Usucapião
Usucapião é...
- um instituto jurídico por meio do qual a
pessoa que fica na posse de um bem (móvel ou imóvel)
- por determinados anos
- agindo como se fosse dono
- adquire a propriedade deste bem ou outros
direitos reais a ele relacionados (exs: usufruto, servidão)
- desde que cumpridos os requisitos legais.
Existem diversas modalidades de usucapião. Uma delas é a
usucapião extraordinária, prevista no art. 1.238 do Código Civil:
Art. 1.238. Aquele que, por
quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel,
adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo
requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título
para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O prazo
estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver
estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou
serviços de caráter produtivo.
Usucapião extraordinária
Prazos:
• 15 anos de posse (regra);
• 10 anos.
O prazo da usucapião extraordinária será de 10
anos se:
a) o possuidor houver estabelecido no imóvel a
sua moradia habitual; ou
b) nele tiver realizado obras ou serviços de
caráter produtivo.
Não se exige que a pessoa prove que tinha um
justo título ou que estava de boa-fé.
Não importa o tamanho do imóvel.
Feitos os esclarecimentos acima,
imagine a seguinte situação hipotética:
João morreu e deixou três filhos:
Pedro, Tiago e Ricardo.
Foi aberto um inventário que,
devido a inúmeras complexidades, ficou se arrastando durante anos.
Vale ressaltar que, após o
falecimento, Pedro passou a morar sozinho em uma casa deixada por João.
Durante 15 anos, Pedro viveu nessa
casa, cuidando da manutenção, pagando impostos e se comportando como se fosse o
único dono do imóvel.
Tiago e Ricardo, por sua vez,
residem em outra cidade e nunca se interessaram pela casa.
Depois desses 15 anos, Pedro
ingressou com ação de usucapião extraordinária pedindo para ser declarado
proprietário do imóvel.
O juiz extinguiu o processo sem resolução do mérito sob o
argumento de que Pedro, enquanto herdeiro, não teria legitimidade para propor
ação de usucapião. Confira a argumentação do magistrado:
“Inexiste
interesse de agir, uma vez que o autor não pode usucapir um imóvel que já lhe
pertence. In casu, tanto o autor, quanto os herdeiros do espólio requerido,
possuem o direito de domínio sobre o imóvel.
A existência
de condomínio na posse, ainda que o herdeiro permanecesse no imóvel por mais de
quinze anos após o falecimento do genitor, não caracteriza a posse ad
usucapionem, pois durante todo esse período não exerceu a posse de forma
inequívoca e inconteste, pois todos os herdeiros, inclusive o autor, sabiam da
necessidade de regularização do imóvel.
A ocupação do
imóvel pelo autor se traduz em atos de mera tolerância, o que não induz a posse
necessária à usucapião. Tem-se que a posse exercida por ele deriva de mera
liberalidade, sendo, por isso, imprestável para usucapião.”
A sentença foi mantida pelo
Tribunal de São Paulo.
Ainda inconformado, Pedro
interpôs recurso especial afirmando que possui sim legitimidade e interesse em
pedir a usucapião.
O STJ deu provimento ao
recurso de Pedro?
SIM.
Conforme vimos acima, o juiz e o
TJ/SP entenderam que o autor é herdeiro do imóvel e que, apesar de estar há
muito tempo na casa, não seria possível afirmar que os outros herdeiros a
abandonaram, já que o inventário ainda estava em andamento. Assim, o autor
teria apenas a posse, como os demais herdeiros proprietários.
Vale ressaltar, contudo, que o
STJ entende que é possível sim a usucapião de imóvel herdado por um herdeiro
que tenha posse exclusiva. Desse modo, o herdeiro tem legitimidade e interesse
em usucapir em seu nome, desde que exerça a posse de forma exclusiva e cumpra
os requisitos legais para a usucapião extraordinária.
A partir da transmissão da
herança com a abertura da sucessão, “cria-se um condomínio pro indiviso sobre o
acervo hereditário, regendo-se o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade
e posse da herança, pelas normas relativas ao condomínio”. Assim, “O condômino,
tem legitimidade para usucapir em nome próprio, desde que exerça a posse por si
mesmo, ou seja, desde que comprovados os requisitos legais atinentes à
usucapião, bem como tenha sido exercida posse exclusiva com efetivo animus
domini pelo prazo determinado em lei, sem qualquer oposição dos demais
proprietários” (STJ. 3ª Turma. REsp 1.631.859/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi,
julgado em 22/5/2018).
Em suma:
O herdeiro que tem a posse exclusiva de imóvel objeto
de herança possui legitimidade e interesse na declaração de usucapião
extraordinária em nome próprio.
STJ. 4ª
Turma. AgInt no AREsp 2.355.307-SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 17/6/2024
(Info 822).