quarta-feira, 25 de setembro de 2024
São constitucionais as detenções e as prisões disciplinares previstas no Regulamento Disciplinar do Exército (RDE – Decreto 4.346/2002)
Onde estão previstas as transgressões
disciplinares e as punições aplicáveis aos militares do Exército?
No Regulamento Disciplinar do Exército
(Decreto nº 4.346/2002).
Regulamento Disciplinar do Exército
O Regulamento Disciplinar do Exército
(R-4) tem por finalidade especificar as transgressões disciplinares e
estabelecer normas relativas a punições disciplinares, comportamento militar
das praças, recursos e recompensas.
Quem está sujeito a esse Regulamento?
Estão sujeitos a este Regulamento os
militares do Exército na ativa, na reserva remunerada e os reformados.
Punições disciplinares
As punições disciplinares estão previstas nos arts. 23 a
33 do Regulamento.
Os incisos IV
e V preveem, inclusive, sanções que restringem a liberdade do militar:
Art. 24. Segundo a classificação
resultante do julgamento da transgressão, as punições disciplinares a que estão
sujeitos os militares são, em ordem de gravidade crescente:
IV - a detenção disciplinar;
V - a prisão disciplinar; e
Transgressões disciplinares
As transgressões disciplinares estão elencadas no Anexo I
do Regulamento.
Qual é o fundamento legal para
que um Decreto preveja as transgressões disciplinares e as punições aplicáveis
aos militares do Exército?
A autorização
para isso está no art. 47 da Lei nº 6.880/80 (Estatuto dos Militares):
Art. 47. Os regulamentos disciplinares das Forças Armadas especificarão
e classificarão as contravenções ou transgressões disciplinares e estabelecerão
as normas relativas à amplitude e aplicação das penas disciplinares, à
classificação do comportamento militar e à interposição de recursos contra as
penas disciplinares.
O art. 47 da Lei nº 6.880/80 passou a
ser questionado depois da CF/88
A
Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, LXI, trouxe a seguinte previsão:
Art. 5º (...)
LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita
e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo
nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em
lei;
Diante disso, quando a Constituição Federal de 1988 foi
promulgada, surgiram várias vozes sustentando que:
· o art. 47 da Lei nº 6.880/80 não teria
sido recepcionado já que transferiu para o Regulamento (ato infralegal) a
definição das transgressões disciplinares e respectivas punições, inclusive
sanções privativas de liberdade;
· consequentemente, seriam inválidos os
Regulamentos aprovados por Decreto que previam punições que acarretem a
“prisão” do militar.
Tanto o revogado Decreto nº 90.608/1984 (antigo
Regulamento) como o Decreto nº 4.346/2002 (atual Regulamento) estabelecem
punições que implicam privação da liberdade.
O STF concordou com esses argumentos? O
art. 47 da Lei nº 6.880/80 é incompatível com o princípio da reserva legal? Essa
previsão legal foi revogada (não recepcionada)?
NÃO.
O STF refutou
essa alegação e decidiu que:
São
constitucionais normas do Decreto nº 4.346/2002 (Regulamento Disciplinar do
Exército) que enumeram as punições disciplinares aplicáveis às transgressões
disciplinares no âmbito militar.
Essas normas
não violam o princípio da reserva legal.
STF. RE
603.116/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 19/08/2024 (Repercussão Geral –
Tema 703) (Info 1146).
O que diz o inciso LXI do art. 5º da CF/88?
O inciso LXI afirma que:
Em regra, para que alguém seja preso é
necessária ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente.
Existem duas exceções em que se pode
prender sem essa ordem da autoridade judiciária:
1) flagrante delito;
2) nos casos de transgressão militar
ou crime propriamente militar, definidos em lei.
Quando a parte final do inciso LXI
fala em “definidos em lei”, ela está exigindo que as transgressões
disciplinares sejam previstas em lei?
NÃO.
Ao se fazer uma interpretação
meramente gramatical da parte final do inciso LXI, poder-se-ia concluir que a
lei formal deve prever tanto os crimes propriamente militares como também as
transgressões militares. O STF afirmou, contudo, que essa não é a melhor
interpretação.
Crimes militares
Os crimes militares propriamente ditos são aqueles que,
tipificados no Código Penal Militar, só podem ser praticados por militares,
consistindo na violação de deveres restritos e que lhes são próprios.
Transgressões militares
Por outro lado, as transgressões militares decorrem do
exercício do poder disciplinar da Administração Militar, cuja matéria se
sujeita apenas ao princípio da reserva legal relativa, de modo que a lei, ao
descrever as condutas das infrações disciplinares, pode deixar a cargo de atos
infralegais a estipulação dos detalhes segundo as peculiaridades dos serviços.
Reserva legal se aplica aos crimes propriamente militares
A reserva legal, no tocante aos crimes propriamente
militares, é restrita, absoluta, até porque se aplicam ao direito penal militar
os princípios gerais do direito penal, entre os quais se destaca o da
legalidade penal. Aplica-se para os crimes propriamente militares o princípio
segundo o qual “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal” (art. 5º, inciso XXXIX, da CF/88).
Assim, no que tange aos crimes propriamente militares,
exige-se lei – em sentido formal – anterior à ocorrência do comportamento
porventura tipificado, certa em todos os seus elementos e circunstâncias e
taxativa na descrição da conduta incriminada.
A lei não precisa ser taxativa no que tange às infrações
disciplinares
No que diz respeito às infrações disciplinares, a lei não
precisa ser taxativa ao descrever as condutas proscritas, podendo deixar a
cargo de atos infralegais a estipulação das minúcias segundo as peculiaridades
dos serviços, as quais, muitas vezes, não poderiam sequer ser cogitadas pelo
legislador.
A tipicidade das infrações disciplinares não se equipara
à tipicidade penal.
Além disso, a Administração Militar, para o adequado
funcionamento das organizações castrenses, precisa impor obrigações e deveres
aos militares a ela vinculados sem a necessidade da pormenorizada estipulação
deles em lei formal, sendo o exercício do poder disciplinar matéria sujeita
apenas ao princípio da reserva legal relativa.
Tese fixada pelo STF:
O art. 47 da Lei nº 6.880/80 foi recepcionado pela
Constituição Federal de 1988, sendo válidos, por conseguinte, os incisos IV e V
do art. 24 do Decreto nº 4.346/02, os quais não implicam ofensa ao princípio da
reserva legal.
STF. RE
603.116/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 19/08/2024 (Repercussão Geral –
Tema 703) (Info 1146).