Dizer o Direito

segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Se um dos herdeiros fica morando em um dos imóveis objeto da herança enquanto se aguarda o encerramento do inventário, é possível, em tese, que ele adquira a propriedade do bem por usucapião?

Usucapião

Usucapião é...

- um instituto jurídico por meio do qual a pessoa que fica na posse de um bem (móvel ou imóvel)

- por determinados anos

- agindo como se fosse dono

- adquire a propriedade deste bem ou outros direitos reais a ele relacionados (exs: usufruto, servidão)

- desde que cumpridos os requisitos legais.

 

Existem diversas modalidades de usucapião. Uma delas é a usucapião extraordinária, prevista no art. 1.238 do Código Civil:

Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

 

Usucapião extraordinária

Prazos:

• 15 anos de posse (regra);

• 10 anos.

 

O prazo da usucapião extraordinária será de 10 anos se:

a) o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual; ou

b) nele tiver realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

 

Não se exige que a pessoa prove que tinha um justo título ou que estava de boa-fé.

Não importa o tamanho do imóvel.

 

Feitos os esclarecimentos acima, imagine a seguinte situação hipotética:

João morreu e deixou três filhos: Pedro, Tiago e Ricardo.

Foi aberto um inventário que, devido a inúmeras complexidades, ficou se arrastando durante anos.

Vale ressaltar que, após o falecimento, Pedro passou a morar sozinho em uma casa deixada por João.

Durante 15 anos, Pedro viveu nessa casa, cuidando da manutenção, pagando impostos e se comportando como se fosse o único dono do imóvel.

Tiago e Ricardo, por sua vez, residem em outra cidade e nunca se interessaram pela casa.

Depois desses 15 anos, Pedro ingressou com ação de usucapião extraordinária pedindo para ser declarado proprietário do imóvel.

O juiz extinguiu o processo sem resolução do mérito sob o argumento de que Pedro, enquanto herdeiro, não teria legitimidade para propor ação de usucapião. Confira a argumentação do magistrado:

“Inexiste interesse de agir, uma vez que o autor não pode usucapir um imóvel que já lhe pertence. In casu, tanto o autor, quanto os herdeiros do espólio requerido, possuem o direito de domínio sobre o imóvel.

A existência de condomínio na posse, ainda que o herdeiro permanecesse no imóvel por mais de quinze anos após o falecimento do genitor, não caracteriza a posse ad usucapionem, pois durante todo esse período não exerceu a posse de forma inequívoca e inconteste, pois todos os herdeiros, inclusive o autor, sabiam da necessidade de regularização do imóvel.

A ocupação do imóvel pelo autor se traduz em atos de mera tolerância, o que não induz a posse necessária à usucapião. Tem-se que a posse exercida por ele deriva de mera liberalidade, sendo, por isso, imprestável para usucapião.”

 

A sentença foi mantida pelo Tribunal de São Paulo.

Ainda inconformado, Pedro interpôs recurso especial afirmando que possui sim legitimidade e interesse em pedir a usucapião.

 

O STJ deu provimento ao recurso de Pedro?

SIM.

Conforme vimos acima, o juiz e o TJ/SP entenderam que o autor é herdeiro do imóvel e que, apesar de estar há muito tempo na casa, não seria possível afirmar que os outros herdeiros a abandonaram, já que o inventário ainda estava em andamento. Assim, o autor teria apenas a posse, como os demais herdeiros proprietários.

Vale ressaltar, contudo, que o STJ entende que é possível sim a usucapião de imóvel herdado por um herdeiro que tenha posse exclusiva. Desse modo, o herdeiro tem legitimidade e interesse em usucapir em seu nome, desde que exerça a posse de forma exclusiva e cumpra os requisitos legais para a usucapião extraordinária.

A partir da transmissão da herança com a abertura da sucessão, “cria-se um condomínio pro indiviso sobre o acervo hereditário, regendo-se o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, pelas normas relativas ao condomínio”. Assim, “O condômino, tem legitimidade para usucapir em nome próprio, desde que exerça a posse por si mesmo, ou seja, desde que comprovados os requisitos legais atinentes à usucapião, bem como tenha sido exercida posse exclusiva com efetivo animus domini pelo prazo determinado em lei, sem qualquer oposição dos demais proprietários” (STJ. 3ª Turma. REsp 1.631.859/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/5/2018).

 

Em suma:

O herdeiro que tem a posse exclusiva de imóvel objeto de herança possui legitimidade e interesse na declaração de usucapião extraordinária em nome próprio. 

STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 2.355.307-SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 17/6/2024 (Info 822).


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