise do inciso VIII do art. 75 da nova Lei de Licitações.

§  Lei distrital pode exigir licença de funcionamento do órgão de vigilância sanitária para que as empresas possam se habilitar em licitações para a prestação de serviços de combate a pragas, higienização de reservatórios e manipulação de produtos químicos.

 

DIREITO NOTARIAL E REGISTRAL

REGIME JURÍDICO

§  Não há violação constitucional em caso de acumulação de especialidade em serventia preexistente, caso o delegatário tenha sido habilitado, por concurso público, para uma das atividades na hipótese excepcional do art. 26, parágrafo único da Lei 8.935/94.

 

DIREITO TRIBUTÁRIO

IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

§  A imunidade musical somente se aplica para fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil; mídias importadas, mesmo que contenham obras de artistas nacionais, não gozam da imunidade tributária.

 

ICMS

§  São constitucionais as regras de convênio do Confaz que obrigam as instituições financeiras a fornecer aos Estados informações sobre pagamentos e transferências feitos por clientes em operações eletrônicas em que haja recolhimento do ICMS.


terça-feira, 8 de outubro de 2024

Mesmo que o processo esteja tramitando em sigilo e que o nível de sigilo seja elevado, não se pode ocultar o nome do advogado da parte na intimação

Imagine a seguinte situação hipotética:

João foi acusado de homicídio qualificado.

Vale ressaltar que o processo tramita em segredo de justiça.

O juiz proferiu decisão pronunciando o réu.

João, por intermédio do seu advogado (Dr. Pedro), interpôs recurso em sentido estrito contra a decisão de pronúncia.

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul designou uma sessão de julgamento para apreciar o recurso.

Devido ao nível de sigilo 2 atribuído ao processo, a publicação da pauta no Diário da Justiça Eletrônico não incluiu os nomes das partes nem do advogado (Dr. Pedro) do réu. Na publicação constaram apenas a classe de processo, o número de processo, o número de pauta e a relatoria.

A Secretaria certificou que o processo estava sob “Sigilo de nº 2”, circunstância que torna sigilosos os nomes das partes e dos procuradores na publicação.

Como Dr. Pedro não tomou conhecimento da data do julgamento, não conseguiu apresentar memoriais nem realizar sustentação oral em defesa de seu cliente.

O recurso foi julgado e desprovido, sem a participação da defesa.

Dr. Pedro só ficou sabendo do resultado do julgamento dias depois.

João interpôs recurso dirigido ao STJ arguindo a nulidade do julgamento por cerceamento de defesa, alegando que a falta de intimação do advogado violou os princípios do contraditório e da ampla defesa.

O Ministério Público, por sua vez, defendeu que a intimação foi regular, argumentando que, em processos com nível de sigilo 2, os nomes das partes e advogados devem ficar ocultos na publicação da pauta.

 

O que decidiu o STJ? Houve nulidade por vício na intimação?

SIM.

O STJ anulou o processo desde a sua inclusão em pauta virtual do TJRS.

O Tribunal de Justiça consignou que foi publicada a intimação de pauta de julgamento no Diário da Justiça Eletrônico, na qual constaram as informações de classe e número do processo e que devido ao nível de sigilo do feito ser o de número 2, torna sigiloso os nomes de partes e procuradores.

Contudo, não há previsão legal de uma gradação de sigilo em que os nomes dos procuradores não são citados. A justificativa do nível sigilo não é suficiente para supressão do nome dos procuradores, devendo se guardar sigilo apenas do nome das partes, pois torna inviável a verificação pelos advogados do dia de inclusão do feito para julgamento.

A perda de momento em que poderia ser apresentada uma defesa é extremamente prejudicial ao réu e fere o princípio da ampla defesa e do contraditório, princípios basilares do devido processo legal.

Note-se que o julgamento do recurso sem a devida intimação da parte interessada acarreta nulidade, conforme enunciado n. 431 da Sumula do STF: “É nulo o julgamento de recurso criminal, na segunda instância, sem prévia intimação, ou publicação da pauta, salvo em habeas corpus”.

 

Em suma:

Eventual nível de sigilo do processo não autoriza a ocultação do nome do advogado da parte na intimação. 

STJ. 5ª Turma. AREsp 2.234.661-RS, Rel. Min. Daniela Teixeira, julgado em 27/8/2024 (Info 823).


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